terça-feira, 29 de janeiro de 2019

cinderela vai à segurança social

Cheguei pouco depois da hora de almoço, ainda nem todas as senhoras tinham tido tempo de regressar aos seus postos de trabalho.

Tirei a senha: quatro pessoas à minha frente. Ok. Tudo bem.
Vamos clarificar uma coisa: apesar de até ser um bichinho simpático, não sou sociável por aí além nem gosto muito deste tipo de repartições onde uma pessoa se sente quase que obrigada a saber das maleitas alheias ou das desgraças financeiras da vizinha da frente. Posto isto, sentei-me na cadeira mais ao cantinho da sala e, três nanossegundos depois, tinha a senhora que se sentou ao meu lado a esticar o pescocito para ver o número da minha senha, porque era a seguir a mim. 

Não percebi o que se passou entretanto: num momento, estava tudo medianamente calmo e, no momento seguinte, a segurança social parecia o pingo doce naquele fatídico primeiro de maio em que as pessoas se agrediam pelo melhor rabo de bacalhau. De todos os lados, não paravam de chegar pessoas.

Chegou uma miúda grávida - sério, com que idade é que os miúdos começam a pinar agora?! -  acompanhada daqueles que, pelo ar, poderiam ser os pais e uma avó (?!), e assentam arraiais a um canto numa espécie de confraternização familiar que poderia ser muito bem feita na sala de casa. Entretanto, já tinha dado o meu lugar a um velhotito que tinha chegado e estava ao canto, em pé, a rezar para chegar rápido a minha vez.

Ao meu lado, um senhor chuchava nos próprios dentes como se estivesse à procura de algum resto do almoço, escondido nos recônditos do dentiçal, para se ir entretendo na espera. Deve ter sido nesta altura que eu senti uma gota de suor a formar-se no canto direito do meu farto bigode.

Entrou mais um casal que resolveu instalar-se por baixo do sensor que fazia as portas automáticas abrirem. Comecei a hiperventilar, mas baixinho para não acharem que era uma crise e chamassem ajuda, que eu ainda tinha de voltar ao trabalho. A cada gingar da anca do senhor, as portas abriam, numa dança interminável. A senhora dizia ai credo, isto irrita! mas passaram uns bons 15 minutos nisto até que se lembrassem de que, talvez, a culpa fosse deles.

Enquanto isto, ia lançando olhares assassinos ao real chuchador que continuava ao meu lado e de quem eu não tinha grande hipótese de me afastar, enquanto me apegava a todos os santinhos em que nem sequer acredito para ver se me livrava daquele cenário traumático.

Fui atendida por uma senhora mega simpática mas depois acabei por sair de olhos pregados no chão, porque as gentes, as outras gentes que não eu, têm a mania esquisita de se despedir sempre neste tipo de locais, como os que nunca saem do centro de saúde sem desejar as melhoras, nem que seja às cadeiras ou às plantas que por lá estão, mas na segurança social não se deseja as melhoras. Talvez um RSI para todos? Sei lá, a vida é difícil e eu não gosto de falar alto neste tipo de ajuntamentos. 

Isto era tudo muito mais giro quando o único sítio sério onde tínhamos de ir era à secretaria da escola.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

como vai a vida, cinderela?

Na semana passada, fui despedida.
Antes de ter tido tempo para pensar, lembrei-me de que tinha sido contactada no dia anterior e tinha uma entrevista daí a coisa de duas horas. Saí a correr do trabalho, fui trocar de roupa, disfarçar o ar de morta-viva, e meti-me a caminho.

A entrevista nem foi má de todo, mas eu percebi que a coisa nunca poderia funcionar quando me explicaram que implicava conduzir de norte a sul - longa vida a quem faz anúncios de emprego claros e honestos, you rock! Assim como assim, tive aquela oportunidade única na vida de responder a um mas está a trabalhar? com um na verdade, fui despedida há cerca de duas horas, sempre naquela onda play it cool, super compreensiva porque sabia que despedirem-me tinha sido a decisão mais sensata, tendo em conta a situação atual da empresa. 

Só chorei quando cheguei ao carro.
Há meses que ia enviando o currículo amiúde, por estar mais ou menos ciente de que isto poderia acontecer - há meses que vou adiando a minha vida, que vou deixando para depois algo que já queria ter feito ontem, e, agora que sinto a sua concretização ainda mais distante, estou particularmente desmotivada. 

Depois disto, os dias têm sido lentos. 
Continuar a trabalhar quando se foi despedido, deve ser o mais semelhante que há, na vida adulta, a ter de continuar a ir às aulas quando já se sabe que não há nada a fazer e estamos mais do que chumbados. É uma merda, portanto.

Arrasada, desmotivada e com pouca vontade de sair da cama, esta semana também incluiu duas idas ao centro de saúde com um espaço de quatro dias entre elas: tenho este condão de ter sempre manifestações físicas quando a parte psicológica está nas ruas da amargura, e aqui estou eu com mil e um sintomas inespecíficos, embaraçosos e que me fazem sentir meio ridícula, mas que não passam por nada deste mundo porque, para isso, é preciso que eu seja capaz de me acalmar e acreditar que vai ficar tudo bem.

Hoje, ainda não é o dia.
Era suposto que esta fosse uma fase carregada de ansiedade boa, não de incertezas e de esperas intermináveis por um sim que me permita, finalmente, viver a minha vida como era suposto.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

o post que vocês vão mostrar às vossas amigas grávidas

Eu não sei quando a vocês mas, no último ano, de cada vez que ouvi falar na taxa de natalidade baixa, tive vontade de ligar (não sei para quem, não levei o plano tão longe assim) para começar a denunciar uns quantos bebés que, para continuarem a dizer que não há crias a nascer em Portugal, só podem não estar declarados. Uma espécie de mercado negro de bebés, tipo "pari mas o governo não sabe", que ainda está sob a minha investigação atenta.

É que o povo anda todo de barriga cheia! As que não estão grávidas, é porque já expeliram a criança, e as outras que não se enquadram numa categoria nem na outra, é porque ainda não fizeram o teste - como é óbvio, eu estou só a fazer de detetive e não vou dar o meu contributo para a natalidade tão cedo.

Portanto, isto leva-nos a um problema óbvio: só se fala em bebés por todo o lado. Já estamos todos fartinhos de papas cerelac e promoções da dodot no feed de tudo quanto é rede social, e isto é  meio chato porque começa a dar uma certa vontade de desamigar as pessoas quando já damos por nós a passar a mão na própria barriga só de tanto ler sobre gravidez.

Para vos ajudar, decidi escrever uma lista com as coisas que as grávidas deste planeta precisam de saber.

1 - todos sabemos que as crianças passam 9 meses na barriga da mãe, portanto não é necessário um lembrete diário de que que têm a cria no bucho - a não ser que, por qualquer motivo, a criança tenha migrado para uma perna ou coisa que o valha, nós vamos saber exatamente onde ela está só de saber que estão no estado de graça;

2 - quando alguém - no caso, eu - pergunta de quanto tempo estão, respondam em MESES, repito, ME-SES, que essa cena das 23 semanas é muito gira mas eu chumbei a matemática;

3 - não façam de conta de que a gravidez é só fantástica e maravilhosa - ao invés de frases feitas e imagens pirosas, façam posts sobre as noites sem dormir, os enjoos, as hemorróidas, a incontinência, etc, que pelo menos sempre torna a coisa um bocadinho mais educativa e - quem sabe? - atua como método contracetivo nas não-prenhas;

4 - se já eram pequenas orcas antes de engravidarem, não usem a cria como desculpa para parecerem duas grávidas numa;

5 - só meto gosto na tua publicação na página da dodot se jurares a pés juntos que fazes o mesmo na durex;

6 - tens uma criança na barriga, ok, fixe - mas isso não te dá equivalência a um mestrado em maternidade avançada e continuas a não ter voto na matéria na educação dos filhos dos outros. Faz o melhor que puderes com a tua, educa-a o melhor que souberes, mas não te aches um ser superior só porque fizeste xixi num pauzinho e deu positivo;

7 - ainda bem que achaste que era o momento certo para procriares, mas isso não faz de ti a proprietária do útero das outras e portanto não o tentes arrendar por elas - não, nem todas as tuas amigas te querem seguir os passos, e não, nem todas estão ansiosas para ter a roupa bolsada, lida com isso;  

8 - faz um bocadinho de confusão imaginar-te a manejar um recém nascido com 5 cm de unhas-garra bicudas e cheias de berloques gigantes e saídos - tipo coroas e laços e merdas do género - mas uma pessoa tenta nem se meter (corta essa merda antes que tires uma vista a alguém).

Se tiverem mais alguma sugestão para fazer às grávidas vossas conhecidas, sintam-se à vontade para partilhar e acrescentamos a esta lista. Parecendo que não, isto é serviço público.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

cinderela, a benanosa - take 2

Ainda só vamos no segundo dia do ano, e eu já tomei uma decisão importante e inovadora, que irá mudar toda a educação das minhas futuras crias: sempre que não quiserem comer a sopa, que fizerem uma birra descomunal, que não me deixarem dormir, não as vou ameaçar com a história do papão. Vou dizer-lhes que, se não se comportarem, o pai vai começar a usar aquilo a que a malta fancy chama man bun, mas que para mim é só azeite mesmo.

E porquê? 
Porque estamos em 2019 e hoje eu cruzei-me com um destes aspirantes a teletubbie da loja dos chineses.

A cinderela explica: se fores um gajo e tiveres uma cabeleira farta, podes prender o cabelo. Se fores um gajo e tiveres menos cabelo na mona do que a madonna tem nos sovacos, vais ficar só ridículo. É mais ou menos como quando as mães têm monstrinhas de berço quase carecas e lhe tentam fazer aquela palmeirita no alto da pinha, onde só se vê o elástico com dois ou três fiozitos de cabelo a tentar resistir à pressão - só que, no caso das crianças, até pode ficar mais ou menos fofinho.

No vosso, não. 
That's not how you'll get laid.

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

cinderela, a benanosa

Há coisas que me ultrapassam, e a questão da moda é, claramente, uma delas. Alguém que me explique o fenómeno:

A passagem de ano aconteceu, como sempre, em dezembro, o que, só por acaso, coincide com o pico do inverno. Para agravar, os meios de comunicação avisaram uns dias antes que esta seria uma noite particularmente fria - posso dizer que foi, e consideremos ainda o pequeno pormenor de estarmos à beira mar/rio. Já estão a sentir um arrepiozito, certo? Pois.

E como é que o povo foi? Vestidinho curto, justo, cravejado a glitter e lantejoulas porque, por motivos que me ultrapassam, parece haver uma correlação esquisita entre a passagem de ano e parecer uma bola de espelhos.

Ali estava eu, chourição style, collants, calças de ganga, três camisolas, um casaco, gorro, luvas, e cheguei a um ponto em que já nem conseguia falar em condições porque o frio me estava a começar a paralizar o maxilar - no meio de tudo isto, olhava para as criaturas a fingir serenidade e sentia-me a dar aquele passinho que faltava para a hipotermia.

Onde estava a mãe daquelas mocinhas, que não lhes disse para levar um casaco porque iam ter frio? Mas afinal é só a minha que tem essa obsessão?