sábado, 25 de maio de 2019

três anos depois.


[ninguém nos ensina na escola como se lida com a morte. não nos explicam o que fazemos quando as memórias se instalam e a saudade pesa no peito.
na última vez que a vi com vida, não era capaz de aceitar a sua morte como uma opção. não podia ser. era demasiado amada para que o cancro levasse a melhor. depois, levaram-na para França, e para longe de mim, na promessa de melhores cuidados de saúde. o meu até já mais doloroso. 
a maior mentira que tenho contado a mim mesma é que teria sido mais fácil se me pudesse ter despedido, se tivesse chegado a tempo. não seria, obviamente: como é que dizemos adeus a alguém que queríamos ter na nossa vida para sempre? como é que nos despedimos quando sabemos que uma parte de nós vai partir? 
as pessoas não nos são o que a árvore genealógica determina, são o que querem, como querem, na medida da posição que escolhem ter nas nossas vidas - ela era uma tia avó que me elegeu como neta mais velha no dia em que eu nasci. e, nos quase 21 anos em que coexistimos, não largou esse papel por um dia que fosse. a minha terceira avó, uma das minhas pessoas preferidas. a vida toda.
há precisamente 3 anos, estava numa ansiedade pouco contida: era o dia zero da contagem decrescente que tínhamos iniciado um mês antes. de viagem marcada e abraço mais do que pronto, nunca seria capaz de acreditar que o telefone iria tocar duas horas antes de as rodas da mala tocarem o chão atrás do meu passo ansioso. não podia ser verdade: eram só mais umas horas. há precisamente 3 anos, perdi a minha avó. deixou de ser suficiente atravessar a estrada, descalça, para encontrar o sorriso caloroso dela. acabaram-se as tardes inteiras a ouvir as mesmas histórias pela n-ésima vez, sempre com o mesmo deleite. esgotaram-se as chávenas de café, sempre cheias, que partilhacamos como se fosse uma coisa só nossa e o resto do mundo desconhecesse a sua existência. 
por muito tempo, não conseguia lidar com o facto de não me lembrar das últimas vezes. do momento em que me sentei no canto da mesa pela última vez, ou em que abri a gaveta para ir buscar uma colher. conhecia cada canto da casa como se lá tivesse vivido a vida toda, o que nem está tão longe assim da verdade: quando fecho os olhos, ainda consigo reescrever o cenário. ainda consigo sentir o cheiro da cozinha, e a posição exata dos pratos de decoração. ainda sinto que poderia preparar um café de olhos fechados.
a falta que me faz é proporcional ao amor que sempre lhe tive, e espero que, onde quer que esteja agora, saiba disso. que foi amada. e que nenhuma das vidas que ela cruzou ficou indiferente à sua partida.
há dias em que me esqueço de que não a vou voltar a ver. dias em penso nela como se estivesse viva e eu lhe pudesse contar alguma novidade, ou fazer perguntas pelo passado. se calhar, porque, dentro de mim, está mesmo viva.
talvez seja assim que se lida com a morte: deixando viver nos nossos corações.]

13 comentários:

Maria Teresa disse...

Aos 21 anos, já tinha um curriculum de 'partidas' nada invejável.Nessa altura, perdi as duas Mães que tive, em dois meses.Uns anos depois, a ordem natural inverteu-se e a dama da foice levou o meu primeiro tesouro... Depois dessa perda, que 30 anos depois ainda me dá a volta, disseram-me uma coisa que aceitei quase como mantra: um homem só morre quando morrer o último que dele guardar memórias.
Assim, os Avós maternos, a Mãe, o filho, os sogros, o irmão querido, 'conversam' comigo, lembro as maroteiras, anedotas, os maus momentos...Mantenho-os vivos dentro de mim. É assim que lido com a morte (uns dias melhor que outros, mas faz parte)

Mamã iogurte disse...

Abraço grande. <3

ernesto disse...

Maria Teresa, até hoje, só perdi ainda 3 pessoas importantes para mim, e espero que assim se mantenha pelo máximo de tempo possível. No caso, esta minha terceira avó, tanto pela proximidade que tínhamos desde sempre e, mais ainda, pela minha idade aquando da sua perda (nas outras duas mortes, eu era mais nova e acho que não tive tanta noção), foi a que senti mais e a que mais me tem custado ultrapassar.
Mas é mesmo essa a minha técnica: mantê-la bem viva no meu coração.

Mamã iogurte, obrigada! <3

helena disse...

Conheço bem, infelizmente, a dor da perda.

Deixo-lhe um abraço apertado.

Coisas da Andreia disse...

Um abraço apertadinho :)

disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

voltas?

Anónimo disse...

começo a achar que não vais voltar nunca e é como se uma parte da minha adolescência, uma das poucas que perdura, se fosse para sempre. ai diabo

Anónimo disse...

Olá Patrícia, não sei o que aconteceu, mas espero honestamente que esteja tudo bem contigo e um dia voltes, talvez o mundo nem mereça, mas as tuas palavras fazem muita falta. Sempre me inspiraste imenso. Muita força para lidar com a vida (mesmo que nada de mau se passe precisamos sempre dela). Um grande beijinho, uma anónima que cresceu contigo

Anónimo disse...

Querida Patricia,
Espero honestamente que esteja tudo bem contigo.
Um grande beijinho

ernesto disse...

Não sei se todos os comentários anónimos foram deixados pela mesma pessoa ou não, mas a resposta é idêntica: obrigada. É por isto que quero voltar :)

Anónimo disse...

Sabes I am dumb e como pensei tantas vezes se havia de comentar ou se ia parecer creepy, e como os comentários não tinham sido aprovados, pensei "porra não submeti". Daí o profundo e repetido assédio. Só no dia me lembrei que tinhas um insta, e fui lá espreitar. Desculpa se te sentiste pressionada de alguma forma. Espero, sinceramente, que te reencontres. É terrível sentirmos a falta de nós mesmos.

ernesto disse...

Esse post foi escrito exatamente na esperança de que, quem quer que fosses, visses que não estava a deixar os comentários pendentes por maldade. De forma alguma.

E não me senti pressionada :) na verdade, foi bom perceber que ainda há quem me queira ler. Mas sim, é precisamente isso: ando meio perdida e tenho umas saudades danadas de mim mesma.