segunda-feira, 29 de março de 2021

gata borralheira, take mil.

Perdi a conta de há quantos anos prometo a mim mesma que vou voltar ao blog em força, que vou procurar aquela chama que sentia pela escrita, e que vou conseguir fazer disto a minha terapia novamente. Mas depois falho, de todas as vezes que tento. Acabo sempre por desaparecer.

Agora é só porque não me apetece. Porque os meus dias são cheios de nada e, na maior parte do tempo, nem pachorra tenho para conversas. Tenho mensagens por ler há dias e um projeto na gaveta há semanas em que não pego - por falta de energia, que tempo tenho de sobra.

Há um mês e dez dias que acordo à espera de que o telefone toque e me deixo ficar em ânsias até às seis ou sete da noite. Depois desisto, aceito que passou mais um dia sem respostas, não consigo dormir e recomeço o processo na manhã seguinte.

Ninguém fala sobre isto, mas parece-me impossível que eu seja a única a senti-lo: tenho vergonha de dizer às pessoas que estou desempregada. Outra vez. Tanta vergonha que já cheguei a mentir, dizendo que estava de férias e depois que continuava em teletrabalho. Não sei se acreditaram, mas sei que não fizeram mais perguntas e isso chega-me.

Entre a empresa que faliu, a loja que não faliu mas deixou de pagar, a clínica onde não tinha quaisquer direitos e ainda era humilhada constantemente e um emprego temporário, resta-me o meu primeiro emprego, num hospital, de onde saí porque estava a recibos verdes e tinha a garantia de um contrato sem termo se fosse a concurso, mas não estava feliz. Quatro anos depois, ainda há quem não entenda a minha decisão de rejeitar a oportunidade única de ter um trabalho na função pública - costumo dizer que a minha decisão final foi tomada às quatro ou cinco da manhã, num turno da noite, quando dei por mim, exausta, a lavar o balde de uma cadeira arrastadeira cheio de diarreia. Não sei se me levam a sério, mas é esta a verdade: naquela noite, olhei-me ao espelho e tentei imaginar-me a fazer aquilo durante os 40 anos seguintes. A resposta foi óbvia.

Ainda assim, e mesmo tendo achado sempre que tomei a decisão certa ao querer mudar de vida, ao ter de contar às pessoas que estou outra vez em casa, conseguem fazer-me questionar - com exceção do último emprego, onde fui verdadeiramente feliz a fazer o que fazia, a verdade é que fui colecionando empregos de merda ao longo dos tempos e acabei sempre na mesma posição.

E agora estou aqui - mais desesperada e mais exigente do que nunca porque a última coisa que quero é voltar a ter um emprego que me obriga a procurar outro quando chego a casa desde o primeiro dia. Procuro uma estabilidade que às vezes acho que não é mais do que um oásis no meio do deserto, porque vivo na ilusão de que não preciso de me sentir miserável todos os dias para pagar as contas ao final do mês.

Os dias seguem lentos, as horas demoram-se no silêncio de um aparelhozinho de que pareço depender, e nada acontece além do aumento da angústia. E o engraçado é que nem se trata de eu estar a ser demasiado esquisitinha e não me candidatar mesmo a coisas de que não gosto tanto - a pouca oferta que tem havido é exatamente nas coisas de que eu gosto de fazer.

Só que, aparentemente, não estou à altura de nada.

domingo, 14 de março de 2021

a véspera, parte dois.

[só percebi ontem: despedi-me, voltei para casa e, de repente, não conseguia respirar.
há cinco anos, despedi-me da minha terceira avó com um abraço - eu, que nem gosto de abraços - e voltei para casa com um nó no peito. iria visitá-la a frança daí a pouco mais de três meses, e varria do pensamento todos os e se ela não tiver tanto tempo?, para me proteger e porque, friamente, eu não acreditava que ela estivesse assim tão mal. tínhamos acabado de descobrir - e era no rim, caramba! não basta tirar o rim? é possível viver só com um! - e depois de consultas adiadas, alguma negligência e uns quantos azares, resolveu voltar para o país que a acolheu por tantos anos. mais uma vez, agarrei-me à boia da certeza de que teria melhores cuidados de saúde. a saúde é que já era pouca - no caso dela, não era possível retirar o rim e, quando deram por isso, o cancro já tinha conquistado o território dos pulmões também. e, a umas horas do reencontro, o coração dela desistiu da vida.
só percebi ontem que é este o peso que carrego e que não me deixa dormir: o medo de estar a cometer o mesmo erro. de me estar a agarrar à esperança de que tudo vai ficar tudo bem, de que nem é assim tão mau porque afinal é possível operar e nem está espalhado. o medo irracional e exagerado de ontem, quando me despedi da minha avó com o aceno de longe que a pandemia permite, ter sido a última vez que a vi com vida.
amanhã é o dia da cirurgia mas, ironicamente, não é com o cancro que estou preocupada - é com o coração dela, que já teve melhores dias, que já bateu com mais vontade e hoje... hoje é isso que me está a deixar com tanto medo. tudo o que quero é que ele não desista também.]