quinta-feira, 29 de março de 2018

dois dois dois

Há, precisamente, duas semanas, tive duas entrevistas no mesmo dia, para a mesma área mas em empresas diferentes. Se isto, logo assim de repente, já me parecia espetacularmente improvável e me fez convencer de que uma daquelas oportunidades tinha obrigatoriamente de ser minha, a coinciência de calhar na data em que comemorava o segundo aniversário daquelas cambalhotas extraordinárias na lama, fez-me ter a certeza de que era o universo a ser bonzinho comigo e a tentar compensar-me pelos traumas absurdos que guardo com tanto carinho. Só que não.

A intenção foi muito boa, e o dia até que nem foi mau: está visto que três colheres de esperança ao pequeno almoço fazem muito bem. Apesar de tudo, levantei-me com aquela fézada de que voltaria para casa satisfeita e com aquela data traumática transformada em algo positivo. Não aconteceu, mas enquanto acreditei, até estive feliz. Quase não fiz, mentalmente, a reconstituição do mesmo dia do ano filho da puta (aka, 2016), apesar de ter comido praticamente o mesmo ao pequeno almoço. E de ter saído de casa (quase) à mesma hora. Quase que não.

Não me posso queixar: foram as duas entrevistas mais boa onda de sempre. Na primeira, fui surpreendida por uma parte da entrevista ter sido feita em francês - eu percebo quase tudo, mas não tenho um vocabulário tão alargado que me permita uma conversa fluente. Ainda assim, e apesar de terem deixado claro que eu não me enquadrava exatamente no perfil que desejavam, elogiaram-me a pronúncia francesa e a forma como me desenvencilhei. Gostei deles, gostei mesmo - e, apesar de me ter desencorajado um bocadinho ao início, aquele não foi uma bênção.

A segunda nem sequer foi bem uma entrevista. Era para ser, mas não me senti como tal - pela primeira vez, estava perfeitamente à vontade. Conversei com a entrevistadora, ri-me bastante quando ela me disse que eu tinha uma voz tão fofinha que lhe apetecia apertar-me as bochechas. Ouvi-a dizer-me que tinha gostado de mim enquanto candidata - que era uma das possíveis escolhidas ao lugar. O final dessa história, acho que é percetível - aparentemente, não fiquei com o lugar nem tive direito a uma resposta. Nem a voz fofinha me salvou da tortura de não ouvir sequer um não.

Para quê tudo isto? Porque achei importante transmitir-vos este ensinamento para o futuro: nunca confiem nas boas intenções do universo, naqueles dias em que ele finge conspirar a favor - é um truque para tentar enlouquecer-vos.

terça-feira, 27 de março de 2018

a saga das entrevistas: cinderela e as esperas intermináveis

Se há coisa que sempre me fez comichão, nos mais variados campos da minha vida, é a não-resposta. Aquela gente que nos deixa ali, eternamente à espera, pendurada entre um sim e um não; parte de nós já aceitou que é um não definitivo mas, na ausência de provas, o nosso coraçãozinho tosco ainda guarda aquela ténue esperança de um sim tardio. Que. Nunca. Chega.

Aceito que as empresas não respondam a tooooodos os candidatos a uma determinada vaga, mas acho desrespeitoso que nunca lhes cheguem a dar uma resposta depois de uma entrevista. Principalmente quando deixam claro que gostaram bastante da pessoa e que a conseguem facilmente imaginar a ocupar aquela vaga - irão ponderar e tomarão a decisão mais tarde. Por volta do século XXIV, presumo.

Ouvir um não é muito mais fácil do que ficar nesta incerteza - pelo menos, o assunto fica arrumado de uma só vez e ponto final. Agora, quando a pessoa encontra algo de que realmente gosta, com ótimas condições e, ainda por cima, a deixam com esperança de ser a candidata escolhida, torna-se muito mais difícil aceitar algo de que se goste menos, ou não goste de todo, enquanto ainda existe alguma possibilidade de atingir os objetivos.

É desesperante, que é. E dá muita vontade de rogar pragas aos empregadores, também.
Custa assim tanto ter um bocadinho mais de respeito pelas pessoas? Não me parece.

sexta-feira, 23 de março de 2018

sexta feira

A sorte nunca foi a minha mais fiel companheira, mas às vezes faço ouvidos moucos à razão, cruzo os dedos debaixo da mesa e tento convencer-me de que, desta vez, vai correr tudo bem. Ainda que seja (quase) sempre mentira.

Há quem diga que a sorte se constrói, mas eu não concordo inteiramente; aqui, meio ensonada mas totalmente lúcida, posso garantir que fiz o que pude, disse o que devia e, olhando para trás, não acho que devesse ter alterado uma vírgula do meu discurso - faltou-me, enfim, aquela pitada de sorte que faz toda a diferença na decisão final. O do costume, portanto.

Sabia que seria uma semana difícil, mas estou capaz de jurar que foi mais longa do que as outras. Talvez por quase não dormir, há uma semana, por sonhar repetidamente com um não, com uma porta fechada, com a angústia de saber que estive tão perto. E que falhei. Ou não falhei?

Uma vida inteira a achar-me insuficiente. A tentar fugir das resignações habituais, a tentar não me deixar entrar na onda do conformismo. A tentar ser quem quero ser, mais do que o que me dizem que posso. E a falhar, uma e outra vez. De todas as vezes que tento.

É um jogo: sins e nãos levam-te onde queres ir ou arrastam-te para os sítios de onde foges a sete pés. É um jogo que eu começo a ficar cansada de jogar - começo a perder as forças, começo a perder a vontade de voltar a lançar os dados.

Nunca consigo avançar.

quarta-feira, 21 de março de 2018

vamos atear fogueiras?

Ontem, ia escrever-vos que esta febre das greves é mais contagiosa do que o sarampo e, nos últimos tempos, parece que a moda pegou mesmo - contudo, e curiosamente, não são os que se esfolam a trabalhar pelo ordenado mínimo que fazem estas birras. 

Abortei a ideia quando precisei de recuperar do choque depois de, em conversa com uma conhecida, lhe ter dito isso mesmo e a criatura me ter respondido:

- quem ganha o ordenado mínimo não se queixa porque ele está sempre a aumentar, já vai quase nos 600€!

Wait... what?
Estaremos a insinuar que quase 600€ são suficientes para se viver decentemente e com dignidade? Talvez o sejam, para quem tem a vida feita e tudo pago. Ou para quem vive pendurada na carteira de alguém. Agora, tendo em conta que os quase 600€ são, na realidade, 580€, que os preços das rendas são uma atrocidade, juntando-lhe todas as outras despesas essenciais, como a água, a eletricidade, o gás, mantendo aquele vício absurdo de comer e, pior ainda, de tentar comer bem e não viver à base de pacotes de batatas fritas de marca branca, pelas minhas contas, o ordenado mínimo dá para viver confortavelmente numa gruta. 

Estou a exagerar, claro. Ginástica bem feita, o ordenado mínimo dá perfeitamente para pagar todas estas despesas, mas sem margem para qualquer imprevisto, doenças e afins, e estando psicologicamente preparado para contar cêntimos até ao próximo salário, para repetir: trabalhar para sobreviver até que se morra, basicamente. Parecer-vos-á uma perspetiva exagerada? Se calhar até é, mas a ideia de viver para mais do que trabalhar sempre me agradou bastante. Excentricismos.

Para piorar o quadro, o pior argumento que podem usar comigo: ah, mas eu sou licenciada e só ganho mais 250€ do que o ordenado mínimo. Sou novita, que sou, mas já vi muita coisa, e coleciono revoltas que julgo não terem cura; gostava muito, mas gostava mesmo, que ser-se licenciado, mestre, doutor, fosse sinónimo de ser-se realmente bom, de ser-se competente, trabalhador, responsável. Merecedor, enfim, de um grande salário que faça jus ao tanto que estudou para chegar ali - mas, já se sabe, na prática a coisa não é bem assim, é chegar-se ao posto sem se saber muito bem como e querer ser remunerado pelo lugar que ocupa independentemente da mediocridade com que atua.

Não me lixem. 
Façam o vosso trabalho, e não me venham dizer que é quase bem feito que quem não estudou tenha um trabalho duro onde lhe pagam uma miséria, só porque vocês são licenciados e não têm dinheiro para comprar um porsche. Se calhar escolheram mal o curso - em certos casos, para o que fazem, o que recebem já é demais. Mas isto sou eu, que conheço demasiados "profissionais".

quarta-feira, 14 de março de 2018

behind the scenes

Sei que fica mais bonito, e mais à blogger-a-sério, dizer-vos que me ausentei por uns dias porque estive num retiro espiritual a alinhar os chakras mas, vocês sabem, eu já nasci desalinhada e há pouco a fazer quanto a isso. Não escrevi porque não me apeteceu escrever - não me falham as ideias, mas falha-me a vontade.

Assumir que não estou na minha fase mais feliz fica mal na fotografia, mas eu prefiro as verdades cruas às pinturas agradáveis à vista, e eu nem entendo o porquê de ser quase tabu dizer-se que as nossas vidas não são, afinal, perfeitas, e que todos temos momentos filhos-da-puta.

Foi há quase um mês que entreguei a minha primeira carta de demissão - calma, que não vamos romantizar a cena nem verter uma lágrimita; já fazia parte dos meus planos mudar de emprego até ao verão para algo mais estável, só não contava (ter de) sair bruscamente e sem outros planos em vista. É bem provavél que escreva mais, pela vida fora, e, se isso significar que continuo a não me resignar, ótimo - mas, ah... e ter de voltar a bater novamente em trezentas mil portas que não se abrem nem com um pé de cabra? Disso ninguém fala.

O mais difícil para mim é a espera. Dias e dias, que se arrastam uns atrás dos outros sem nada a acrescentar, e uma existência morna que não condiz comigo, que tenho o peito sempre em ebulição, numa necessidade constante de mais e mais e mais. Preciso de fazer acontecer, para estar bem comigo mesma. Preciso de sentir que ter acordado naquele dia fez a diferença, para que ele valha a pena - e é isso que eu não suporto nesta cena de ser uma gata borralheira a tentar ser promovida. Dá-me cabo do juízo.

Sou pouco dada ao marasmo dos dias, e a esse sobreviver-se porque tem de ser, até que se possa realmente viver. Chateia-me. Eu não fui talhada para ser uma maria amélia, daquelas marias amélias que competem umas com as outras para decidirem qual delas é a detentora dos maiores, dos mais grandiosos, infortúnios. Estão a ver o perfil - aquele povinho infeliz que se contenta com a ideia de sentir que todos estão mais felizes do que ele. É exatamente o perfil em que não me encaixo - é que eu nasci com a mania de querer ser genuinamente feliz. Vá-se lá entender.

terça-feira, 6 de março de 2018

cinderela, a insuportável

Falei-vos, há uns tempos, da minha obsessão pelo meu peso - não vamos fingir que isso é algo positivo, porque não é. Atualmente, estou com o meu peso mais baixo em muitos anos, e continuo descontente - não faço ideia quando passei por este número na minha escalada para a obesidade mas, tendo em conta que tenho esta altura desde os meus 12, 13 anos e fui sempre gorda, diria que devia ter uns 10 ou 11 anos na última vez que a balança me indicou este valor. E não irei falar em números, para já. Um dia, lá chegaremos.

Contudo, este post não é sobre os meus problemas com o meu corpo - é mais um ataque de o rei vai nu, uma vez que ultimamente tenho lido e visto bastantes vídeos acerca do assunto, e deparei-me com outra realidade. Parece que, no extremo oposto dos padrões impostos pela sociedade, vive a brigada da aceitação. 

Espera lá... como assim? O quê?!

É que, enquanto de um lado do mundo vivem todos os que querem fazer passar a ideia de que nunca estaremos totalmente bem até nos conseguirmos enfiar numas calças 34 e conseguir continuar a respirar, do outro lado estão os que dizem que ninguém tem nada a ver com os corpos dos outros, que o importante é termos a capacidade de nos aceitarmos, que não faz mal se vestimos o 62 e precisamos de ocupar dois lugares no autocarro. E isto, meus caros, é absurdo.

Tudo bem, o corpo é vosso: tatuem uma pila na testa e perguntem-me se eu me importo. Agora, não me venham dizer que não há algo de errado convosco e que estão muito felizes com o vosso corpo quando têm de usar uma mão para levantar a barriga quando querem lavar a xaroca (adoro o termo, lidem com isso). Porque eu também vi isto: gente (muito) gorda a dizer que está feliz e bem resolvida com o corpo que tem. Ótimo, ainda bem! O único inconveniente é que, no caso de ninguém reparar, ser gordo, ser obeso, traz problemas bem maiores do que o drama estético da coisa.

Cinderela, sua falsa, pessoas fit também adoecem!
Claro que sim. E, imaginem só, também morrem! A questão aqui é que isto nunca deveria ser usado como argumento para não se fazer algo pela nossa saúde. Há gente gorda mais saudável do que gente magra? Há, sim! Eu fui uma delas, durante algum tempo: ao contrário de algumas colegas esqueléticas, estava tudo bem comigo. Ou, pelo menos, eu achava que estava, até ter ficado sem a vesícula aos 20 anos e ter, finalmente, percebido isto: estamos todos sujeitos a determinadas doenças, e ser magro não é sinónimo de nos tornarmos imunes, mas ser obeso há de sempre, sempre, trazer consequências a longo prazo. Para quê sujeitarmo-nos a isso? Não nos bastam as doenças que não nos dão opção de escolha? 

O mais aborrecido nos gordos é que as nossas desculpas são universais: ai, que até o ar me engorda, ai que não consigo emagrecer. Gente, eu disse isto durante anos a fio! Achava mesmo que tinha uma tendência natural para a engorda e que estes quilos não me saíam de cima por nada deste mundo. E sabem o que descobri também? Bem... era mentira. Eu é que não estava a tentar o suficiente; assim que os problemas de saúde me obrigaram a parar de comer tudo o que me apetecia, eu perdi peso sem dramas. Sem dietas loucas, sem batidos de repolho com beterraba, sem comprimidos mágicos. Na verdade, eu nem engordo assim com tanta facilidade - e, quando tento, quando me esforço, perco peso bem rápido.

Sou magra? Não. Ainda estou a meia dúzia de quilos do peso que quero porque, apesar de ter parado a dieta quando cheguei a um peso em que me sentia bem, há mais de um ano atrás, atualmente esse número já não me serve e eu preciso de perder mais. Ainda assim, toda esta experiência abriu-me os olhos: o importante é ter saúde, como diz a minha avó. E aceitarem-se, sim, mas não se acomodarem num peso que não vos faz felizes e que vos trará dissabores a longo prazo.