tag:blogger.com,1999:blog-52559028542185945242024-03-10T08:18:14.386+00:00Quem é que deu erva à Cinderela?Pássaros que falam? Fadas madrinhas que lançam feitiços? Abóboras que se transformam em coches? Cavalos que afinal são ratos?
<br>Cinderela, precisamos de falar...ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.comBlogger3915125tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-63300166160299831612023-02-15T19:33:00.004+00:002023-02-15T19:44:48.490+00:0011.11.22<div style="text-align: justify;">Foi há 10 anos, mas lembro-me como se fosse hoje: lembro-me do meu vestido azul que tinha sido usado em dias mais felizes, e lembro-me da minha mãe e da minha avó sentadas ao meu lado na sala de espera de um hospital antigo, com um ar sombrio e desmazelado. Estava nervosa, mas estava feliz: achei que seria o fim do castigo que recebi, sem nunca ter percebido muito bem porquê, ainda antes de nascer.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Tinha crescido a ouvir que aquela seria a última cirurgia. Que, quando parasse de crescer, seria possível corrigir o nariz e ficar a parecer normal. Era tudo o que eu queria: parecer normal, passar despercebida. Deixar de me sentir uma aberração, parar de achar que não merecia o mesmo que as outras porque tinha nascido diferente. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Quando me sentei frente a frente com a médica, naquele hospital com as paredes meio descascadas, não ouvi nada do que esperava ouvir: disse-me que o meu caso seria muito complexo, que seriam sempre necessárias, pelo menos, duas cirurgias, e que a probabilidade de ficar pior era grande.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Um bocadinho de mim morreu naquele hospital decrépito. Morremos sempre um bocadinho quando perdemos a esperança.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Lembro-me como se fosse hoje do quanto chorei naquele dia. Eu, que nunca chorava à frente de ninguém, fui incapaz de me controlar: ia ser sempre assim, afinal. Ia continuar a viver convencida de que era menos merecedora do amor, que as pessoas tinham razões válidas para gozarem comigo, que nunca iria saber o que era sentir-me bonita.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Passaram muitos anos.</div><div style="text-align: justify;">Em 2018 ou 2019, o meu namorado encontrou um cirurgião plástico especialista em rinoplastia no instagram de forma mais ou menos aleatória, e começou a seguir o trabalho dele. Os resultados eram muito bons, mas nenhum nariz se parecia com o meu. Nem um. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Demorei uns bons meses a ganhar coragem para marcar consulta: disse-me que de facto não havia milagres porque a minha base era inexistente, mas havia espaço para melhorar. Acreditava ser possível obter um resultado muito aceitável. E eu voltei a sonhar. Só um bocadinho, mas voltei.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Avancei com a cirurgia? </div><div style="text-align: justify;">Não, claro que não: sabia que os meus patrões da altura já não estavam nada contentes pela ousadia de faltar ao trabalho uma tarde inteira para ir a uma consulta em outro distrito, não queria imaginar o drama que seria se eu ficasse de baixa por conta de uma cirurgia estética. Resolvi esperar só mais uns meses - e depois começou a saga da pandemia e o sonho ficou debaixo do tapete outra vez.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Aproveitei a boleia do layoff para sair da clínica onde era miserável, consegui um emprego que adorava mas era temporário, e a coisa demorou a estabilizar. Depois, ao vírus e à ideia de que não fazia sentido avançar para um procedimento não urgente naquela fase, somava-se o medo mais ou menos infundado por o quão longa a cirurgia teria de ser e, principalmente, o medo de investir tanto dinheiro e não valer a pena. As palavras daquela primeira médica ainda me ecoavam nos ouvidos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">E com isto tudo, passaram-se 3 anos. Mais 3 anos da minha existência sabotados por todos os sentimentos negativos que tinha sobre mim mesma. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Só em março do ano passado é que respirei fundo e, a medo, marquei outra consulta. Finalmente. E, em novembro, estava a olhar para as luzes do bloco enquanto a anestesista me perguntava para onde queria viajar. Respondi que só queria acordar bonita, e ela apagou-me durante 6 horas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Se pudesse escolher uma sensação para ficar em loop para toda a eternidade, seria a aquela mistura de paz e felicidade que senti no recobro. Nem sequer conseguia dormir. Estava miserável, com uma dor de costas horrível por causa daquela maca duríssima do bloco, rouca, com uma ferida gigante no lábio e cheia de sede por causa das horas entubada e com os pés dormentes - o que só passou uns dois ou três dias depois - mas posso jurar que nunca estive tão feliz como naquele momento.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">E no dia a seguir, ouvi o médico dizer exatamente o que, há uns dois anos, tinha escrito numa folha solta de um caderno qualquer, numa tentativa de fazer a "carta mágica" que tinha ouvido alguém falar no tiktok: ficou muito melhor do que pensei que seria pos</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">As semanas que se seguiram não foram fáceis: de repente, sentia-me mais vulnerável do que nunca porque não estava pronta para o julgamento alheio. Estava feliz com o resultado mas o inchaço ainda fazia com que houvessem muitas variações ao longo do dia, e tinha medo de que me dissessem que não tinha valido a pena o esforço para continuar com um nariz feio: eu não precisava do nariz da barbie, só queria passar despercebida. E olhem... consegui.</div>ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-78975043642385240182022-01-12T13:44:00.001+00:002022-01-12T13:51:48.036+00:00da vida, da morte, e da ampulheta que divide as duas.<div style="text-align: justify;">Os últimos dias foram particularmente difíceis e sinto que me escondi num casulo para concluir coisas que deveriam ser óbvias - e são, na sua maioria - para todos nós, mas arrumamo-las numa caixa no sótão porque não dá jeito pensar nelas. É desagradável pensar naquele pormenor chato da vida, que é o facto de ela não ser eterna. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Poucos dias antes do natal, um parente mais ou menos afastado em termos de consanguinidade mas por quem sinto um grande carinho porque me lembro dele na minha vida desde que me lembro de mim, recebeu um diagnóstico de cancro. E eu fiz o óbvio: no meio do choque, tentei perceber do que se tratava com os meios de que dispunha - e o dr google, sempre tão dramático, talvez por ser natal até me deu boas notícias. Era um tipo de cancro com um bom prognóstico, ainda podia ficar tudo bem. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Usei e abusei dessa ideia, para mim e para os outros. Porque precisava. Vale tudo para salvarmos as pessoas de quem gostamos, mesmo que seja só nas nossas cabeças, só por mais cinco minutos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">E depois chegou janeiro.</div><div style="text-align: justify;">Janeiro trouxe outra consulta, o resultado da biópsia e uma combinação de palavras que esperamos nunca ouvir sobre um dos nossos: cuidados paliativos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É um cancro raro, galopante, que já lhe começa a roubar a mobilidade. E, em menos de nada, uma pessoa relativamente saudável até então, está a ser mastigada por uma doença que ninguém sabe muito bem de onde veio mas instalou-se e tomou as rédeas da vida dele sem pedir permissão.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Hoje, escrevo-o aqui mas ainda não aceitei. Estou claramente na primeira fase do luto, a negação, e ainda espero por um milagre qualquer. Sou incapaz de aceitar que se fale da morte sem se tentar o que quer que seja para prolongar a vida primeiro - até à data, ainda nada foi feito. E eu, (recém) otimista, tendo a esperar pela salvação na última curva, por aquele golpe magistral da sorte que volta a virar a ampulheta e a entregar-lhe mais uns anos de vida. Porque merece. Ainda lhe faltavam uns poucos para a morte ser aceitável.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O que sinto é sobretudo ansiedade.</div><div style="text-align: justify;">Oscilo entre a antecipação da perda e a fé numa força qualquer - ou num erro médico, que têm todo o direito de errar também. Calo a voz que me fala do que é visível para me agarrar ao lado mais irracional da esperança. Mas depois existe todo um outro lado, talvez mais egoísta, talvez mais medroso, que é o lado que acabou de ser relembrado de que a vida é isto mesmo. Hoje é e amanhã não é. Sabemos disto desde sempre, crescemos a ser ensinados das inevitabilidades da nossa existência, mas ignoramo-las o mais que podemos enquanto nos é possível. Até que acontece na porta ao lado.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">E foi aqui que me fechei no meu casulo. </div><div style="text-align: justify;">Comecei a ter crises de ansiedade, com medo dos segredos que poderão encerrar cada um dos corpos de todos os que me são mais próximos - eu incluída. Fui invadida pelo terror de poder voltar a ouvir a mesma combinação de palavras de forma súbita e inesperada, e não poder fazer absolutamente nada em contrário. Mas a verdade é que também de nada me adianta permitir esta angústia, porque o que tiver de ser, será.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Depois, veio o pensamento óbvio sobre a forma como vagueamos pelo mundo à espera de que a vida seja outra coisa qualquer. Escrevi sobre isso na passagem de ano, ainda antes de saber que este seria o próximo capítulo: o meu principal objetivo é viver sem pressa. Estou cansada de às oito da manhã já só pensar nas cinco da tarde, às segundas só querer as sextas e passar a vida a ansiar pelas próximas férias. Até elas acabarem, e recomeçarmos do zero.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Já tinha percebido que viver assim é estar meio morto. Perde-se tempo nessa quase apneia para nem sentir demasiado o que se passa, até ser outra hora, outro dia, outro mês. E de repente é natal, passou mais um ano, o tempo passou mas os dias contaram para muito pouco. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Apetece-me acabar com esse marasmo inquietante de quem se acha imortal, de quem pensa que tem sempre tempo para começar a viver, lá mais para a frente, que depois de velhos e reformados é que a vida é boa.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Eu quero que a minha vida seja boa hoje. Ou melhor, ontem.</div><div style="text-align: justify;">Quero agarrar o tempo com a mesma intensidade com que agora o fito em cada visita - a ele, ao parente doente - como quem o quer segurar neste mundo para sempre. Porque quero, oh se quero.</div>ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-60298562811160430352021-03-29T02:21:00.004+01:002021-03-29T02:24:12.963+01:00gata borralheira, take mil.<div style="text-align: justify;">Perdi a conta de há quantos anos prometo a mim mesma que vou voltar ao blog em força, que vou procurar aquela chama que sentia pela escrita, e que vou conseguir fazer disto a minha terapia novamente. Mas depois falho, de todas as vezes que tento. Acabo sempre por desaparecer.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Agora é só porque não me apetece. Porque os meus dias são cheios de nada e, na maior parte do tempo, nem pachorra tenho para conversas. Tenho mensagens por ler há dias e um projeto na gaveta há semanas em que não pego - por falta de energia, que tempo tenho de sobra.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Há um mês e dez dias que acordo à espera de que o telefone toque e me deixo ficar em ânsias até às seis ou sete da noite. Depois desisto, aceito que passou mais um dia sem respostas, não consigo dormir e recomeço o processo na manhã seguinte.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ninguém fala sobre isto, mas parece-me impossível que eu seja a única a senti-lo: tenho vergonha de dizer às pessoas que estou desempregada. Outra vez. Tanta vergonha que já cheguei a mentir, dizendo que estava de férias e depois que continuava em teletrabalho. Não sei se acreditaram, mas sei que não fizeram mais perguntas e isso chega-me.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Entre a empresa que faliu, a loja que não faliu mas deixou de pagar, a clínica onde não tinha quaisquer direitos e ainda era humilhada constantemente e um emprego temporário, resta-me o meu primeiro emprego, num hospital, de onde saí porque estava a recibos verdes e tinha a garantia de um contrato sem termo se fosse a concurso, mas não estava feliz. Quatro anos depois, ainda há quem não entenda a minha decisão de rejeitar a oportunidade única de ter um trabalho na função pública - costumo dizer que a minha decisão final foi tomada às quatro ou cinco da manhã, num turno da noite, quando dei por mim, exausta, a lavar o balde de uma cadeira arrastadeira cheio de diarreia. Não sei se me levam a sério, mas é esta a verdade: naquela noite, olhei-me ao espelho e tentei imaginar-me a fazer aquilo durante os 40 anos seguintes. A resposta foi óbvia.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ainda assim, e mesmo tendo achado sempre que tomei a decisão certa ao querer mudar de vida, ao ter de contar às pessoas que estou outra vez em casa, conseguem fazer-me questionar - com exceção do último emprego, onde fui verdadeiramente feliz a fazer o que fazia, a verdade é que fui colecionando empregos de merda ao longo dos tempos e acabei sempre na mesma posição.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">E agora estou aqui - mais desesperada e mais exigente do que nunca porque a última coisa que quero é voltar a ter um emprego que me obriga a procurar outro quando chego a casa desde o primeiro dia. Procuro uma estabilidade que às vezes acho que não é mais do que um oásis no meio do deserto, porque vivo na ilusão de que não preciso de me sentir miserável todos os dias para pagar as contas ao final do mês.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Os dias seguem lentos, as horas demoram-se no silêncio de um aparelhozinho de que pareço depender, e nada acontece além do aumento da angústia. E o engraçado é que nem se trata de eu estar a ser demasiado esquisitinha e não me candidatar mesmo a coisas de que não gosto tanto - a pouca oferta que tem havido é exatamente nas coisas de que eu gosto de fazer.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Só que, aparentemente, não estou à altura de nada.</div>ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-20938877622906265722021-03-14T16:21:00.005+00:002021-03-14T16:21:59.984+00:00a véspera, parte dois.<blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><div style="text-align: justify;">[só percebi ontem: despedi-me, voltei para casa e, de repente, não conseguia respirar.</div><div style="text-align: justify;">há cinco anos, despedi-me da minha terceira avó com um abraço - eu, que nem gosto de abraços - e voltei para casa com um nó no peito. iria visitá-la a frança daí a pouco mais de três meses, e varria do pensamento todos os <i>e se ela não tiver tanto tempo?</i>,<i> </i>para me proteger e porque, friamente, eu não acreditava que ela estivesse assim tão mal. tínhamos acabado de descobrir - e era no rim, caramba! não basta tirar o rim? é possível viver só com um! - e depois de consultas adiadas, alguma negligência e uns quantos azares, resolveu voltar para o país que a acolheu por tantos anos. mais uma vez, agarrei-me à boia da certeza de que teria melhores cuidados de saúde. a saúde é que já era pouca - no caso dela, não era possível retirar o rim e, quando deram por isso, o cancro já tinha conquistado o território dos pulmões também. e, a umas horas do reencontro, o coração dela desistiu da vida.</div><div style="text-align: justify;">só percebi ontem que é este o peso que carrego e que não me deixa dormir: o medo de estar a cometer o mesmo erro. de me estar a agarrar à esperança de que tudo vai ficar tudo bem, de que nem é assim tão mau porque afinal é possível operar e nem está espalhado. o medo irracional e exagerado de ontem, quando me despedi da minha avó com o aceno de longe que a pandemia permite, ter sido a última vez que a vi com vida.</div><div style="text-align: justify;">amanhã é o dia da cirurgia mas, ironicamente, não é com o cancro que estou preocupada - é com o coração dela, que já teve melhores dias, que já bateu com mais vontade e hoje... hoje é isso que me está a deixar com tanto medo. tudo o que quero é que ele não desista também.]</div></blockquote>ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-56665247175250871082021-02-22T22:35:00.000+00:002021-02-22T22:35:01.376+00:00a véspera.<div style="text-align: justify;">[foi há 18 dias que começámos a viver mais devagarinho: depois do choque inicial, encontrei, perdida no fundo de uma gaveta, uma força que eu não sabia que me pertencia. e tornei-me dura, talvez. ou uma pequena besta, para ser mais precisa.</div><div style="text-align: justify;">em épocas de crise, entro em modo de sobrevivência e fico capaz de coordenar um exército inteiro. não admito lágrimas, não lido bem com a fraqueza - lembrem-me de pedir desculpas à minha mãe, quando tudo isto passar, por todas as vezes em que a meti em sentido. não permito que se demorem em lamúrias ou que deitem os olhos ao céu para perguntar "porquê a mim?" - o truque é percebermos que não haveria motivo algum para não ser connosco. não somos pepitas de ouro, não somos especiais: somos humanos, e por mais que seja uma merda, as pessoas adoecem, sejam boas ou más ou mais ou menos. o único pré requisito possível para se sofrer é estar vivo. e, na volta, se me esforçasse, ainda era capaz de encontrar uns quantos mortos que passaram as passas do algarve já depois de o serem. é a vida. e a morte.</div><div style="text-align: justify;">há 18 dias que o relógio parece segurar um paradoxo - ora o tempo parece passar demasiado devagar entre consultas e exames, ora o tempo parece voar, porque parece sempre que estamos prestes a perder essa bênção ilusória que nos parece a ignorância quando estamos às escuras à beira de um precipício.</div><div style="text-align: justify;">e eu, que tenho vivido entre uma calma estranha, quase inconsciente, e um nervoso miudinho que me ataca quando menos espero, hoje sinto um nó na garganta. não sei se quero adiantar o relógio ou atrasá-lo uns bons dias: dentro de coisa de 12 horas, se conseguir passar na barreira dos seguranças, estarei sentada com a minha avó, frente a frente com a médica. e, de alguma forma, não consigo deixar de sentir que é a hora da sentença final.</div><div style="text-align: justify;">hoje, rezo a um deus em quem tenho de me obrigar a acreditar, para que amanhã ganhe a lotaria - uma frase, três palavras: não há metástases.</div><div style="text-align: justify;">é rezar.]</div>ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-36871229868622318802021-01-22T14:00:00.003+00:002021-01-22T14:00:12.669+00:00destes dias, destes tempos.<div style="text-align: justify;">Há uma beleza mórbida em tudo o que nos está a acontecer - não é a primeira vez na história da humanidade, mas espero que seja a primeira e a última na história das nossas vidas, que temos esta sensação de união, de que todos tememos o mesmo. Com contornos diferentes, com posições diferentes, com medos diferentes, mas um bicho papão em comum.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Curiosamente, é neste momento em que estamos mais unidos que é imperativo que nos afastemos, que não podemos chorar nos ombros uns dos outros as mágoas comuns, que não podemos afagar as costas de quem também sente as nossas dores. Ou as próprias, mas incrivelmente semelhantes às nossas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Desta vez, não estou confinada ao meu T1 minúsculo, a vaguear entre divisões sem saber muito bem em que dia da semana ou do mês é que vamos ou a que refeição pertence a taça de leite com cereais que estou a comer: agora eu saio de casa, semana sim, semana não, para trabalhar e sou obrigada a manter alguma sanidade no meio de toda a loucura mas, ainda assim, há momentos em que dou por mim a chorar, sem conseguir respirar. Tenho medo. Tenho todos os dias um bocadinho mais de medo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Quase todas as pessoas mais importantes da minha vida são portadoras de alguma condição que as torna mais vulneráveis à partida - e, por esse mesmo motivo, temo que perdessem na luta por um ventilador. Temo que pudessem fazer parte do grupo daqueles que, lamentavelmente, ficam pelo caminho. E este pânico enrola-se no meu peito e não me dá um segundo de paz. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Não visito os meus pais e os meus avós há semanas. Falo-lhes pelo telefone e desvalorizo a distância, como quem diz que o importante é estarmos todos vivos - mas desligo o telemóvel de lágrimas nos olhos: e se estiver a perder tempo? E se a distância que mantenho só me fizer perder tempo com eles? Se contraírem o vírus nos empregos ou nas compras, ou se qualquer outra coisa acontecer - e se os perder? E se estiver semanas sem os ver e no fim não me sobrar nada?</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Acredito que sejam os medos de todos mas nem por isso me sinto menos angustiada com os meus - também há uma certa dose de egoísmo nesta união perversa, e um ódio crescente por todos aqueles que continuam a desrespeitar as regras e a agir como se nada fosse, colocando em risco os que já perceberam que é a sério. Que se estão a perder vidas todos os dias que não teriam de se perder - quer das covid, que parecem ser o centro dos nossos dias, quer das não-covid, que acontecem quando não tinham de acontecer por falta de assistência. Por falta de tempo e de meios.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É a sério - e não, não vamos todos morrer, mas vamos todos perder pessoas se alguns seres iluminados não perceberem entretanto o que está a acontecer. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Protejam-se e, sobretudo, tenham juízo.</div>ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-62394041343011187352021-01-19T13:03:00.014+00:002021-01-19T13:03:00.146+00:00meus queridos hipopótamos,<div style="text-align: justify;">Aquando do primeiro confinamento, esta que vos escreve estava viciada no ginásio, focadíssima no corpo que nunca terá, a treinar religiosamente de segunda a sábado, volta e meia com dose dupla no mesmo dia. E depois, o drama, o horror, a tragédia: confinámos. Confinámos e fecharam os ginásios para podermos ficar gordos e culpar o governo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Durante dois meses e meio, rebolei pela casa. Só. De vez em quando, procurava vídeos de treinos de 10 ou 20 minutos só para tirar o peso da consciência, mas surtia tanto efeito quanto beber água com limão em jejum - e voltei para o ginásio no mesmo dia em que reabriram estes antros do demónio, jurando a mim mesma que não o abandonaria até que nos proibissem novamente.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Não aconteceu - ali por meados de outubro, vi que os números estavam a subir e os cuidados a descer, e achei por bem informar que não mais lá colocaria os chispes enquanto julgasse que me estava a expôr desnecessariamente. E meio que achei que era o fim, que iria voltar aos bons velhos tempos de obesa flácida porque o passado dizia-me que eu não sou um bichinho de treinos naquele pouco mais de um metro quadrado da sala lá de casa. Mas... enganei-me. E foi por isto que julguei que poderia ser útil para alguém que também tenha passado o primeiro confinamento debaixo de uma rocha, tal como eu, e tenha descoberto isto tardiamente.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Foi um acidente. </div><div style="text-align: justify;">Não sei como aconteceu, mas apareceu-me um vídeo de alguém a mostrar os resultados obtidos com os treinos da Chloe Ting, e sem querer eu estava a fazer binge watching em todos os vídeos do género. To-dos. E ao 3021º vídeo, pensei: <i>será que não funcionaria melhor se eu tentasse de facto os treinos?</i></div><div style="text-align: justify;"><i><br /></i></div><div style="text-align: justify;">Da Chloe, fiz dois diferentes: comecei com o <a href="https://www.chloeting.com/program/2019/two-weeks-shred-challenge.html" target="_blank">2 weeks shred challenge</a> de 2019, e depois <a href="https://www.chloeting.com/program/2020/two-weeks-shred-challenge.html" target="_blank">o de 2020</a>. E foi a revolução: percebi que esta coisa de ter um treino estruturado me ajudava a ser mais disciplinada, porque se fosse por autorrecriação eu faria apenas um daqueles vídeos de 10 ou 15 minutos, nunca faria 3 ou 4, nem treinaria com aquela frequência. Em suma, passei a permitir que uma desconhecida me controlasse. Confiei-lhe este corpitxo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Em relação a resultados, não posso mentir: do primeiro desafio, foram nulos em termos visuais, mas senti que fui melhorando muito a minha resistência. É bom para começar porque é fácil de seguir, e lá para o quinto ou sexto dia, já nem apetece tanto chorar quando ouvimos "up and down planks". No segundo, sim: o meu corpo mudou, vi resultados engraçados e todo o plano em si é mais intenso e mais prazeroso. Pelo menos para mim: se acordo às 6h para treinar (sim... continuo a só funcionar de manhã), é para me cansar mesmo e acabar nojenta. Caso contrário, continuaria a dormir.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Claro que isto dos resultados foi giro, mas acabei esse plano a 23 de dezembro e entretanto meteu-se o natal. Pois.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Comecei outro plano da Miss Ting, mas não gostei porque não me parecia suficientemente intenso: nem uma gota de suor. Fazer o treino ou ficar no sofá era praticamente o mesmo, e iniciei toda uma busca por outros planos do género.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Tentei a <a href="https://www.youtube.com/c/PamelaRf1" target="_blank">Pamela Reif</a>: semanalmente, ela faz planos que publica no <a href="https://www.instagram.com/pamela_rf/" target="_blank">instagram</a>, para vários gostos, entre 30 a 45 minutos. Tentei o que eu achei que seria mais próximo do que gosto - o sweaty - mas desisti ao terceiro dia também. Não estava a sentir nada e, again, eu acordo demasiado cedo para sentir que o que fiz não valeu a pena. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No entanto, a Pamela tem a vantagem de não falar nos vídeos. Vai direita ao assunto e pronto: um vídeo de 10 minutos é mesmo um treino de 10 minutos. Fácil e prático. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">De volta à busca desenfreada, li muito sobre a <a href="https://www.youtube.com/channel/UCVQJZE_on7It_pEv6tn-jdA" target="_blank">Sidney Cummings</a> que, ao contrário das outras duas, é uma profissional da área e sabe o que está a fazer. Pequeno problema: é meio impossível seguir os planos dela sem ter pesos, e a 'çoa não tem porque a 'çoa acha esse equipamento absurdamente caro. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ela tem muitos vídeos sem equipamento mas são vídeos aleatórios, de vários planos diferentes, o que, infelizmente, eu sei que não funciona comigo porque me aborreço demasiado facilmente e preciso de me comprometer a seguir determinado desafio, ou iria começar a procurar o mais fácil porque não me apetecia, ou a saltar dias porque me faltava motivação. No entanto, para quem não for como eu, ou tenha pesos, acredito que valha a pena tentar.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">De momento, estou a testar os planos da <a href="https://www.leanwithlilly.com/pages/workout-guides" target="_blank">Lilly Sabri</a>. </div><div style="text-align: justify;">So far so good: em poucos dias, estava de volta aos resultados que tinha tido antes do natal, e gosto de como fico com os treinos dela no geral. Não transpiro tanto quanto gostaria, mas sinto que me desafio todos os dias.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Um contra: vídeos demasiado longos porque, na sua maioria, são lives gravadas onde ela pára para conversar - como treino em contra relógio para poder tomar banho e chegar ao trabalho a horas, nem sempre é muito simpático. Outro ponto contra, é que, também por ela fazer live, às vezes tornam-se meio confusas as variações para principiantes, intermédios e avançados.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Não acho que funcione para quem só agora está a começar - se são como eu e têm uma camada de gordura tal que até os vossos abdominais se esqueceram de que aí estão, acho que a melhor, inicialmente, é mesmo a Chloe. Os treinos são simples, com modificações para que seja acessível para todos, e servem para começar a mexer. Para quem não gostar de repetição, talvez não ache grande piada porque consiste em repetir os mesmos vídeos praticamente todos os dias.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Pelo contrário, os treinos da Lilly são sempre diferentes, embora tenham quase todos em comum... os burpees. Pessoalmente, deixei de detestar burpees quando descobri as up and down panks e os plank jacks - mas é com vocês. Não deixa de ser mais difícil de seguir para quem está a começar: ainda que não seja exatamente a intensidade de que eu gosto, é possível que já seja demasiado para quem só está habituado a mexer os dedinhos no comando da televisão.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Agora, só para clarificar, os títulos que as moças colocam são bastante fofinhos, mas não vamos mesmo acreditar que basta fazer um vídeo de 5 minutos durante 7 dias que vamos despertar a Carolina Patrocíno que há em nós, certo? Certo. Os títulos são sensacionalistas, mas é importante manter em mente que milagres não existem se não houver cuidado com a alimentação também. Assim como assim, o importante é mexer, mesmo que se saiba que não irão chegar ao fim de 14 dias gostosonas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Para acabar, e nem digam que vão daqui, não duvidem de que precisam de um tapete de fitness/pilates/yoga/o que caralho lhe queiram chamar. Eu achei que a carpete da sala seria o suficiente, até que comecei a ficar com nódoas negras a assinalar exatamente onde vive cada uma das minhas vértebras, e com os cotovelos queimados de tantas pranchas. Menos essencial, porém importante: bandas de glúteos. Acreditem que faz a diferença.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">E com isto tudo... ainda não senti nem uma pontinha de saudades do ginásio. Sinto-me a um tiquinho de começar a gostar mesmo mais de treinar em casa.</div><div style="text-align: justify;">Manias.</div>ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-17023391965483220672020-12-27T15:34:00.007+00:002020-12-29T16:10:29.507+00:00pelo natal<div style="text-align: justify;">fomos (quase) sempre cinco no natal - e esse é o principal motivo para lhe ter perdido o gosto há tantos anos. sobravam demasiados lugares vagos à mesa, restava demasiado espaço para a saudade se sentar connosco e nos fazer relembrar que a distância só se quebra quando há vontade. este ano, foi o meu lugar que ficou vazio.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">em vinte e cinco anos, este foi o primeiro em que puxei a cadeira noutra mesa, noutra casa, noutra vida, numa família que, não sendo aquela onde nasci, é aquela a que escolhi pertencer um bocadinho também. e doeu, não vou negar: na outra casa, de cinco passaram a quatro quando eu preferia que tivéssemos sido seis, eu e as minhas cinco pessoas favoritas neste mundo - mas este dezembro não é como os outros e está mau para a dança das cadeiras que não pertençam a uma só casa.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">estive bem também. comi bacalhau à brás, bolo de bolacha e permiti-me a mergulhar nos sonhos molhados em calda de açúcar. faltou-me apenas o cheiro a café no ar à meia noite: foi sempre assim, nos outros vinte e quatro natais que vivi, menos naqueles em que ainda era demasiado pequena para os trazer na memória. faltou-me o cheiro a café mas não ousei pedir: sei que apareceria na mesa tão rápido quanto possível, mas isso seria trazer uma tradição de família para outra família e, de alguma forma, soou-me a traição. não é substituível. e não precisa de ser.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">são sítios diferentes na vida, e sê-lo-ão para sempre - nem melhores, nem piores, mas diferentes. e se a maior parte do meu coração pertencerá sempre àquela casa onde éramos cinco em todos os natais e em todos os fins de semana, há outra parte que já se entregou à outra casa onde também eram cinco antes de eu chegar. e estou bem também.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">e estou bem, mas o covid que se oriente porque para o ano eu quero a dança das cadeiras com as minhas pessoas, em todas as casas possíveis. quero até os abraços de que não gosto, a valer por dois para me compensar do buraco negro que me ficou no peito este ano.</div>ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-77844012259566491422020-10-08T11:55:00.002+01:002020-10-08T22:54:31.604+01:00espécies de pessoas no ginásio<div style="text-align: justify;">Apesar de adorar treinar, ontem estava num daqueles dias em que parece que fui para o ginásio com a bateria a 5% e a ameaçar desligar a qualquer instante. Vi-me obrigada a aceitar que, por algum motivo, estava demasiado cansada e a encurtar o treino.</div><div style="text-align: justify;"> </div><div style="text-align: justify;">Meio que danada comigo mesma, dei por mim a olhar à volta e a pensar nos vários tipos de gente com quem já por lá me cruzei, e na forma como nunca lhe dei o devido uso. Posto isto, segue-se uma compilação das espécies mais curiosas que frequentam o ginásio.</div><div><br /></div><div style="text-align: center;"><span style="text-align: justify;"><b>Espécie 1: O Parturiente </b></span></div><div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O primeiro teria de ser sempre este - e quem não é capaz de identificar esta criatura mítica do ginásio, é porque nunca entrou num ginásio. Não há volta a dar. Isso... ou vocês são o parturiente do vosso.</div><div style="text-align: justify;">Esta criatura, geralmente do sexo masculino, está sempre em trabalho de parto. Sempre. Possivelmente, julga ser sensual gritar enquanto levanta muito menos peso do que aquele que os meus bracitos suportam quando quero levar todas as compras, do carro para casa, numa só viagem, mas é só ridículo.</div><div style="text-align: justify;">Adoram exibir-se e dizer que o treino é para doer, e muitas vezes acabam a mamar no biberon da whey. Ainda não consegui confirmar, mas des<span style="text-align: justify;">confio que deixarão o ginásio também num seat ibiza rebaixado com a kizomba no volume máximo.</span></div></div><div style="text-align: justify;"><span style="text-align: justify;"><br /></span></div><div style="text-align: center;"><b>Espécie 2: As Comadres</b></div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Grupo de duas ou mais pessoas, podendo ser do sexo feminino, masculino, misto ou confuso, que se movem em bloco: se um quer ir para a passadeira, o outro vai para a passadeira também, se o primeiro quer mudar para a bicicleta, vão os dois para a bicicleta, and so on. Geralmente, estão a conversar sobre coisas que não interessam a mais ninguém, mas são particularmente irritantes numa fase em que o número de equipamentos está limitado.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>Espécie 2.1: As Comadres Amantes</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Exatamente o mesmo que as comadres, mas além de se moverem em bloco, fazem todo o treino juntinhos. Se um está a puxar ferro, o outro está atrás, à espera. Depois trocam de posição mas nunca, nunca, se largam.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>Espécie 2.2: As Comadres Espiãs</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Variante da anterior mas, no caso, as comadres formam mesmo um casal e uma delas parece só ter ido para se certificar de que o outro foi mesmo ao ginásio e não deu a desculpa do treino para se ir encontrar com a/o outra/o. </div><div style="text-align: justify;">A comadre espiã limita-se a seguir o tutxuzinho, praticamente sem treinar, antes que ele vá comer a porca da dona Amélia, que só anda no ginásio para fazer passadeira, enquanto ela não estiver a olhar.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>Espécie 3: Os Esperançosos</b></div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Pessoa, podendo também ser do sexo feminino, masculino, misto ou confuso, que se pesa a meio do treino, completamente vestida e calçada. Aceito outras teorias, mas a minha é a de que estão a ver se já chegaram ao peso pretendido e podem dar o treino por terminado.</div><div style="text-align: justify;">Se eu seguisse o mesmo método, viveria eternamente no ginásio.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>Espécie 4: O Sonhador Artístico</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Espécie, felizmente, rara que se senta no parapeito da janela e fica a olhar para a rua com o ar sonhador com que em 2009 se tirava aquela foto "desprebenidah", que toda a gente fazia de conta que não percebia ser uma selfie no tempo em que ainda nem se falava em selfies. Estão a ver a cena, não é?</div><div style="text-align: justify;">O tipo que se acha sensualão e quer ser observado a sensualizar desprevenidamente. Só que de sensualão tem muito pouco. Ou nada.</div><div style="text-align: justify;"><b><br /></b></div><div style="text-align: center;"><b>Espécie 5: Os Trombudos</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Odeiam treinar, odeiam pessoas e odeiam a vida no geral. Já chegam com ar de mal fodidos, olham para os outros com ar de mal fodidos, e tentam que os outros ouçam, por meio dos olhares assassinos, os "com licença" que lhes deveria sair pela boca, se não estivessem só com aquele ar... de mal fodidos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>Espécie 6: Os Caseiros</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Estão em casa, é tudo deles! Estacionam numa máquina e pouco se importam se existem outras 59 pessoas à espera para a usar. Aproveitam para se sentar a descansar, a enviar mensagens, a olhar para o nada e tenho para mim que, não tarda, até as unhas dos pés cortam. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>Espécie 7: Os Carentes</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Desconhecem o significado de distância social e de respeito pelo espaço vital do outro no geral. Deixam os pertences no parapeito da janela, para onde se dirigem a cada 30 segundos, mesmo que isso implique andarem a roçar o cu na máquina que outra pessoa está a usar. </div><div style="text-align: justify;">Pessoas: não é assim que se fazem amigos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>Espécie 8: Os Sovinas</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Se pagam ginásio e o ginásio tem balneários, eles querem aproveitar a experiência na sua totalidade! Fazem-se acompanhar de todos os produtos de beleza e higiene pessoal possíveis, incluindo a máscara para o cabelo e... a gilete.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>Espécie 9: As Estilosas</b></div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Sempre maquilhadas a preceito, nem quer seja para irem transpirar que nem porcas - ou então sou só eu quem transpira que nem uma porca e as outras moças vão ao ginásio só como quem vai desfilar. Deve ser por isso que, há uns dias, me cruzei com uma moça com um iluminador tão potente naquelas bochechas (ou maçãs do rosto, meninas de bem!) que me ia ferindo as vistinhas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>Espécie 10: Os Índios</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">De todas, esta é possivelmente a espécie que mais confusão me faz. Mais até do que os próprios parturientes!</div><div style="text-align: justify;">Geralmente, esta espécie vai para as aulas de grupo gritar coisas como Uh-Uh, por motivos que creio que nunca saberei explicar, mas que me fazem sentir vergonha alheia do mais profunda possível.</div><div style="text-align: justify;">Gente, não façam isto.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É por isto que esta que vos escreve nunca, por nunca ser, vai para este antro de espécies raras sem estar devidamente munida de fones para se esquecer de onde está. Na verdade... ainda gostava de ver em que categoria me colocariam aqueles que comigo se cruzam diariamente. Ou talvez não.</div>ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-53155430506867297852020-09-19T16:30:00.001+01:002020-09-19T16:30:27.385+01:00a ousadia de viver<p style="text-align: justify;">Sinto, lentamente, o medo a voltar a instalar-se no meu peito - ainda não é o pânico, mas um certo nervosismo com uma pitada de ansiedade. É o recomeço do que nunca chegou a terminar. </p><p style="text-align: justify;">O verão foi leve: habituei-me bastante bem à rotina simpática de sair do trabalho quando o sol ainda ia alto, correr para o vestido solto e descer a rua, de sandália no pé, em direção à praia. Este foi o meu primeiro verão a viver nesta cidadezita lambida pelo mar, e não creio que o tivesse aproveitado muito mais do que isto se não estivéssemos a viver uma pandemia. Tenho a sorte de ter escolhido viver numa cidade que mais parece uma aldeia grande: apesar de ter achado que estava muito mais cheia do que em outros anos, havia espaço de sobra para continuar a respirar em segurança.</p><p style="text-align: justify;">Aos poucos, fui-me esquecendo do que não tinha: não pensei nas noitadas que perdi e só senti uma pontada de angústia ali nas primeiras semanas de agosto, quando fui obrigada a aceitar que não iria mesmo ver as minhas pessoas este ano. Depois, passou. Aceitei. Não havia outra escolha.</p><p style="text-align: justify;">Agora, os meus sentimentos estão a mudar: era mais fácil viver num corropio e não ter demasiado tempo para se pensar no que está realmente a acontecer. O regresso inevitável ao sofá, conjugado com o aumento dos números, está a devolver-me essa sensação de medo e claustrofobia. A certeza de que, por mais que se resista, será uma questão de tempo até que voltemos a ser todos feitos reféns nas nossas casas. E é aterrador.</p><p style="text-align: justify;">Continuo a ir ao ginásio: quando me perguntam se acho seguro, respondo que vai demorar demasiado tempo a ficar tudo bem para que possamos deixar de ter a ousadia de ir vivendo, pelo menos até que nos voltem a colocar as vidas em pausa. Mas sei que já nem isto é bem verdade: estou mais ou menos ciente de que, por mais que me custe, mais tarde ou mais cedo irei deixar o ginásio também. E isso já me começa a enlouquecer um bocadinho em adiantado. </p><p style="text-align: justify;">É bonito dizer que vai ficar tudo bem... mas quanto teremos de sofrer e quantas pessoas teremos de perder até que fique mesmo tudo bem?</p>ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-26169900124807517852020-06-14T13:55:00.000+01:002020-06-14T13:55:00.097+01:00black lives matter... e as outras todas também.<div style="text-align: justify;">
Às vezes sinto que sou o velho que segue feliz da vida na autoestrada sem perceber por que caralho decidiram todos os outros andar em contramão - e, por esse mesmo motivo, fiquei quieta enquanto o mundo falava do George Floyd como se fosse aquele amigo de infância de toda a gente, e publicava imagens pretas. Tentei ver o mundo pela mesma perspetiva, mas devo estar a precisar de trocar as lentes.</div>
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Tentei, tentei, mas não vi o que todos viram. Gerou-se todo um movimento muito bonito, com tanto direito a um blackout no instagram quando a desacatos, a mais violência, para relembrar o mundo de que temos de abolir o racismo. É lindo, é nobre, porém não consegui identificar o racismo naquele vídeo - pode ser um problema com a minha internet, que nem estou satisfeita por aí além com a NOS, mas não vi o que os outros viram.</div>
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Vi uma violência barbara. Vi um homem tirar a vida a outro, quando não há nada que o justifique neste mundo. Vi uma pessoa a implorar que o deixassem respirar, e a acabar por morrer sufocado. Mas continuei a não conseguir encontrar o momento exato em que houve essa transição entre a violência gratuita e o racismo.</div>
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No fundo, não serão os verdadeiros racistas os que partem do princípio de que o Floyd morreu unicamente por ser preto? Não será essa interpretação o reflexo da culpa por julgar diferente alguém com outra cor de pele?</div>
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As pessoas entregaram-se às causas e à ideia de que temos de gritar sempre por qualquer coisa, mesmo que não importe muito bem o quê: assistimos a atos violentos todos os dias. Cá e lá. Polícias ou civis - mas se fosse branco, ninguém iria perder o seu tempo para ir para a rua. Seria só mais um dia normal nos estados unidos. A prova disso foi pouco se ter falado do senhor idoso que, durante as manifestações, foi empurrado por um polícia, bateu com a cabeça e ficou a sangrar no chão sem que alguém o ajudasse - porque era branco, e se era branco não há problema.</div>
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Estamos a avançar para uma era em que nada do que fuja do normal pode ser comentado: posso dizer que não gosto de homens com lábios carnudos, mas não posso dizer que não consigo achar a maior parte dos pretos bonitos por essa ser uma característica dominante, porque já vai aparecer alguém a dizer que sou racista. Posso dizer assumidamente que não gosto do corpo da carolina patrocínio, mas não posso dizer que não gosto do corpo de uma qualquer modelo plus size, porque isso já é gordofobia. E se por acaso me ocorrer dizer que o que tenho visto no tiktok me faz pensar que começa a ser uma moda entre os miúdos dizer orgulhosamente que pertencem à comunidade LGBT só para parecerem diferentões e super open minded, há de aparecer alguém a chamar-me homofóbica. Nada disto poderia estar mais longe da verdade - mas sou a favor da liberdade e, sobretudo, do não exagero.</div>
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O preconceito existe em todo o mundo, e portugal está muito longe de ser exceção - e não tenho dúvidas de que haja muita gente a sofrer preconceito por ser preto, mas não acho que seja menos válido do que ser discriminada por ter nascido com uma qualquer malformação e, a não ser que por lapso não se tenham lembrado de me convidar, nunca vi ninguém organizar uma manifestação para me lembrar de que afinal tenho um lugar no mundo. </div>
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Tudo o que é demais acaba por cair no ridículo: perdi seguidores por ter dado a minha opinião relativamente ao feminismo exacerbado, e estou mais ou menos convicta de que acontecerá o mesmo depois de me opor novamente ao que dizem as massas, mas não me faz sentido ir para a rua neste momento gritar pelo fim do racismo quando o preconceito existe em todas as formas imagináveis, pelos motivos mais ridículos. E todos eles precisam de ser debatidos, todos eles precisam de ser encerrados de uma só vez, sem desprezar, sem se agarrarem ao grito do ipiranga que estiver em vigor na altura só para parecer ser uma pessoa do bem - aposto que, no meio daqueles milhares de pessoas que ignoraram a distância de segurança e foram para a rua gritar, estariam algumas das que me fizeram sentir que não pertencia por ter um nariz torto, ou por ser gorda, ou por ter roupas da feira. Afinal, como é? Se tivesse nascido preta, estava absolvida de todos estes pecados?</div>
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Não me fodam.</div>
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Abram os olhos, sejam críticos com o que se passa à vossa volta: assistimos a atos absolutamente condenáveis todos os dias. Também em portugal já tivémos polícias a agredir pessoas. Brancas. Temos exemplos de pais capazes de matar filhos de forma brutal, colegas a matar alguém só porque não queria mais do que isso. Isto acontece todos os dias, e não é só aos pretos, ou aos gordos, ou aos gays - antes de tudo, antes de todos, está a violência. Querem gritar, querem revoltar-se? Que seja contra ela, acima de tudo. </div>
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ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-61485289616762765042020-05-31T23:56:00.000+01:002020-05-31T23:56:10.894+01:00quem és tu no desconfinamento?<div style="text-align: center;">Cabeleireiros, lojas, cafés e restaurantes abrem</div><div style="text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh_jtaR2c31qwpip2JylQ5l14PBBZlZuKR0aHtjGh6BmYFTW2X18XE0Goc2ck5r8QUpjgR-tKlEiE2Xuz97uAgr7ot4yR4I8h3997urWClY2ZGaK7B0cuSzM5MGbXOuc2PweP2edeVEqsyV/" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="200" data-original-width="313" height="256" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh_jtaR2c31qwpip2JylQ5l14PBBZlZuKR0aHtjGh6BmYFTW2X18XE0Goc2ck5r8QUpjgR-tKlEiE2Xuz97uAgr7ot4yR4I8h3997urWClY2ZGaK7B0cuSzM5MGbXOuc2PweP2edeVEqsyV/w400-h256/200.gif" width="400" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">Ginásios abrem</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTT9ilgHsZUyHPK73tqHQ0PXGWD9ARWKW3JhfByQDY97kbndgWDg9YVRrT3p471wpjhpbIFrFHJ967ZIfTRR-d-KiH3hg_Zz1OivG08pt0U1JAfHGhVPNhBW7wyqjup2vF1QCWLJMNKGr3/" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="160" data-original-width="244" height="262" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTT9ilgHsZUyHPK73tqHQ0PXGWD9ARWKW3JhfByQDY97kbndgWDg9YVRrT3p471wpjhpbIFrFHJ967ZIfTRR-d-KiH3hg_Zz1OivG08pt0U1JAfHGhVPNhBW7wyqjup2vF1QCWLJMNKGr3/w400-h262/tenor.gif" width="400" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: center;"><br /></div>ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-824086314133394022020-05-26T23:32:00.001+01:002020-05-26T23:38:47.094+01:00o covid resumido <div style="text-align: justify;">
Ao início, ninguém levou muito a sério: víamos os jornalistas ansiosos por notícias frescas, quase quase a acampar num aeroporto para garantir que assistiam à chegada do primeiro caso de coronavírus a Portugal. Andavam tão desesperados que o povo ria e dizia que isto era como qualquer outra merda vinda da China e não iria durar nada.</div>
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Entretanto, a coisa começou a ficar feia. Espalhou-se a notícia de que estávamos a viver uma pandemia e ninguém sabia muito bem o que isso significava: uns, cagaram-se de medo e foram a correr comprar quantidades industriais de papel higiénico. Talvez acreditassem que, se se mascarassem de múmia, ficavam imunes. Outros foram abastecer-se de salsichas e atum para 32 anos, pelo que julgo que teremos muitas criancinhas a nascer depois disto que se alimentarão unicamente à base de arroz com sautchitchas até à vida adulta.</div>
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Fecharam os ginásios para podermos ficar todos gordos mais à vontade, e fecharam tudo o resto a seguir. Talvez não por esta ordem, que antes disto já estavam as criancinhas todas de volta a casa e os pais, que normalmente se queixavam do pouco tempo que tinham para ver as crias, a lamentar profundamente a decisão de não ter adiado a coisa um bocadinho para ir comprar preservativos. Paciência.</div>
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Depois, o caos: mandaram-nos ficar em casa e lidar com quem lá vivia a tempo inteiro, sem direito a fuga, sem legalizar o homicídio. Foi difícil para todos: uns divorciaram-se, outros fizeram filhos (os que vão comer arroz com sautchitchas uma boa parte da vida), e outros foram lidando como podiam com a situação - se deus nosso senhor - ou a pílula - quiser, estou no último grupo. Se assim não for, tenho de me ir abastecer de salsichas.</div>
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Nos primeiros tempos, as pessoas ficaram todas com medo de sair de casa e estavam tão gratos pelos que continuavam a trabalhar em hospitais e supermercados que começaram a ir bater palmas para a janela - os mosquitos que faleceram durante estes atos ainda estão por contabilizar, mas acho bem que entrem nas estatísticas da morte por covid-19, porque há que haver respeito. Fizeram pão, fizeram bolos, alguns consumiram álcool como que para comemorar as festas da aldeia, que certamente não existirão, e outros, como eu, não devem ter feito porra nenhuma porque a época é de stress agudo. Houve quem instalasse o tiktok - shame on me - para fazer companhia nas horas em que não há mais nada para matar o tempo, houve quem tivesse dedicado o tempo a construir teorias da conspiração.</div>
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As duas semanas iniciais foram-se prolongando e as pessoas foram-se esquecendo do #stayhome. A dada altura, o povo cansou-se de estar armado em herói de sofá e começou a ir para a rua, como se tudo isto não tivesse sido mais do que um sonho estranho e já nos pudéssemos lamber uns aos outros como antes. Pessoalmente, sou a favor de uma petição para que todo o contacto físico não estritamente necessário seja abolido para todo o sempre, que até nem desgosto tanto assim desta distância. Mas isto sou eu.<br />
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Inicialmente, o uso de máscara era opcional, depois passou a ser desnecessário, até porque temos poucas, e entretanto lá se começaram a fazer as de pano, reforçou-se o stock e passaram a ser obrigatórias. Estou com esperança de que haja um plot twist neste ponto e que entretanto possa voltar a ir às compras sem transpirar do buço como se tivesse acabado de correr 10 km.</div>
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Passámos do #stayhome ao #desconfinando, mas agora tudo de cara tapada e prontos para dar início a um assalto a qualquer momento. A máscara passou a ser parte do outfit e as pessoas conquistaram o direito a ser mal fodidas a tempo inteiro porque é mais fácil disfarçar o azedume. Em contrapartida, saíram a ganhar todos os que convivem com seres humanos que desconhecem a função de uma escova de dentes e vivem com uma camada de placa bateriana nos dentes, mais espessa do que a camada de gordura que me protege os abdominais. Agora pensem.</div>
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Para muitos, foi uma fase transformadora, em que alinharam os chakras e se tornaram melhores pessoas. Para outros, foi só uma ótima oportunidade para refletirem sobre as vidas merdosas que levavam, e para deixarem de conseguir dormir quando se aperceberam de que seriam obrigados a voltar para elas - nota-se que foi uma frase muito pessoal, não nota?</div>
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2020 só teve dois meses: janeiro, o mês mais longo desta vida para quem vê o dinheiro a lutar para chegar ao fim, e fevereiro, um mês curto e singelo, que serviu para nos animar antes das desgraças que março trazia no bolso. A partir daí, foi tudo cancelado, o tempo deixou de contar e, no fundo, ninguém sabe muito bem o que andou a fazer nos últimos dois meses e meio, como é que acabou com uma franja cortada em casa ou com o corpo cheio de pêlo a lembrar o chewbacca.</div>
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Algo me diz que a passagem de ano vai ser de arromba, com toda a gente junta na rua a gritar e a bater tachos para enterrar de vez este ano miserável - e depois vamos todos para as urgências com covid e damos início à segunda vaga.</div>
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Não querendo desiludir ninguém... ainda só vamos a meio deste ano filho da puta. De nada.</div>
ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-84847977037555556862020-05-25T21:24:00.000+01:002020-05-25T21:24:03.521+01:00onde quer que esteja.<div style="text-align: justify;">Custa-me crer que tenha vivido vinte vezes o vinte e cinco de maio sem fazer a menor ideia de que, um dia, esta data carregaria o peso eterno do maior golpe que a vida me deu - há precisamente quatro anos, estava de malas feitas para uns dias no sul de frança e para o reencontro que mais desejei com a minha terceira avó. Não fazia ideia de que, à última hora, teria de encontrar um espaço extra entre as minhas roupas para levar até ela o último fato que lhe vestiram. Quatro anos depois, ainda não consigo colocar em palavras o que senti por ela me ter sido roubada por um triz</div><div style="text-align: justify;">. </div><div style="text-align: justify;">Deixei-me atormentar pelos ses durante muito tempo: se o ano fosse comum e não bissexto, se tivesse viajado no dia anterior, se os médicos tivessem sido mais rápidos a fazer o diagnóstico. Se tudo isto, se tudo aquilo: talvez ainda nos tivéssemos reencontrado na manhã seguinte. Talvez eu tivesse sido capaz de me despedir, ainda que a ideia de nos despedirmos de alguém que não volta me pareça vã, quase absurda. Não há palavras que assentem nesse momento, não há nada que se possa fazer senão agarrar a mão com toda a força e esperar ser capaz de agarrar, muito mais do que o corpo, a alma. A vida.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Perguntei-me muitas vezes onde falhei, em que momentos poderia ter ficado mais cinco minutos, em que dias da semana poderia ter ligado só para ouvir a voz dela, e se valeu mesmo a pena ficar amuada com algumas situações. Queria perceber o que perdi, o tempo que deixei passar assumindo que teria todo o tempo do mundo daí em diante, sem fazer a mais pequena ideia - ou sem aceitar - que a vida não é ilimitada. Hoje, dava tudo por mais uns minutos. Só mais uns minutos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Começo a conseguir sorrir quando me lembro dela: quatro anos depois, já sou capaz de me lembrar de todas as vezes em que fugi de casa da minha avó para casa dela, em que atravessei a estrada, descalça, e me sentei nas escadas a falar sobre nada num tempo em que o tempo era o que menos importava. De quando lhe pintei as unhas dos pés e ela contou a toda a gente, como se fosse um grande acontecimento, e de todos os momentos em que rimos até chorar. Penso nos caracóis louros que lhe pintava em casa, e de quando a (des)penteava.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Não era santa: tinha um feitio terrível, ou não partilhássemos nós um sobrenome, e era um osso duro de roer. Gostava dela especialmente por isso: era o que era, e quem não gostava só tinha de se arredar. O problema é que era realmente difícil não gostar - por mais que fosse uma mulher de pêlo na venta, tinha um coração enorme.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Partilhávamos a obsessão pelo café: desde antes de eu ter idade para o beber, já me sentava com ela no canto da mesa a conversar ,durante horas, com uma água suja e bem doce. Hoje bebo-o forte, amargo e parte-me o coração que ela não tenha vivido o suficiente para me ver voar do ninho e eu lhe poder apresentar a minha casa.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Então, roubei-lhe uma chávena e foi das primeiras coisas que trouxe quando me mudei: nunca vai subir estas escadas, nunca se vai sentar à mesa, mas está presente em todos os dias da minha vida.</div>ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-53442600589320867742020-05-22T17:03:00.002+01:002020-05-22T17:03:51.510+01:00os machos e as virgens ofendidas<div style="text-align: justify;">Há uns meses, numa entrevista de emprego, a rapariga perguntou-me se eu me achava preparada para trabalhar no meio de homens ligados à construção civil. Ri-me, e respondi que, se leu o meu currículo, deve ter percebido que venho do meio dos camionistas, e que por acaso esse foi o trabalho de que mais gostei. Espantem-se só: fui tão mal tratada, tão desrespeitada que, quase um ano e meio depois, ainda mantenho contacto com alguns deles. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É importante defender as mulheres, é importante lutar pelo respeito, mas creio que o limite será quando se começam a desenvolver preconceitos sobre os homens, porque são pedreiros, porque são camionistas, porque têm um pêndulo entre as pernas. Calma lá que nós não somos todas santas, e eles não são todos cabrões.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">Não sei se afinal é por ser mais sortuda do que sou capaz de entender, ou mais inocente, mas a verdade é que nunca me senti diminuída ou intimidada por ser mulher - chocante, eu sei. Nunca deixei de vestir uma saia ou um vestido por saber que iria frequentar um sítio com homens, nunca mudei uma vírgula da minha vida como que para me esconder desses seres mauzões portadores de pila. Imaginem só que nem tenho quaisquer problemas em levar o meu carro a oficinas ou à inspeção, e nunca pedi a um macho que o fizesse por mim por eu ser uma donzela indefesa. Porque... bem, porque não sou. Nunca me senti como tal.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ontem, levei o meu carro à oficina.</div><div style="text-align: justify;">Por ter alguma urgência na resolução de um problema elétrico e o eletricista da oficina a que recorro sempre - por ter mecânicos simpáticos, que entendem que eu percebo tanto daquilo quanto de mandarim mas explicam as coisas sem parecer que estão a falar com uma atrasada mental - acabei por ter de recorrer a outra.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Lembrei-me de uma onde, há uns anos, tive uma entrevista de emprego para a vaga de rececionista e <a href="https://naoacreditoemcontosdefadas.blogspot.com/2017/12/de-cinderela-barbie.html" target="_blank">o dono chamou-me barbie</a>: suficientemente perto de casa para que me pudesse deslocar a pé, se tivesse de lá deixar o meu rico coche, não precisei de pensar duas vezes e fui até lá, ainda que a achar que, pela localização da dita, talvez tivesse de começar a decidir que órgãos estaria disposta a vender para pagar o arranjo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Depressa percebi que o eletricista era, nem mais nem menos, o senhor que, no dia da entrevista, disse que eu não poderia ser contratada porque as coisas lindas acabavam com ele (têm o link para esse post ali em cima). </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Expliquei-lhe que um dos problemas era o botão dos quatro piscas que, pouco antes de toda esta situação, lembrou-se de avariar do nada: num dia igual aos outros todos, a minha pobre viatura, abandonada à porta do sítio onde trabalho, achou que estava na hora de dar um pouco de cor àquela rua sombria e ligou os quatro piscas, a meio da manhã, como que a convidar toda a gente para uma festa silenciosa. Anda, desde então, encravado com um gancho do cabelo, só numa de não passar a vida a piscar por todos os lados.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Chegou à conclusão de que se carregasse com um bocadinho mais de força, ele acabava por prender e não valia muito a pena estar a investir em peças novas nesta fase, principalmente por já ser um carro maior de idade.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Os outros problemas tinham imperativamente de ser resolvidos, ou o meu velhinho não iria passar na inspeção: deixei-o lá, e fui à minha vida.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Vi o tempo a passar: mais de duas horas depois, eu já pensava que talvez nem fosse má ideia tentar hipotecar os pêlos do buço, quando o senhor me disse que já estava pronto.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Explicou-me que a avaria se devia ao desgaste, mas que esta não é uma boa altura para andar a gastar demasiado dinheiro em peças novas e então tinha arranjado as velhas. Além disso, <i>as meninas bonitas merecem uma atenção no preço</i>, e então só me cobrou uma hora e meia de mão de obra em vez das mais duas em que esteve, realmente, a trabalhar.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Poupou-me bastante dinheiro: ajudou-me, numa altura em que também não me dá muito jeito investir muito, principalmente por o carro ser velho. Podia ter-me vendido peças novas, podia ter-me cobrado bastante mais do que apenas a mão de obra, e não o fez. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Fez-me sentido escrever sobre isto porque vivemos numa altura em que os homens são todos uma cambada de filhos da puta e qualquer comentário relativo a uma mulher já merece ser punido: aposto que o comentário das <i>meninas bonitas </i>já faria umas quantas capazes gritarem <i>assédio</i>: o senhor ainda acrescentou, em tom de brincadeira, que sempre quis estar na receção, só para ter uma desculpa para pedir o número a todas as meninas lindas que por lá passam, mas nem por isso me senti minimamente assediada por um homem que tem idade para ser meu avô. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Não me ofendeu. Não me tocou. Não me fez sentir minimamente desconfortável porque percebi que era só uma tentativa de me elogiar e ser engraçado ao mesmo tempo. Senti-me, isso sim, grata pela ajuda numa altura em que ela é bastante bem vinda, e com alguma fé na humanidade restaurada pela consciência de que ele escolheu poupar-me dinheiro, em vez de se limitar a querer vender.</div></div>ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-85705998066113299192020-05-21T23:59:00.001+01:002020-05-21T23:59:42.923+01:00o dia em que atirei a toalha ao chão<div style="text-align: justify;">Este período tem sido bom para toda a gente: não houve uma alma que não se tivesse redescoberto, que, por ser proibido encontrar outras pessoas, não se tenha reencontrado. Agora toda a gente encontrou a chave para a felicidade e o sentido para a vida. Até já sabem fazer pão! Ou então não, mas parece mal dizer que nos sentimos miseráveis.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Falhei.</div><div style="text-align: justify;">Mais de dois meses depois, não sei mais do que sabia antes. Minto: intensificou alguns sabores amargos e envolveu-me num medo ridículo de ter de me voltar a entregar a eles. Porque vou. A vida alinhou-se para toda a gente, mas não me deixou escolha: foi hoje que atirei a toalha para o chão e me dei por vencida. Tenho todo o tempo do mundo e mesmo assim sinto-me exausta porque há uma ansiedade que me consome e não me deixa dormir, neste frenesim de uma existência em contra relógio e da pressa de ser mais feliz amanhã. Não consigo mais.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Hoje resolvi deixar de procurar, e deixar de viver com o telemóvel na mão à espera de que ele toque. Pela minha sanidade mental, desisto agora para me permitir a perdê-la dentro de pouco mais de uma semana.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Já não há nada a fazer.</div>ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-32352430531476073502020-05-15T02:41:00.001+01:002020-05-15T02:41:31.772+01:00sexta feira<div style="text-align: justify;">E nenhum milagre aconteceu.</div><div><div style="text-align: justify;">Não senti a falta deste viver com o telemóvel como uma extensão do braço, numa espera desesperada por respostas que nunca chegam. Não senti a falta de sentir a esperança a dissolver-se nas horas e a receber cada anoitecer com um sentimento de falha, de perda. Todos os dias.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div></div><div style="text-align: justify;">Estou numa situação difícil de explicar, num limbo esquisito: poderei ou não ficar desempregada dentro de duas semanas, e se há uma parte de mim que está aterrorizada com a ideia de voltar ao desemprego, a outra está mais aterrorizada ainda com a ideia de renovar um contrato que nunca desejei em primeiro lugar. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Fala-se muito das saudades, da falta que nos fazem as pessoas e nos reencontros mais esperados - ninguém fala do oposto. Da falta que não nos fez quem nos causava um mal estar constante, e da vontade de adiar esse reencontro eternamente. É impossível que eu seja a única a sentir isto. É impossível que não exista uma única alma neste mundo que sinta o que eu sinto, este nó no peito porque o período de afastamento torna insuportável sequer imaginar a reaproximação. Esse dia em que terei de sorrir, acenar e fazer de conta de que estou feliz por voltar.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Don't get me wrong: a quarentena não tem sido fácil para mim, tal como para a maior parte das pessoas. Não consegui encará-la como umas férias, ou uma pausa, porque só me veio desequilibrar: passei de muito ativa a quase sedentária, perdi bastante peso por falta de apetite e uma alimentação degradante, fiquei mais instável do que nunca ao nível emocional e, especialmente desde o final do mês passado, tenho-me sentido permanentemente nervosa porque não sei o que será de mim. Ainda assim, mesmo que o panorama seja miserável, a ideia de ter de voltar ao trabalho sem um backup plan para o fim do meu contrato, consegue fazer-me sentir muito pior. Eu já quereria sair, mesmo que não tivesse acontecido tudo isto - mas agora quero-o mais do que nunca porque, dois meses depois, não consigo imaginar-me a voltar para um sítio onde me arrastava até ser fim de semana outra vez.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Neste momento, não sei nada de mim. </div><div style="text-align: justify;">É bastante provável - ou quase certo - que estarei de volta na próxima segunda feira. Sem plano de fuga, sem cartas na manga, sem plano b. Mais ou menos obrigada a ficar. Mais ou menos condenada a continuar a arrastar-me por aí - e, acreditem, não há quarentena que supere esta sensação.</div>ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-37716523878771157432020-05-13T01:27:00.001+01:002020-05-13T01:46:53.273+01:00Meu amor,<div style="text-align: justify;">
antes de ti, perguntei-me muitas vezes qual seria o passo a seguir às borboletas, e o que se seguiria quando o coração aprendesse a desacelerar e não estivesse sempre a tentar escapar-me do peito por um mero encontro acidental. Na altura, estava convencida de que vivia permanentemente apaixonada, numa fase tão negra da minha vida que um par de olhos fixos nos meus já se assemelhava quanto baste à luz ao fundo do túnel para onde eu queria correr para me salvar. Mesmo que fosse sem querer. Mesmo que, quem me olhasse, nem fosse realmente capaz de me ver: este, era o ápice da atenção de que me julgava merecedora. Nunca esperei mais do que isso, e portanto também não acreditava na vida depois da paixão. Achei que tudo perderia a piada no dia em que soubéssemos o outro de cor de tal forma que já se dispensassem as palavras para saber exatamente o que não foi dito.</div>
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Depois, tu. </div>
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Repara como separo sempre a minha vida num antes e depois de ti: é como se tivesse renascido, como se o mundo se tivesse transformado e já nada fosse como eu tinha imaginado antes. Mudou para melhor. Transformou-se em tudo aquilo que não julguei existir.</div>
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Ensinaste-me o amor nu, aquela versão que já não disfarça, já não finge não querer, e o prazer louco de poder ser exatamente quem eu sou, sem quaisquer filtros, sem quaisquer barreiras, em todos os dias da semana. Em todas as horas do dia.</div>
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Fizeste-me perceber que também se ama pela manhã, mesmo com hálito de cão e cabelo desgrenhado - por estes dias, desgrenhado já é o estado normal - e que se ama ainda mais de pijama, ou com as calças de fato treino mais velhas, do que quando nos vestíamos para nos encontramos por aí. Há uma beleza selvagem na partilha por inteiro, na queda dos tabus, na abolição da vergonha. E, afinal, o amor não morre quando a rotina se instala e é necessário falar das contas para pagar, ou do aumento dos combustíveis, ou de absolutamente nada. </div>
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Achei que dois anos e meio de relação à distância me teriam deixado imune às saudades nas tuas ausências temporárias, mas enganei-me: de cada vez que te vais embora, mesmo que seja só por uns dias, posso jurar que não me dói menos do que em cada domingo que fiquei a ver-te ir, à porta de casa, de lágrimas nos olhos e saudades já reinstaladas com sucesso. Talvez chegue a doer um bocadinho mais, porque já não estou habituada a adormecer sem te ter ao meu lado, ou a não te ter ao lado, na varanda, enquanto reparamos em coisas tão banais quanto a roupa nos estendais alheios ou os carros permanentemente estacionados nos mesmos lugares. Esta casa parece vazia nos dias em que não estás.</div>
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Habituei-me muito bem a partilhar a minha vida contigo, mesmo que não seja todos os dias fácil. Mesmo que não sejamos capazes de nos entender à primeira em todos os momentos, mesmo que tenhamos de encerrar batalhas num abraço. </div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
(Mais de) três anos depois, às vezes ainda não acredito na sorte que tive: olho para ti e derreto-me no teu sorriso, quase como se fosses um sonho inconcretizável, demasiado bom para ser real. Mesmo depois de todo este tempo, mesmo depois de não haver um milímetro de nós por revelar ao outro, há dias em que me perco no teu abraço como se ainda agora estivéssemos a começar e eu ainda não te soubesse de cor. Como se cada abraço não passasse de um passinho pequenino rumo a um amanhã que logo se vê: e é nesses momentos que tenho a certeza de que ainda me apaixono por ti quase todos os dias.</div>
ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-19111042506613845562020-05-11T19:16:00.001+01:002020-05-11T19:16:44.875+01:00ESTOU A RECRUTAR<div style="text-align: justify;">Um santinho simpático para um milagre laboral.</div><div style="text-align: justify;">(desculpem lá a desilusão, mas é para verem o que sinto quando leio anúncios de emprego para teletrabalho e afinal é só para vender sabonetes da avon)</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Esta foi a forma mais leve que encontrei para explicar ao mundo o verdadeiro estado de calamidade, atualmente em vigor dentro de mim, que não foi decretado pelo governo mas está a ter bastante mais impacto do que o outro, o verdadeiro, aquele que deveria abranger toda a gente e relembrar que ainda estamos mais ou menos fodidos, embora já não pareça.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Tenho duas semanas para encontrar um novo emprego.</div><div style="text-align: justify;">Duas semanas para fazer o que não consegui fazer em meses, e que tenho ainda menos esperança de conseguir agora, numa fase em que está tudo virado do avesso e a fé de conseguir um milagre escasseia a cada hora que passa sem qualquer resposta. Dizer-vos que estou a entrar em desespero não chega sequer para levantar o véu do que têm sido os últimos dias - ou semanas. Sinto um friozinho na barriga permanente, num desassossego constante que me acelera o coração e não me deixa respirar.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No final do mês, o meu contrato acaba.</div><div style="text-align: justify;">Sempre imaginei que já teria conseguido encontrar alguma alternativa por esta altura. Que poderia entregar a farda, agradecer pelo ano de aprendizagem e sair, pela porta da frente, sem olhar para trás: não lamento, nunca lamentei, nada do que levo na bagagem, mas também nunca fiz questão de prolongar a estadia num lugar onde, claramente, nunca fui muito feliz. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Achei que tinha tempo, que a vida se haveria de compor. </div><div style="text-align: justify;">Talvez tivesse tido, se não fosse tudo isto, se o mercado de trabalho não estivesse nas ruas da amargura e a concorrência tivesse aumentado drasticamente. Talvez tivesse sido possível, mas não foi.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Continuo em casa: ninguém fez questão de me avisar que afinal a clínica ainda não estava pronta para ter todos os funcionários a trabalhar e o meu lay off iria ser prolongado por mais um mês. Não posso, definitivamente, queixar-me senão de mim mesma, ou da pouca sorte ou das fracas escolhas, e de ter falhado redondamente em encontrar uma saída a tempo - tempo esse que parece não faltar e, ao mesmo tempo, nunca ser suficiente. Sinto-me a viver em contra relógio, numa batalha ingrata contra o passar das horas sem que mais nada possa fazer.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Resta-me respirar fundo, e esperar.</div><div style="text-align: justify;">Esperar que ainda haja um plot twist na minha vida, que ainda bata certo no final.</div><div style="text-align: justify;">Esperar que corra tudo bem.</div>ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-86258240156507638722020-05-03T01:45:00.000+01:002020-05-03T02:08:31.615+01:00sangue, dor e sofrimento - ou um título para chamar a atenção<div style="text-align: justify;">
Ainda me lembro da primeira vez em que ouvi falar dos copos menstruais e, não vou mentir, a minha primeira reação foi qualquer coisa tipo isto:</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZXfcC9vDO3LijQxp_lUwvo0K8EFqMJuposnw4ZR7nifeDiAkHNtX6fOF_LwSH3DcZqBq_Td3g6FUIVdVkjCE2Q7LAfr6jukUJl1CB0Pz0wfLFLqDkmBhslFNs8IAc7bOH3yWk6cr5blSS/s1600/giphy.gif" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="224" data-original-width="500" height="143" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZXfcC9vDO3LijQxp_lUwvo0K8EFqMJuposnw4ZR7nifeDiAkHNtX6fOF_LwSH3DcZqBq_Td3g6FUIVdVkjCE2Q7LAfr6jukUJl1CB0Pz0wfLFLqDkmBhslFNs8IAc7bOH3yWk6cr5blSS/s320/giphy.gif" width="320" /></a></div>
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<br /></div>
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Uma pessoa cresce a ouvir histórias de terror sobre pessoas que vão parar ao hospital com garrafas introduzidas em partes do corpo que habitualmente não transformamos em garrafeiras, e de repente estavam a dizer-me que enfiar lá um copo era normal. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Até há coisa de, sei lá, um ano e meio, nunca mais pensei sobre isso: entretanto, devido a uma série de problemas que me fizeram querer afastar das partes toda e qualquer coisa que pudesse irritar a área, voltei a pesquisar sobre o copo. Já tinha crescido um bocadinho, felizmente, e percebi que não era assim tão estranho quanto isso.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Pesquisei muito sobre o assunto - mas assim MUITOOO mesmo, porque esta alma sovina não iria gastar 25€ para uma borrachinha de introduzir no pipi sem ouvir mil e quinhentas pessoas a falar sobre o assunto - e é por isso que estou a escrever este post com a minha opinião absolutamente irrelevante, para o caso de alguém também andar na dúvida.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Acabei por me decidir e fui a uma wells para comprar o meluna, aquele que me parecia o melhor. É de referir que existem tamanhos diferentes, dependendo do corpo de cada mulher, e é uma merda porque... bem, ninguém sabe propriamente quanto é que veste de vagina, não é? </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A rapariga, que claramente nunca tinha usado um, aconselhou-me um S; não a condeno, vá! Com esta cara que mais parece uma máscara de carnaval, entendo que a moça tenha partido do princípio de que seria uma eterna virgem. Portanto, deu merda: funcionou nos primeiros tempos, numa fase em que me estava ainda a adaptar (ou melhor, na altura eu achava que as pequenas fugas eram normais por não estar acostumada), mas depois percebi que era mesmo demasiado pequeno para mim. E não, não há nada de errado aqui: o S da meluna foi pensado para miúdas virgens, e o tamanho "normal" é o M, mas a miúda que me atendeu ficou assustada com a diferença de tamanhos e achou que teria de ser o mais pequeno.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Com isto, uns dois meses depois de ter gasto 25€ desta vida (ou perto, vá), fui a correr para uma farmácia para comprar outro. Não me lembro ao certo da marca (easycup?), mas foi ligeiramente mais barato, e nesta já tinha mesmo de ser o S visto o M ser para mulheres que já tenham passado por um parto vaginal. Again, duvido que vos interesse particularmente o tamanho do meu copo, mas é só para perceberem que é preciso ter atenção na hora de comprar e que varia de marca para marca.</div>
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<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>E depois, Cinderela?</i></div>
<div style="text-align: justify;">
Olhem, depois apeteceu-me esbofetear aquela catraia que, há uns anos, gozou com a existência de um copo para aparar as beiras do útero!</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Acreditem quando vos digo que foi o melhor upgrade que fiz na minha vida: duvido que neste momento já tenha recuperado do investimento (por ter comprado dois, gastei cerca de 45€ no total), mas é um descanso. Principalmente quem, como eu, tiver uma profissão em que nem sempre é fácil ir à casa de banho para trocar um tampão, vai perceber que o céu existe quando lhe bastar preocupar-se com a coisa duas vezes ao dia.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O copo é feito de silicone cirúrgico, e existem várias dobras possíveis para o fazer caber. Uma vez lá dentro, ele abre, cria vácuo e a magia acontece. Agora, se forem daquelas moças que têm algum receio de tocar em si mesmas, talvez não seja a melhor ideia: é preciso passar o dedo à volta para se certificarem de que o copo abriu. Relembro que é o vosso corpo e não há nada de nojento nisto, desde que tenham as mãos lavadas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
À semelhança dos tampões, não se sente absolutamente nada, desde que esteja bem colocado. Uma vez lá dentro, podem ser felizes durante 12 horas sem medo de morrer de síndrome do choque tóxico. Pessoalmente, nunca conheci alguém a quem tivesse acontecido, mas nunca fiando.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Existem imensos vídeos no youtube a mostrar as dobras possíveis, e toda uma série de outras questões que também vêm nas instruções do copo. Neste momento, já uso há um ano e não me consigo imaginar a usar qualquer outra coisa. Não faço ideia se alguma de vocês desse lado estará interessada ou minimamente recetiva a experimentar, mas acreditem que eu acho que mudou a minha vida para melhor e não lamento um cêntimo gasto nisto - e isto, minhas caras, significa muito vindo de mim porque eu odeio gastar dinheiro.</div>
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<br /></div>
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Se estiverem na dúvida, experimentem. Se não estiverem ainda na dúvida, aconselho-vos a a ficar porque vale muito a pena. E, no fim de tudo, já têm um copo para brindar* ao quão lindas e fantásticas são as fêmeas por sangrarem cinco dias e continuarem de pé. Éxétegue girl power.</div>
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<br /></div>
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(*não recomendo, mas se o fizerem enviem um vídeo.)</div>
<br />ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-88428151599884529392020-04-30T02:34:00.001+01:002020-04-30T02:34:40.691+01:00parece mal dizê-lo.<div style="text-align: justify;">
Passaram (quase) seis semanas; seis semanas em que, na maior parte do tempo, esta casa me parece demasiado pequena para que seja capaz de respirar dentro dela mas que, apercebo-me agora, se transformou no meu forte, no meu porto seguro. Ver o mundo do lado de dentro da janela já não me pesa da mesma forma, e já não me sinto tanto a viver dentro de um aquário desde que me apercebi de que estou demasiado assustada com a ideia de voltar a sair.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ensinaram-nos o medo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ensinaram-nos a refugiarmo-nos nas nossas casas e a desinfetar a nossa própria sombra, não vá o diabo tecê-las: de repente, a perspetiva de um regresso à normalidade, uma normalidade vestida com aspas por tempo indeterminado, não me traz o conforto que achei que sentiria há um mês. Traz o medo.</div>
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<br /></div>
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Há alguns dias que não durmo: ninguém se decide, ninguém avança com a decisão, mas parecem ter todos a expectativa de que o fim do estado de emergência dite a reabertura das clínicas dentárias. E eu acho que não poderíamos começar pior, a confirmar-se, numa altura em que têm de ser dados passos pequeninos até podermos correr grandes distâncias. Parece-me um disparate o regresso a um local onde o perigo de contágio é real, e senti-me obrigada a preparar todo um plano de isolamento para mim mesma. O meu isolamento real começará no dia em que tiver de voltar a trabalhar porque sei que o risco de ficar doente é elevado, e não quero colocar ninguém em perigo - e estou a entrar em pânico por isso.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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A incerteza do futuro não me deixa respirar.</div>
<div style="text-align: justify;">
Já tinha assumido por aqui o meu desamor pela pela profissão que tenho há quase um ano: nunca fui capaz de gostar, nunca fui capaz de me sentir feliz. E, nos últimos meses, essa não-felicidade tinha começado a transformar-se numa infelicidade e num mal estar geral que me consumia os dias e me devorava as semanas numa pressa constante de viver fora dali, por mais que fossem só dois dias. E aquilo que ninguém ousa assumir, num momento em que se quer que estejamos todos gratos por um regresso, é que estou mais ou menos certa de que voltar, depois de todo este tempo, vai tornar tudo muito mais difícil.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Tenho estado à espera de um milagre: empenhei-me a procurar trabalho, o mais afincadamente possível, numa esperança vã e mais ou menos estúpida de não ter de voltar. De poder chegar ao fim do meu contrato e sair pela porta da frente sem ter de voltar a arrastar-me para lá. Não sou boa no arrasto, não sou adepta do vai-se andando - deixa-me desesperada acordar constantemente com vontade de voltar para a cama, só para não pensar em todas as horas que separam um momento e outro. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A incerteza do futuro não me deixa respirar porque há uma parte de mim que teme a possibilidade de estar desempregada dentro de um mês, pela não renovação do contrato, e a outra parte de mim teme exatamente o contrário: este é um capítulo que precisa de ser encerrado, mas eu não tenho a coragem de escrever as últimas linhas - temo que possam ser a minha assinatura numa renovação que não desejo, pelo medo de aceitar que nunca vou conseguir sentir-me bem neste lugar e que viver assim nem é bem viver.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
[em resposta a alguém que presumo que virá à procura dela: </div>
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raramente sou a primeira a fechar as portas mas, quando o faço, ficam trancadas a sete chaves. a vida foi-me mostrando que há pontas que ficam soltas mesmo. talvez um dia se atem por si, ou talvez não - mas há pouco ou nada no passado que faça questão de trazer para o presente e menos ainda carregar para o futuro. estou a tentar curar o que ainda me dói, e o resto é só isso mesmo: o resto. deixou de me interessar, com toda a honestidade.]</div>
ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-37732539936752881242020-04-14T02:58:00.001+01:002020-04-14T03:25:09.261+01:00o poder das palavras, ou um desabafo tardio para não me esquecer.<div style="text-align: justify;">
Sempre brinquei com a minha sanidade mental, ou com a falta dela, e sempre fiz de conta - mais para mim mesma do que para qualquer outra pessoa - de que tinha tudo sob controlo e conseguiria resolver-me sozinha. Mas estava enganada. Estava enganada e hoje vou escrever sobre isso, porque é importante fazê-lo. Para mim, e para servir de nota para alguém que ainda não tenha chegado lá.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Hoje quero falar-vos da força das palavras, e da forma como temos o poder de mudar a vida de alguém com pouco. Muito pouco. Umas vezes, para melhor. Outras, para um inferno.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Sofri de bullying quando ainda não era fixe sofrer de bullying, ou quando ainda não se tinha arranjado uma etiqueta pomposa para explicar o que acontecia na escola que me fazia chegar a casa e isolar de toda a gente, porque assim era mais fácil fingir que estava tudo bem e era uma miúda feliz, tal como a inocência da idade o pedia. Adormeci a chorar muitas vezes. E, no dia a seguir, repetia o processo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Para quem for novo por aqui, e ainda não souber, a maior ousadia da minha vida foi ter-me lembrado de vir ao mundo com uma malformação: lábio leporino, um nome tão feio quanto me tenho sentido a minha vida toda. E foi mais ou menos aqui, com este bold move, que os meus problemas começaram. Aparentemente, foi uma má ideia não nascer normal.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não me bastasse, ainda me lembrei de ser gorda - demorei, mas consegui atingir o patamar da obesidade, para completar o quadro - e os dentes nasceram-me tão tortos, cortesia da malformação, que os centrais faziam um ângulo de 90º. Sem exageros. Em suma, não havia um milímetro do meu corpo que não fosse passível de ser gozado. E, portanto, foi.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ouvi tudo o que se possa imaginar.</div>
<div style="text-align: justify;">
O <i>feia</i> e o <i>gorda</i> eu já tinha como dado adquirido, mas a isso foram-se juntando outras mais, como o <i>nunca ninguém vai gostar de ti!</i>, <i>achas mesmo que alguém vai querer ser visto ao teu lado?</i>, <i>ganhaste o prémio da mais feia da escola</i>, and so on. Primeiro, ouvia isto mas tinha amigos. Depois, esses amigos também passaram a pertencer ao grupo dos que me gozavam. E eu fiquei sozinha.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O secundário foi um inferno.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda hoje me pergunto como saí de lá viva, de tantas vezes ter pensado que raio estaria eu a fazer no mundo: a dada altura, sem nenhum outro motivo aparente além de me ter lembrado de nascer anormal, já não podia andar pelos corredores sem ser gozada. Não podia. Onde quer que fosse,havia sempre alguém a cochichar, a olhar para mim e a rir-se, ou então a gritar insultos para garantir que eu não iria ficar na dúvida sobre se seria ou não para mim.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A dada altura, comecei a não ir almoçar na cantina e a esconder-me na biblioteca, a refugiar-me nos livros e no blog recém criado, a evitar ao máximo existir além da ficção onde me era permitido sentir normal, e ser apreciada por quem vivia dentro de mim e não pelo corpo feio que o albergava. Até que, mesmo no blog, me comecei a sentir uma fraude - de alguma forma, por algum motivo, comecei a achar que poderia fazer alguma diferença, para quem me lia, o facto de eu não ser normal.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Vivia um inferno, repito.</div>
<div style="text-align: justify;">
Nunca quis morrer, mas questionava demasiadas vezes a pertinência da minha existência - tinha uma única pessoa ao meu lado, uma única amiga a quem confiaria a vida, e tudo o resto, a pequena parte que não me gozava, eram pessoas que eu evitava também porque desconfiava de toda a gente e era incapaz de me dar a conhecer, tal era o medo de que se viessem a juntar também à lista de pessoas que me iam torturando lentamente. Não era (só) um feitio de merda, era dor, mas uma dor que eu não queria assumir por julgar ser sinónimo de fraqueza.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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Não vos conto isto para que sintam pena, mas para que me entendam: sofri bastante durante aqueles anos. Creio que sofri até mais do que tive a noção na altura, porque eu achava que merecia. Achava que, por algum motivo, tinha alguma culpa por ser diferente, que tinham razão no que diziam sobre mim e que eu teria de me conformar com uma vida de dor e sofrimento, que nunca saberia o que era o amor, que nunca seria mais do que a miúda gorda e feia de quem nunca ninguém iria gostar.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Os anos passaram. </div>
<div style="text-align: justify;">
A única amiga que tinha deixou de o ser também, por motivos que ainda não fui capaz de apurar. E talvez nunca seja.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Já me cruzei com várias das pessoas que me magoaram, e até fui capaz de sentir que as perdoei, embora não me tenha esquecido. Um por um, não me falha uma cara, não me falha uma memória. E logo eu, que me lembro sempre de tudo. Achei que perdoar era o suficiente. Mas não foi.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Tenho 24 anos. 25, dentro de pouco mais de dois meses.</div>
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Já não sou obesa, já não tenho os dentes (tão) tortos. Até já me fiz à vida e conquistei a minha independência (relativa, vá, que não conseguiria se não tivesse com quem partilhar as despesas). Tenho um namorado incrível há três anos. E não superei nada do que me aconteceu lá atrás.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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Sou desconfiada, insegura, ciumenta.</div>
<div style="text-align: justify;">
Na minha cabeça ainda está enraizada a ideia de que nunca vou ser boa o suficiente, porque sou diferente. Três anos depois, com todas as tormentas que passámos para conseguir ficar juntos, eu continuo a sentir que vou ser trocada a qualquer instante por outra que seja normal. Porque, afinal, <i>nunca ninguém vai gostar de ti</i>. Três anos depois, eu ainda passo a vida a perguntar o que é que os amigos dizem de mim, se alguém comentou, <i>porque ninguém vai querer ser visto ao teu lado</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Estou certa de que nenhuma daquelas pessoas faz a menor ideia dos danos que as palavras me foram causando e da forma como, ainda hoje, ecoam na minha vida. Tornei-me numa pessoa doentia, permanentemente assustada com o medo de perder, e nas últimas semanas comecei a trepar paredes porque a quarentena me deixou com muito, com demasiado, tempo livre para criar os meus próprios cenários dantescos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Sou assim desde sempre, mas agora consegui tornar a convivência comigo mesma absolutamente insuportável - e, então, tive de assumir. Tive de ser capaz, finalmente, de aceitar que precisava de ajuda. Que, por mais infantil que me faça sentir não conseguir ultrapassar anos e anos de bullying, porque isso parece coisa de miúda mimada, não consegui. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Isto condicionou todas as minhas relações interpessoais, tornou-me numa pessoa que não quero continuar a ser. Estou cansada de sê-lo, porque é desgastante não conseguir gostar de mim e não ser capaz de ver a pessoa que ele vê, há três anos, e de quem conseguiu gostar apesar de vir com uma bagagem tão grande.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Decidi, finalmente, pedir ajuda profissional - e estou a escrever sobre isto porque importa. Porque precisei de muitos anos para aceitar que preciso dela, que não fui capaz de lidar sozinha com tudo aquilo por que passei, e que não há problema com isso. Que investir na saúde mental não é um desperdício de dinheiro e que não posso continuar a envergonhar-me por os meus traumas incluírem os corredores da escola e eu achar que não faz sentido que ainda me causem mossa quando já atingi o patamar da vida adulta.</div>
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<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Quero ser melhor do que tenho sido até hoje: melhor pessoa, melhor amiga, melhor namorada. Quero despedir-me da ideia de que não valho nada, antes de que tenha de me despedir das pessoas porque tornei a convivência insustentável. Quero ser outra e, acima de tudo, curar-me.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E está tudo bem se não o consegui sozinha. Vai ficar tudo bem.</div>
ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com11tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-83676456930695525102020-03-21T15:20:00.000+00:002020-03-21T15:20:27.823+00:00late night secrets<div style="text-align: justify;">
Quatro da manhã.</div>
<div style="text-align: justify;">
Poderia ser só o início de uma música pimbó-moderna, mas foi a hora a que decidi dar a mão à palmatória e aceitar que de nada me adiantaria continuar às voltas na cama; às tantas, não fazia a menor ideia se a dor de cabeça excruciante se devia ao facto de não conseguir dormir, ou se era ela quem não me deixava adormecer. Por via das dúvidas, vesti um fato de treino por cima do pijama e saí - senti-me melhor no mesmo segundo em que inspirei o ar gélido da madrugada.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não sabia para onde ir, e francamente também não queria ir a lado nenhum. Só queria afastar-me das paredes do meu t1 minúsculo que parecem querer sufocar-me. Fala-se muito da quantidade de divórcios que se seguirão, motivados pela quarentena, mas ninguém fala realmente sobre o teste que isto é para as relações: de repente, estamos confinados à nossa casa, a casa que tanto queríamos ter ainda há uns meses, e já não nos podemos ver um ao outro. Vamos dançando entre divisões por ser a melhor forma de evitar o choque, porque eu preciso de alguém para conversar e porque a vida dele, o trabalho dele, não parou. Não ficou em suspenso, como a minha. E parece que já nada bate certo aqui.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
As ruas estavam desertas, como seria de esperar. Violei umas quantas regras e sentei-me num baloiço para crianças (N.A.: não, não toquei na cara depois e lavei as mãos assim que cheguei a casa, bem como dei um banho de álcool ao telemóvel), numa nota de felicidade fútil por ainda caber num. Provavelmente, quem ouviu o chiar lento do balançar a meio da noite, julgou que seria só mais um dos takes para o filme de terror que estamos a viver, mas não fui capaz de não aproveitar para me sentir uma miúda outra vez. Do nada, ali, no silêncio, a maior prova da minha liberdade foi poder voltar a sentir-me como se tivesse 5 anos. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Pensei na minha mãe e no sermão descomunal que me daria se algum dia viesse a saber que fui sozinha para a rua, àquela hora, numa altura em que será demasiado fácil tramar os incautos. E sorri. Sorri porque também estava com algum medo, para vos ser fraca, mas o medo tem sido a palavra de ordem dos últimos dias, das últimas semanas, e chegámos a uma altura em que mais vale sentir medo de algo que nos faça sentir vivos.</div>
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Quatro da manhã e um casal observava a minha excursão noturna, estático, da varanda: durante alguns segundos, passaram-me pela cabeça vários cenários, que acabavam todos comigo assassinada, num parque infantil. Mas depois senti só o aconchego de perceber que, afinal, não fui só eu quem perdeu o norte às horas e aos dias. Dois andares acima, está um cartaz preso na janela que diz "Jesus está voltando". Ri-me. Espero que venha para o benfica, então.</div>
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Começou a chover. Primeiro eram só meia dúzia de gotitas gordas, mas depois o céu começou a chorar torrencialmente. Eu não: por essa altura já tinha esgotado o stock de lágrimas - entretanto, já reposto - e só me restava o desânimo a arrastar-me rua acima. Não lhe fugi, confesso; também não apareceu o moço para encerrarmos as discussões num beijo apaixonado debaixo da chuva, porque afinal não estamos realmente a viver um filme. Caminhei até ao abrigo do prédio, e deixei-me ficar, só a ver os pingos de água a juntarem-se no chão.</div>
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Ouvia-se o chilrear dos pássaros - a princípio, julguei-me louca por os julgar a cantar a meio da noite, mas depois percebi que é um segredo bem guardado da cidade adormecida: afinal, daqui também se ouve o mundo quando se tira o ruído de fundo. E ao longe, bem ao longe, pareceu-me distinguir o canto inconfundível do cuco; lembrei-me da minha mãe outra vez, que sempre disse que, se em março o cuco não vier, morreu ele ou a mulher.</div>
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Fico contente por estarem os dois bem.</div>
ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-10003099306551821022020-03-20T21:44:00.001+00:002020-03-20T21:44:27.768+00:00sexta feira, pelo 983879º dia de quarentena<div style="text-align: justify;">
não fiz exercício, não tirei o pijama e, para vos ser franca, nem sequer cozinhei: almocei leite com cereais e há um bocado comi uns restos de sopa. tenho fome, portanto.</div>
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também não li nem vi nenhum filme - hoje deixei-me levar pelo medo e entreguei-me, pela primeira vez, às lágrimas. chorei por me sentir sozinha, chorei por não saber quando isto acaba, chorei porque o dinheiro não estica e este mês há de vir bem curto. chorei porque me dei conta de que poderei vir a ficar desempregada nos próximos meses e, por mais que não goste do meu trabalho, paga-me as contas ao fim do mês, e não vai ser tão simples assim encontrar outro depois de tudo isto. chorei pelos planos que necessitam de ser adiados para depois, para quando houver dinheiro, ou para tempos mais estáveis. e chorei até pela falta que me faz ver a minha família, que já vai para duas semanas desde que lhes pus a vista em cima.</div>
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pode ser que amanhã seja melhor, que cozinhe uma refeição decente, que saia do quarto, que chore menos.</div>
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este não é o relato mais bonito, mas é necessário porque estou capaz de jurar que não serei a única a sentir-se assim, e é preciso não fingir que isto está a ser divertido e estamos todos a ser muito produtivos; há dias que estou com uma dor de cabeça que mal me deixa abrir os olhos e falta-me o ar muitas vezes porque tenho tido crises de ansiedade avulso. </div>
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aguardemos por relatos mais felizes.</div>
ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-5255902854218594524.post-90888309486359076342020-03-17T16:51:00.002+00:002020-03-17T16:51:36.257+00:00do tempo.<div style="text-align: justify;">
Foi há precisamente um mês que voltei aqui, cheia de boas intenções de não deixar o gosto pelas palavras fugir-me outra vez - mas depois voltou a faltar-me o tempo, e a energia, e a vontade, e a imaginação. Até que a vida ou o mundo nos trancou em casa. Falemos do tempo, então.</div>
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Quando deixei de (vos) escrever, tinha acabado de aceitar o meu atual emprego e, por me deslocar em transportes públicos, passava mais de 12 horas por dia fora de casa. Durante a semana, não existia para mais do que trabalhar, comer, tomar banho e ir para a cama novamente - pelo meio, tentava manter-me acordada o tempo suficiente para continuar à procura de um trabalho fora dali. Aos fins de semana, única altura em que conseguia ver o monsieur, tinha de encontrar tempo para fazer tudo o que tinha de ser feito, e para viver, finalmente, vingando todos aqueles outros dias em que me arrastava numa semi-existência.</div>
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Até outubro.</div>
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Em outubro embarquei na primeira grande mudança da minha vida quando vim viver com o monsieur, e achei que iria retratar o momento em palavras, para me lembrar exatamente do que estava a sentir. Pensei que iria querer falar-vos sobre como ninguém nos lembra de que temos de comprar um piaçaba ou de quão crucial parece ter de decidir de que lado da cama iríamos dormir ou em que gaveta iriam ficar as meias. Mas, mais uma vez, a mudança foi uma loucura, e o tempo pareceu-me sempre curto demais para refletir sobre ele.</div>
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Então, quando iria ter mais tempo livre, comecei a correr; tinha estado sedentária durante meses, sentia-me péssima em relação a isso e parecia-me um crime não aproveitar a oportunidade de correr com o mar mesmo ao lado. E fui. Do oito ao oitenta em menos de nada: passei de sedentária a correr quase 40km por semana.Todas as semanas, com chuva, com sol,com vento, com nevoeiro. Doente. às sete da manhã ou às dez da noite. Esta lontra leva-se bastante a sério, é preciso que se note.</div>
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Isto para explicar que, mesmo quando começou a parecer que o dia tinha muitas mais horas para me oferecer, eu ocupei-as todas também. Era a corrida, e o jantar que já não aparecia feito na mesa ou as compras para fazer. E quando o tempo me sobrava, era para me entregar a um livro ou a uma série, porque sempre dá menos trabalho do que ver surgir no ecrã as minhas próprias palavras.</div>
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Entretanto, vieram as dores: primeiro o pé, depois a anca. Inicialmente, ignorei-as - por mais de um mês para vos ser franca. Sentia-me tão bem a correr, ajudava-me tanto a aliviar as dores não físicas, que me custava parar - até que, em meados de janeiro, fui obrigada a assumir que não poderia continuar assim porque começava a afetar a minha capacidade de me manter em pé no trabalho. E parei.</div>
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Poderia até ter aproveitado esse momento para voltar ao blog, mas a necessidade de não ter tempos mortos ou de reflexão venceu sempre: inscrevi-me no ginásio. E fiquei meio que obcecada com isso.</div>
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Planeava ir três vezes por semana, mas fui sempre seis: descobri que melhorava muito o meu humor se começasse o meu dia a treinar, então comecei a ir sempre às 7h30. Todos os dias, menos ao sábado, que ia quando me apetecia. Noutros dias, se estava sozinha e com tempo de sobra, voltava a ir ao final do dia porque gosto de algumas das aulas de grupo.</div>
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E assim, voltei exatamente ao mesmo ponto: faltava-me tempo, porque no pouco tempo livre que tinha, extra necessidades, extra obrigações, aproveitava para não fazer porra nenhuma já que tudo o resto me levava a energia.</div>
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Até que chegámos aqui.</div>
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O ginásio está fechado, a clínica onde trabalho está fechada, os supermercados são para evitar. Não posso sequer ir correr no paredão, e o mais perto que estive de um passei foi sair de casa para ir ao lixo.</div>
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Hoje, o tempo que tantas vezes me tem parecido curto, sobeja - e ninguém parece lembrar-se de todas as vezes que implorou para que este momento chegasse, para termos mais tempo para dormir, para estar no sofá, para pôr filmes e séries em dia, para tirar tirar aquele livro cheio de pó da prateleira.</div>
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No fundo, por mais que o queiramos, não sabemos lidar com ele: é mais fácil andar num corropio constante sem pensar muito nisso, do que estar parado - deixem-me que vos diga que, em seis meses, esta foi a primeira vez que me dei ao luxo de trazer o computador e o café para a mesa da varanda, e escrever. E sabe bem, porra: juro-vos que parece que recuei uns anos no tempo, e que não há quarentena nem vírus nem qualquer catástrofe eminente acontecer fora daqui. </div>
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Por isso, vou andar por aqui: talvez ninguém se vá dar conta, talvez ninguém queira ler, mas não faz mal. Estou em casa.</div>
ernestohttp://www.blogger.com/profile/02401434524901618881noreply@blogger.com4