sábado, 19 de setembro de 2020

a ousadia de viver

Sinto, lentamente, o medo a voltar a instalar-se no meu peito - ainda não é o pânico, mas um certo nervosismo com uma pitada de ansiedade. É o recomeço do que nunca chegou a terminar. 

O verão foi leve: habituei-me bastante bem à rotina simpática de sair do trabalho quando o sol ainda ia alto, correr para o vestido solto e descer a rua, de sandália no pé, em direção à praia. Este foi o meu primeiro verão a viver nesta cidadezita lambida pelo mar, e não creio que o tivesse aproveitado muito mais do que isto se não estivéssemos a viver uma pandemia. Tenho a sorte de ter escolhido viver numa cidade que mais parece uma aldeia grande: apesar de ter achado que estava muito mais cheia do que em outros anos, havia espaço de sobra para continuar a respirar em segurança.

Aos poucos, fui-me esquecendo do que não tinha: não pensei nas noitadas que perdi e só senti uma pontada de angústia ali nas primeiras semanas de agosto, quando fui obrigada a aceitar que não iria mesmo ver as minhas pessoas este ano. Depois, passou. Aceitei. Não havia outra escolha.

Agora, os meus sentimentos estão a mudar: era mais fácil viver num corropio e não ter demasiado tempo para se pensar no que está realmente a acontecer. O regresso inevitável ao sofá, conjugado com o aumento dos números, está a devolver-me essa sensação de medo e claustrofobia. A certeza de que, por mais que se resista, será uma questão de tempo até que voltemos a ser todos feitos reféns nas nossas casas. E é aterrador.

Continuo a ir ao ginásio: quando me perguntam se acho seguro, respondo que vai demorar demasiado tempo a ficar tudo bem para que possamos deixar de ter a ousadia de ir vivendo, pelo menos até que nos voltem a colocar as vidas em pausa. Mas sei que já nem isto é bem verdade: estou mais ou menos ciente de que, por mais que me custe, mais tarde ou mais cedo irei deixar o ginásio também. E isso já me começa a enlouquecer um bocadinho em adiantado. 

É bonito dizer que vai ficar tudo bem... mas quanto teremos de sofrer e quantas pessoas teremos de perder até que fique mesmo tudo bem?