terça-feira, 23 de outubro de 2018

fat is the new fit

Apetece-me falar sobre... gordas.

Este é aquele momento em que o povo começa a pirar ligeiramente, encarquilha os dedos dos pés e se prepara para agarrar o punhado de pedras que me vai atirar - mas sim, gordas. Apesar de hoje ser quase um dos pecados capitais chamar gorda a alguém... lembrem-se de que a gula também entra nesse mesmo grupo e, portanto, por esta altura já estamos todos com um lugarzinho reservado no inferno. 

Há dias, e por mero acaso, esbarrei numa plus size model, como verifiquei mais tarde, no instagram - não percebi bem se é ou foi blogger, se é mais uma das chamadas influencers, não sei. Comecei por ver os stories (descobri-a por estar a falar de um assunto que me suscitou interesse) e só depois fui ver o perfil propriamente dito, todo ele de fotos em lingerie. XXL. 

Cinderela, mas para quê tanta maldade nesse coração?
Não é maldade, gente. Mas acho que as coisas estão a avançar demasiado rapidamente, para o extremo oposto daquilo que, até então, tinham sido vistos como modelos, e nenhuma das duas posições é boa. 

Se, por um lado, não acho positivo ter como modelos mocitas que almoçam lenços de papel humedecidos para que continue a ser possível contarem-se-lhe todos os ossitos do corpo a olho nu, também não acho positivo ver como modelo alguém com os ossos soterrados numa espessa camada de gordura. Desculpem: qualquer uma das duas tem um problema, qualquer uma das duas está errada.

Quero esclarecer que não me faz qualquer tipo de diferença se as pessoas são gordas ou magras, se cabem num XS ou num XXL - isso não diz o quer que seja acerca da pessoa em questão. O que não me faz sentido é que estas pessoas se vejam como um modelo a seguir e queiram passar a imagem de que está tudo bem. Que são só plus size models e que o importante é aceitarem-se.

Vou-vos dar uma novidade: é importante aceitarem-se, sim, mas desde que vejam essa fase como algo transitório porque, a meu ver, cuidarem da vossa saúde deveria ser um ponto obrigatório na história do amor próprio. Não, não é porque têm 30kg a mais do que deveriam e continuam a gostar de vocês que devem manter-se tal qual estão e promover essa imagem como algo positivo. Não é. Por favor, entendam isto: não é.

Aquilo que eu imagino quando penso no conceito plus size é, basicamente, o que gosto de ver no corpo de uma mulher: curvas, sim. Coxas grossas qb, sem ocupar dois lugares no autocarro mas a notar-se que são duas coxas e não dois pauzitos ao alto a sustentar o resto do corpo. Curvas, enfim. Talvez o corpo a que as velhotas chamam "ser bem constituído", se assim o quiserem dizer - e isso, é bonito. E acredito que possa não ter quaisquer implicações na saúde da pessoa.

Agora, a miúda em quem me inspirei para escrever este post, é mais gorda do que eu era há 22kg atrás - e, relembro, eu era já considerada obesa. 

Vale o que vale: honestamente, EU não consigo achar o corpo da rapariga bonito. Não consigo, não acho, tal como repudiei o meu corpo durante anos a fio até um susto, no campo da saúde, me ter abanado e feito mudar. Que alguém ache, não acho estranho nem errado porque, afinal, temos todos gostos diferentes - agora, o que não entendo mesmo, é a aceitação, o conformismo. A quantidade de comentários que transpiram um "afinal nem faz mal eu ser gorda", porque há uma gordinha bonita - bah, também não acho a rapariga bonita, mas isso é relativo - que tem muitos seguidores nas redes sociais e que me faz sentir melhor sobre mim mesma - isto, eu acho assustador. E perigoso, até certo ponto.

Gostarem de vocês começa por cuidarem da vossa saúde: já o disse, já falei do quanto me assustei, aos 20 anos, e da forma como isso mudou a minha vida. Continuo a não ser exemplo para ninguém: adoro comer, tenho mais 4kg do que deveria e há dias em que me sinto novamente obesa. Mesmo que não esteja, mesmo que seja assim-assim, nem gorda nem magra - mas precisei de um susto para perceber que estava a matar-me aos bocadinhos. Não façam o mesmo, por favor. Amem-se, sim - e, por isso mesmo, cuidem-se. Estética nenhuma vale mais do que a vossa saúde.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

sextas que não sabem a sexta

É sexta feira, passa da minha hora de sair mas não me apetece ir para casa.
Este não era o outubro que eu esperava. Não era isto que estava nos meus planos. Culpa minha, talvez, e desse vício danado de idealizar e programar a vida a régua e esquadro - eu, que nunca gostei de seguir linhas traçadas -, de marcar datas no calendário como prémio de consolação para os dias infelizes de uma vida só levemente polvilhada com felicidade. Está tudo do avesso.

Sonhava com mudanças, com concretizações pessoais. Com projetos rabiscados num pedaço de papel sujo, passados a limpo e postos em prática - sonhava com a felicidade montada, pecinha a pecinha, até fazer sentido. Sonhava com pormenores e coisas ridículas que só fazem sentido na cabeça de quem se sente na eminência de ser ridiculamente feliz. Depois, tudo desapareceu.

É sexta feira, passa da minha hora de sair e o que me apetece mesmo é chorar.
Passei todos os sonhos para segundo plano e sinto-me a viver um pesadelo: nada bate certo, tudo corre mal, e o medo de perder, muito mais do que as coisas, mil vezes mais do que as coisas, as pessoas, pesa-me no peito e não me deixa respirar. Nada chega. É tudo pouco pano para tanta manga e a felicidade que eu esperava ficou soterrada, algures, nos escombros de tudo o que em mim parece ter desabado.

Estou cansada, exausta - não foi o furacão, foi a minha vida toda. Não foi sequer pelos bens materiais - foi pela dor, pela impotência, por não saber mais o que fazer para recuperar os pilares da minha vida. Por ser pequena, tão pequena, ínfima, insignificante. E por ter perdido muito mais do que se pode ver a olho nu.

É sexta feira, passa da minha hora de sair, e o que me apetece mesmo é chorar, mesmo que ninguém seja capaz de me ouvir. Mesmo que ninguém seja capaz de me entender. Chorar de dor, de angústia, de raiva e até - porque não? - de pena. 

Não foi este o outubro que eu pedi.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

quatro dias depois.

A vida retoma, lentamente, a normalidade. Minto. Talvez seja precoce pronunciar sequer a palavra normalidade - vai demorar muito até que se chegue sequer a um lugar perto. Mas, hoje, voltei ao trabalho e consigo, finalmente, assentar as ideias e escrever sobre isto: é um início. Comecemos, então.

Não sei se as pessoas ainda se lembram disso. 
Se ainda se fala do Leslie e da forma como mastigou tudo o que se lhe apareceu pelo caminho. Se alguém contou as mortes por queda do telhado, numa tentativa de o remendar, de minimizar os danos, ou os outros tantos que foram ter às urgências pelo mesmo motivo. Se se fala das lágrimas, do rasto de destruição, e de quem varre os cacos, olhando para os destroços de uma vida inteira, achando que vai morrer sem conseguir reconstruir o que perdeu. Se calhar não porque, a dada altura, martelar sempre no mesmo assunto é chato, cansa as pessoas, tal como, há um ano atrás, já ninguém podia ouvir falar mais do drama dos incêndios. É sempre (mais) fácil quando não nos bate à porta - mea culpa. Culpa de todos.

Os estragos são incontáveis.
Há casas parcialmente a céu aberto - das que estão só destelhadas, é ridículo falar. Nem vale a pena tentar contabilizar; e outras tantas a quem a fúria do vento rebentou portas, janelas, paredes: sim, paredes. Digo e repito a frase que anda de boca em boca: nunca tive tanto medo em toda a minha vida. Nunca. Em menos de nada, senti que vivia numa casa com paredes de papel, num castelo de cartas prestes a ruir. Tudo, absolutamente tudo, parecia demasiado frágil para fazer frente à besta que estava na rua. Depois, acalmou, saímos à rua e o pânico deu lugar às lágrimas: estava tudo destruído. 

Ficámos sem comunicações e é irrealista achar que nos devolverão o telefone e a internet brevemente. Os cabos estão todos no chão, há postes enormes partidos ao meio, e árvores apoiadas nas linhas. Dou-me por feliz por, apesar de tudo isto, nos terem devolvido a eletricidade - e agora é paciência. E tempo, muito tempo, que não há mãos a medir para concertar tudo, mas também não há milagres.

Quando consegui abrir o facebook, na segunda feira, à procura de notícias, dei-me com a publicação de uma blogger que, sinceramente, deixei de suportar há algum tempo, a gozar com a tempestade porque, afinal, se em Lisboa foi na boa e não se passou nada, então é porque não aconteceu - e uma apoiante da mesma (esta gente tem sempre apoiantes) a falar em histerismo à volta de meia dúzia de árvores caídas, como em todos os outros invernos.

Histerismo.
Convido-vos a passear pela zona centro e prometo-vos vista privilegiada para as árvores imponentes arrancadas pela raiz, ali, sem dó nem piedade. Outras tantas rachadas, partidas ao meio e, mais bizarro ainda, árvores com todo o ar de quem rodopiou com o vento, numa dança frenética que não aceitaram. 

Talvez possam também ajudar a encontrar o que voou e ninguém sabe muito bem onde está. Há portões em parte incerta, pedaços de portas, de janelas. Telhas então, é uma anedota: estão um pouco por toda a parte e é absolutamente aterrador perceber as distâncias a que se encontram do sítio onde, até ao passado sábado à noite, pertenciam.

E, se vierem, tragam vassouras. Pás. 
As ruas são lixo e as estradas estão perigosíssimas: há toda uma mistura de folhas com restos de telhas, vidros, parafusos vindos sabe deus de ontem, mais telhas de chapa. Ferros. Restos de casas, enfim: na minha zona, cada um fez a sua parte e tornámos a via transitável mas, infelizmente, nem em todas as zonas houve essa sensibilidade e circular na estrada é pisar terreno minado. Nunca sabemos ao certo onde vamos conquistar mais um bocadinho de prejuízo. Só mais um bocadinho para juntar a todo o resto.

Ontem à noite, a eletricidade voltou. 
72h mais tarde, quando os frigoríficos e as arcas já tinham desistido de nos conservar os mantimentos, alguém se lembrou de que poderia ser boa ideia devolver-nos a luz. Pelo menos isso. Foi uma pequena luz ao fundo do túnel, mesmo com tudo o resto que não há como recuperar. É, como já disse, um início. O início do recomeço, do dia zero das nossas vidas. E, então, recomecemos.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

sem título

[outubro, 
e eu sento-me aqui.

está frio, um frio gélido que - começo a desconfiar - vem de dentro para fora. só me aquecem as lágrimas que uma sensibilidade que repugno me faz deixar sair. eu não era assim. continha-as, guardava-as para mim, deixava-as pesarem-me no peito. agora já não suporto esse sufoco, mesmo que isto me faça gostar um bocadinho menos de mim.

está frio aqui mas não o suficiente para que se veja uma baforada de vapor de cada vez que expiro. estarei viva? estarei realmente aqui? -  nada está bem, nada está onde deveria estar: tiro as mãos dos bolsos e coro quando vejo as minhas unhas mal cortadas, os dedos rechonchudos. tudo em mim rechonchudo, toda eu numa batalha constante contra a balança que parece nunca ter fim. um descontentamento infinito, a noção dolorosa de que há um quê de ridículo em mim. pergunto-me muitas vezes mas como é que nem isto eu consigo fazer bem?, e sigo com a minha versão errada das coisas porque não sei ser de outra maneira. 

estou cansada, por estes dias.
pisei os meus sonhos sem querer, estilhacei-os debaixo dos pés - vivo por viver, de fim de semana em fim de semana, como quem fecha os olhos com muita força, nas montanhas russas, para não ver as descidas e depois os abre quando se sente em segurança. e repetimos. sempre. não pára. e faz menos sentido a cada nova volta porque, se insisto em fechar os olhos, continuo a perder metade da corrida. em nome de quê?

inspiro com força e sinto o ar a romper-me os pulmões - apetece-me ter a liberdade de chorar como na primeira vez em que inspirei, como aquele primeiro momento em que acordei para a vida sem fazer a mais pequena ideia, ainda, de que vivia. apetece-me poder gritar ao mundo que ainda não encontrei o meu lugar e que estou farta, tão farta, que às vezes só precisava de parar.

ficar, só.
sossegada.

não quero parar de viver, só fazer uma pausa neste carrocel louco, não ter de pensar, não ter de sentir para não me sentir a mais, para não me sentir insuficiente, sempre à espera de perder, sempre a tentar antecipar os próximos golpes da vida e a boicotar-me por acabar a ferir-me sozinha.]

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

adivinha do dia

Até aos 18 anos - que, só por acaso, acabaram por se converter em 19 porque, depois de mais de 16 anos a ver-me com frequência, ninguém me queria dar alta - as minhas idas ao dentista eram, na verdade, visitas ao serviço de estomatologia do hospital pediátrico. 

Portanto, depois de tanto tempo a ser torturada, a pessoa passou os últimos 4 anos a fugir o mais possível das cadeiras dos dentistas, indo só as vezes suficientes para não ficar com uma corrente de ar na boca, que isso é coisa feia de se ver.

Várias limpezas mais tarde, surge o drama: a primeira cárie. A primeira cárie a não ser tratada por um daqueles três médicos que me viram crescer, a primeira cárie tratada por alguém que, até então, só me fez limpezas livres de agulhas - a meu pedido - mas por quem estava mais do que avisada de que, para este tipo de desgraças, teria de ser com anestesia.
Passei o dia a tremer: já me fizeram trinta por uma linha mas, ainda assim, a pessoa estava a morrer de medo da anestesia porque, apesar de lidar muito bem com agulhas no geral, o mesmo não acontece com agulhas na boca. Manias.

A segurar o coraçãozito, já na cadeira, perguntei à dentista qual era a probabilidade de eu conseguir aguentar aquilo sem anestesia. Baixa, respondeu. Tenho duas ou três pessoas que não precisam mas, no geral, todos pedem.

Podemos conversar um bocadinho sobre o quão ridículo é eu ter mais medo da porra da anestesia do que do procedimento em si, mas a verdade é que resolvi arriscar: combinámos que eu levantaria a mão se não suportasse a dor e precisasse mesmo de anestesia. Ela ficou com a sensação de que eu era um bocadinho maluca, e eu fiquei com essa mesma certeza, mas tudo bem.

O engraçado é que... não doeu. O pouco desconforto que senti foi, em muito, inferior ao desconforto que teria sentido se me tivessem anestesiado metade da cara - acho que a dentista pensou que me estava a armar em valente, mas não estava, de todo. Mais: acabei por me aperceber de que nunca nesta vida levei anestesia para tratar uma cárie.

A questão que se levanta é... porquê? Para economizar, por ser um hospital público, ou porque realmente não há assim taaaaanta necessidade de anestesia para isto?

Há apostas?

terça-feira, 2 de outubro de 2018

terça feira

Acordei, como de costume como sempre que consigo dominar a lontra obesa que há em mim, uma hora mais cedo, para ir correr.

Dormi mal, passei a noite a acordar mas, ainda assim, a culpa não me permitiu a fazer orelhas moucas ao despertador e falhar ao treino longo da semana - notem que só escrevi isto para fazer bonito, porque o que é para mim um treino longo hoje, é 1/3 do que eu era capaz de correr há um ano atrás. [Note to self: sim, sua lontra, vais mesmo lamentar não ter tirado o cu da cama; tu gostas de correr, pá!]

Portanto, a pessoa está na rua, a arrastar-se, às sete e pouco da manhã, e dá de caras com um nascer do dia espetacular. De verdade. Só não tirei fotos porque isso é para gente que finge que corre e se dá ao luxo de parar para fotografar o percurso. Ou os pézitos. Mas estava bonito, que fique o registo, e a pessoa achou que só podia ser um bom augúrio.

Só que não. 
De regresso a casa, com a crina a pingar suor, pronta para ir de férias para as maldivas, durante duas semanas, para descansar do treino, o que é que esta amável criatura descobriu? Que não havia água quente por motivos misteriosos que ainda estão sob investigação. 

Ora, como infelizmente os meus pais me deram aquela educação chata que implica tomar banho e não chegar aos sítios - principalmente ao trabalho - a meter nojo, só me restava tomar banho de água fria gelada ou ligar para o trabalho a dizer que estou pior da unha encravada e não podia vir trabalhar. Optei por correr o risco de entrar em hipotermia, porque é sempre uma maneira mais animada de começar o dia.

Findo o banho, que me deixou gelada durante as duas horas seguintes e a desejar ter vindo de gola alta, acabo de me arranjar eeeet, voilá: chego ao carro em cima da hora. Não me bastasse isso, recebo uma chamada, relacionada com o trabalho, que me atrasa ainda mais.

Portanto, temos uma lontra enregelada, de mau humor, e em stress porque odeia chegar atrasada. Ou em cima da hora, que seja. Mas o que é que poderia piorar?

Exato. 
Só mesmo um papa reformas, que é a pior invenção que algum dia poderiam ter feito - se as pessoas não estão habilitadas para conduzir, não deveriam andar na estrada e ponto final. Qualquer dia, estes velhos também se lembram de fazer concorrência aos taxistas e criam a reformify: o seu meio de transporte com a máxima segurança a 20km/h.

Alguém precisa de explicar a estas pessoas que não precisam de andar no meio da estrada; já que vão devagar podiam, sei lá... deixar os carros a sério passar, não sei. Assim na loucura.

Não me bastasse todo este stress e ter esgotado o plafond mensal de pragas rogadas no segundo dia do mês, ainda apanhei novamente um susto, daqueles de verter um pinguinho de xixi, com um camião. Numa curva. 

Também acharia agradável alguém se lembrar de lhes explicar que, lá porque não se iriam magoar por aí além se engolissem um carro ligeiro, não significa que seja bonito andarem na estrada com a atitude de quem não se importa de levar tudo à frente. A sério. 

Eu gosto de viver. 
Obrigada.