segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

planos para 2019

Há um ano atrás, e pela primeira vez na minha vida, fiz uma lista com as 12 coisas que eu queria realizar ao longo deste ano - e isto é o mais próximo que tenho de uma comédia trágica escrita pour moi-même. 

Não atingi a minha meta de peso, não ganhei a estabilidade profissional e financeira que queria, não corri tanto quanto seria de esperar - e portanto também ainda não foi desta que fiz a minha primeira prova -, não ultrapassei o trauma da condução, não voltei a ler um livro desde que saí da loja onde trabalhei, e a lista dos nãos continua. Posto isto, para 2019 eu resolvi criar uma lista muito mais realista, e altruísta, por forma a chegar a 2020 cheia de sonhos concretizados e com a certeza de que melhorei o mundo. 

Ora vamos lá:

Substituir as passas da passagem de ano por pepitas de chocolate.
Não sei quem teve a infeliz ideia de que as pessoas deveriam espetar 12 passas pela goela abaixo mal o ano começa, mas - excuse me - foi uma ideia de merda. Aliás, eu tenho para mim que, se não estou magra e esbelta, é precisamente por isto: eu nunca consigo pedir os meus desejos. Nunca! Mal meto a primeira passa na boca, já estou com vontade de cuspir o ano inteiro, e fica difícil. 
Então, a minha sugestão é trocar as passas por pepitas de chocolate - confesso que a minha primeira escolha foram os filipinos, mas aspirar 12 filipinos em menos de 1 minuto poderá ser difícil, até para mim, e ninguém quer começar o ano com alguém a fazer-lhe uma manobra de heimlich.

Iniciar um negócio de tráfico de celulite.
Poderá parecer-vos esquisito mas, tal como partilhei pela página, vi bastantes miúdas sem celulite durante este verão, e isso incomodou-me um bocadinho. Estamos numa era em que a igualdade é tudo: passa-se a ideia de que somos todos seres disformes, não há gordos nem magros, não há macho nem fêmea, nada. Portanto, parece-me injusto que haja gajas, tal como eu, com as coxas a parecer as estradas de portugal e outras convencidas de que a vida é só planícies sem uma única cratera.
Estou a planear desenvolver celulite injetável para aplicar, à socapa, em coxas virgens desta praga. Como é óbvio, irei sacrificar-me em prol do bem do mundo, e serei a primeira a doar a minha própria celulite. Isto vai render.

Registar um novo sexo.
Já tentaram criar uma conta online onde vos pediam para designar o sexo e, além do masculino e feminino surgia a categoria outro? É o mundo a preparar-se para a minha ideia.
Numa época em que se tornou ofensivo categorizar as pessoas por sexo tendo em conta a genitália que tem no momento, parece-me que está mais do que na altura de criar um terceiro sexo, que deverá ser globalizado, para que deixe de haver essa distinção ridícula. Ainda estou a tentar decidir os contornos estruturais da coisa mas, um pouco ainda a frio - e em primeiríssima mão - parece-me bastante bem a ideia de ter um pénis a pender do centro da vagina, sem os habituais e inúteis testículos - se não há macho nem fêmea, certamente não haverá reprodução portanto já lá não estão a fazer nada - para não perturbar. 
Em relação ao nome, vaginis parece-me a fusão perfeita. E o mundo será, certamente, um lugar melhor.

Criar piscas amovíveis.
Esta parece-me a mais fácil de compreender, e um gesto bastante altruísta, quase uma questão de voluntariado. A minha ideia é começar a distribuir os piscas amovíveis por todas aquelas pessoas carenciadas que não conseguiram comprar um carro que já os trouxesse de origem. 
Não julgo, como é óbvio: o ordenado mínimo é uma miséria, o preço do tabaco está pelas horas da morte e as pessoas têm de fazer escolhas. Nem toda a gente tem arcaboiço financeiro para comprar um carro com piscas e, mesmo os que os têm, preferem não usar para poupar a bateria. 
Para resolver esta situação, pretendo distribuir piscas a pilhas para todos.

Promover os amendoins a frutos secos.
Ah e tal, se queres ser fit tens de comer um punhado de frutos secos por dia. 'Tá bem, e como é que eu faço isso? Peço um empréstimo ao banco?
Parece-me um bocadinho injusto que o único "fruto seco" ao alcance do pobre nem sequer seja realmente um "fruto seco". É mesmo a gozar. Ou és rico ou morres obeso, pronto. E isso chateia-me.
Portanto, o meu plano para 2019 é que o amendoim seja legalizado. Perdão, promovido.

Investir todo o meu dinheiro em tendas rascas.
Pois é, meus amigos. Este objetivo é mais pessoal e menos comunitário, mas uma pessoa tem de fazer por si: como sabem, por todas as vezes que venho aqui exibir a minha indumentária do lidl, eu sou uma pessoa endinheirada. Não vale a pena estar cá com falsas modéstias porque somos todos adultos e conseguimos lidar com isto. 
Decidi que esta seria a fase ideal da minha vida para investir e, apesar de ter pensado na bolsa em primeiro lugar, achei muito mais inteligente comprar tendas para arrendar. Tendo em conta o preço das rendas atualmente, eu não tenho quaisquer dúvidas de que seja algo que valha a pena: as pessoas estão dispostas a pagar valores ridículos para viver em buracos. Quase 400€ por 16m2? Please.

Falando um pouco mais a longo prazo, tenciono investir o dinheiro que vou lucrar com o arrendamento das tendas para comprar um prédio a cair de podre e arrendar, novamente, apartamentos miseráveis ao preço de uma mansão de luxo no centro de NY, e aconselho toda a gente a fazer o mesmo porque é, sem sombra de dúvida, um negócio que vale muito a pena.

Ainda é um pouco cedo para falar, mas a minha ideia é incluir uma infestação de pulgas para que os donos de bichinhos não precisem de os levar sequer à rua para conseguirem ter sacos de pulga em casa - posteriormente, irei apostar numa empresa de desinfestação e arranjar um parceiro no campo da desparazitação dos bichos. 

Portanto, terei um ano cheio e com projetos para o futuro. Muito mais concretizável do que perder 4kg ou continuar a levantar-me uma hora mais cedo para ir correr com 2 ou 3ºC.
Alguém se lembra de mais algum projeto que valha a pena colocar em prática?

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

não matem o pinheirinho de natal

Eu não ia desabafar sobre isto, mas não aguento mais.

Todos os dias, todos os santos dias, uma pessoa leva com fotos do pinheiro natalício da casa alheia. Palavra de honra que, no instagram, há quem tenha já mais fotos da árvore de natal do que a malta que vai levantar ferro para o ginásio tem dos biberons de whey. 

E qual é o mal?
As cores.
Alguém precisa de pôr um travão nisto.

Passamos do pinheirinho verde para a variante do pinheirinho verde com restos de branco - tudo bem, até aqui. Se neva na sala destas pessoas, o problema certamente não será meu. Mas daí saltámos para o pinheiro albino, todo branco, ali num sofrimento que nem pode ver a luz, e uma pessoa nem sabe se aquilo é de nascença ou se ficou assim por passar um ano enfiado numa caixa empoeirada, algures nos confins da divisão da tralha.

Depois disto, foi sempre a piorar.
Já vi pinheiros roxos, cujo fundamento não consigo entender. E vermelhos, completamente vermelhos, como se viessem diretos de uma chacina para o canto da sala, fazer as delícias das crianças e dos felinos habitantes do lar, qual criminoso amador. Não se percebe.

E agora, vêm as prateadas. E as rose gold que, imagino, sejam a perdição de tudo quanto é influencer - p'lamor da santa, quem é que não quer ter uma árvore de natal que condiz com os pingarelhos das portas dos armários e com o relógio? Pffff.

Faz todo o sentido. 
Em breve, o pai natal começa a vestir chanel e a vir com sapatos de pele de rena, a distribuir códigos promocionais da prozis e a pedir para tirar selfies com todos os meninos, como o tio Marcelo. As renas são substituídas por unicórnios porque está na moda, e o trenó passa a ser dourado, cravado de glitter. E, no dia seguinte, o pai natal publica um vlog no youtube.

Estamos bem.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

not so happy days

[quantas vezes já quiseste parar de viver? não necessariamente morrer, mas parar de viver por um bocadinho - só um bocadinho - para recuperar o fôlego?

tenho pensado nisso todos os dias. no jeito que me dava se o mundo pudesse fazer uma pausa, parar de girar e deixar-me ir ali acertar com as ideias. ou então ficar só a olhar para ele, como quem estuda o mapa de uma cidade, e tentar encontrar os pontos chave para me descobrir. para perceber, finalmente, o que raio há de tão errado comigo.

eu já fui diferente: já chorei menos do que agora, já tive uma personalidade mais vincada, já soube, na ponta da língua, o que queria ser quando fosse grande. só que agora sou grande e não faço a mais pequena ideia do que caralho estou a fazer no mundo - tenho uma vida morna que me entedia e me enche de raiva. é tudo mais ou menos: não sou alta nem baixa, não sou gorda nem magra, não sou bonita nem feia, não sou inteligente nem burra, não tenho o cabelo liso nem ondulado. está tudo ali no meio, numa posição chata que me faz sentir um figurino, como se nunca tivesse realmente direito a um lugar no mundo.

gostava que fosse diferente. de fazer a diferença - e não gostávamos todos?
só que às vezes, não.

nunca te apetece mesmo parar de viver?
a mim apetece. hoje.

sinto a vida do avesso, toda a alegria feita em água que se me escapa por entre os dedos: começam a faltar-me as forças, começo as esgotar as reservas. é sempre mais ou menos assim: ou está tudo razoavelmente bem, ou está tudo muito mal. nunca há meios termos quando chega a hora de desmoronar o castelo de cartas que é a minha felicidade.

apetece-me chorar. 
chorar compulsivamente como a menina perdida que me sinto, e não como a mulher desorientada que, de facto, sou: o que queria mais, era saber porquê. entender onde erro, em que capítulo cometo o pecado final que me destrói sempre a vontade de viver. queria perceber o porquê de acabar sempre abandonada, de uma forma ou de outra. de a minha vida ser, toda ela partidas e chegadas, e nunca um porto seguro. um hotel. melhor: um prédio de habitação, onde os inquilinos se instalassem e vivessem por anos a fio. olhem - quem sabe? - até que a morte nos separasse.

era bom, e eu era mais feliz.
só que hoje não - hoje só quero chorar até amanhã.]

sábado, 17 de novembro de 2018

pequenos humanos a sair de grandes humanos

Ora bem, eu não sei quanto a vocês mas, neste momento, começo a perceber que o número de grávidas à minha volta é um tanto ou quanto suspeito, o que me leva a pensar que, das duas uma:

a) estão a ser pagas para dar um boost na taxa de natalidade;
b) é andaço, como diz a minha avó.

O caso é de tal maneira grave que quando, num dia desta semana, acordei cheia de vontade de vomitar (e, notem, sou um ser esquisito que não vomita há, pelo menos, 12 anos), não sabia se haveria de rezar um terço ou ir fazer um orçamento para ver quanto custa ter um bebé nos dias de hoje, para incluir na minha nota de suicídio.

Portanto, num universo de cinco grávidas, resolvi escolher a grávida-mor, aquela que já está mesmo prestes a explodir, para partilhar os meus anseios acerca do parto. Não, eu não sou muito popular, como poderão imaginar.

Está bem, ó cinderela, e para que queremos nós saber disso?

Não querem, mas eu preciso de desabafar porque estou em choque: a moça está prestes a expelir um ser humano pelas partes baixas, e não está nem aí para o facto de ir ficar com a punani laça e feita em frangalhos. Não: a única coisa que a preocupa é ficar internada, porque servem coelho naquela maternidade - ok, talvez isto também seja um bocadinho preocupante mas, caraças, o que é isso ao lado de ficar com as entranhas rasgadas?

Acho que tenho medo do parto desde muito antes de algum dia me ter apercebido de que, sendo fêmea e até tendo alguma vontade de ter um monstrinho de berço a chamar-me mãe, provavelmente vou passar por isso. E que passe, que é bom sinal, mas só daqui a uns anos. Assim tipo... quando me esquecer de tudo o que sei sobre o parto.

Às grávidas: boa sorte para isso! May your cria vir rápido ao mundo.
(e prometo não dizer se a tiver achado feia!)

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

estou a ficar menina

Há umas semanas, partilhei a minha frustração por ter constatado que o óleo de coco, aquela oitava maravilha do mundo, não tinha funcionado no meu cabelo. Eu bem tentei, mas senti que tinha ficado com uma esfregona velha e escorrida em cima da cabeça.

Foi então que duas meninas me vieram falar do cronograma capilar - eu sei, eu sei: às vezes também sinto que vivo numa gruta. Apesar de já ter ouvido falar, nunca tinha realmente ido ver o que era. What a shame.

Resumidamente, e porque eu quero mesmo acreditar que não fui a última a descobrir isto, nas palavras de uma leiga em cabelos: existem quatro tipos de cronograma capilar (saudáveis, descolorados, danificados ou muito danificados), e o que muda entre eles é a ordem e frequência em que se usa cada uma das três máscaras que o constituem - hidratação, nutrição e reconstrução.

E qual dos cronogramas é que estás a fazer, Cinderela?
Ora, eu faço o CC falidos, que é um CC não-oficial criado por mim porque, de momento, não dá para estar a gastar metade do meu ordenado em produtos para o cabelo e, apesar de não ser o mais aconselhável (que não me batam as meninas que sabem de cabelos), eu continuo a comprar as coisas no supermercado. E pior: ainda espero pelas promoções para comprar as máscaras que quero.

Isto tudo para dizer que a coisa funciona mesmo: ou o cabelo está mesmo fofo ou o efeito placebo é incrível.

Posto isto, se alguém andar aí desesperado para domar a crina, sem saber o que mais lhe fazer, e no caso de eu não ter sido mesmo a última leiga a descobrir isto, olhem, tentem. Pior não fica! (digo eu, que nem percebo nada disto)

terça-feira, 23 de outubro de 2018

fat is the new fit

Apetece-me falar sobre... gordas.

Este é aquele momento em que o povo começa a pirar ligeiramente, encarquilha os dedos dos pés e se prepara para agarrar o punhado de pedras que me vai atirar - mas sim, gordas. Apesar de hoje ser quase um dos pecados capitais chamar gorda a alguém... lembrem-se de que a gula também entra nesse mesmo grupo e, portanto, por esta altura já estamos todos com um lugarzinho reservado no inferno. 

Há dias, e por mero acaso, esbarrei numa plus size model, como verifiquei mais tarde, no instagram - não percebi bem se é ou foi blogger, se é mais uma das chamadas influencers, não sei. Comecei por ver os stories (descobri-a por estar a falar de um assunto que me suscitou interesse) e só depois fui ver o perfil propriamente dito, todo ele de fotos em lingerie. XXL. 

Cinderela, mas para quê tanta maldade nesse coração?
Não é maldade, gente. Mas acho que as coisas estão a avançar demasiado rapidamente, para o extremo oposto daquilo que, até então, tinham sido vistos como modelos, e nenhuma das duas posições é boa. 

Se, por um lado, não acho positivo ter como modelos mocitas que almoçam lenços de papel humedecidos para que continue a ser possível contarem-se-lhe todos os ossitos do corpo a olho nu, também não acho positivo ver como modelo alguém com os ossos soterrados numa espessa camada de gordura. Desculpem: qualquer uma das duas tem um problema, qualquer uma das duas está errada.

Quero esclarecer que não me faz qualquer tipo de diferença se as pessoas são gordas ou magras, se cabem num XS ou num XXL - isso não diz o quer que seja acerca da pessoa em questão. O que não me faz sentido é que estas pessoas se vejam como um modelo a seguir e queiram passar a imagem de que está tudo bem. Que são só plus size models e que o importante é aceitarem-se.

Vou-vos dar uma novidade: é importante aceitarem-se, sim, mas desde que vejam essa fase como algo transitório porque, a meu ver, cuidarem da vossa saúde deveria ser um ponto obrigatório na história do amor próprio. Não, não é porque têm 30kg a mais do que deveriam e continuam a gostar de vocês que devem manter-se tal qual estão e promover essa imagem como algo positivo. Não é. Por favor, entendam isto: não é.

Aquilo que eu imagino quando penso no conceito plus size é, basicamente, o que gosto de ver no corpo de uma mulher: curvas, sim. Coxas grossas qb, sem ocupar dois lugares no autocarro mas a notar-se que são duas coxas e não dois pauzitos ao alto a sustentar o resto do corpo. Curvas, enfim. Talvez o corpo a que as velhotas chamam "ser bem constituído", se assim o quiserem dizer - e isso, é bonito. E acredito que possa não ter quaisquer implicações na saúde da pessoa.

Agora, a miúda em quem me inspirei para escrever este post, é mais gorda do que eu era há 22kg atrás - e, relembro, eu era já considerada obesa. 

Vale o que vale: honestamente, EU não consigo achar o corpo da rapariga bonito. Não consigo, não acho, tal como repudiei o meu corpo durante anos a fio até um susto, no campo da saúde, me ter abanado e feito mudar. Que alguém ache, não acho estranho nem errado porque, afinal, temos todos gostos diferentes - agora, o que não entendo mesmo, é a aceitação, o conformismo. A quantidade de comentários que transpiram um "afinal nem faz mal eu ser gorda", porque há uma gordinha bonita - bah, também não acho a rapariga bonita, mas isso é relativo - que tem muitos seguidores nas redes sociais e que me faz sentir melhor sobre mim mesma - isto, eu acho assustador. E perigoso, até certo ponto.

Gostarem de vocês começa por cuidarem da vossa saúde: já o disse, já falei do quanto me assustei, aos 20 anos, e da forma como isso mudou a minha vida. Continuo a não ser exemplo para ninguém: adoro comer, tenho mais 4kg do que deveria e há dias em que me sinto novamente obesa. Mesmo que não esteja, mesmo que seja assim-assim, nem gorda nem magra - mas precisei de um susto para perceber que estava a matar-me aos bocadinhos. Não façam o mesmo, por favor. Amem-se, sim - e, por isso mesmo, cuidem-se. Estética nenhuma vale mais do que a vossa saúde.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

sextas que não sabem a sexta

É sexta feira, passa da minha hora de sair mas não me apetece ir para casa.
Este não era o outubro que eu esperava. Não era isto que estava nos meus planos. Culpa minha, talvez, e desse vício danado de idealizar e programar a vida a régua e esquadro - eu, que nunca gostei de seguir linhas traçadas -, de marcar datas no calendário como prémio de consolação para os dias infelizes de uma vida só levemente polvilhada com felicidade. Está tudo do avesso.

Sonhava com mudanças, com concretizações pessoais. Com projetos rabiscados num pedaço de papel sujo, passados a limpo e postos em prática - sonhava com a felicidade montada, pecinha a pecinha, até fazer sentido. Sonhava com pormenores e coisas ridículas que só fazem sentido na cabeça de quem se sente na eminência de ser ridiculamente feliz. Depois, tudo desapareceu.

É sexta feira, passa da minha hora de sair e o que me apetece mesmo é chorar.
Passei todos os sonhos para segundo plano e sinto-me a viver um pesadelo: nada bate certo, tudo corre mal, e o medo de perder, muito mais do que as coisas, mil vezes mais do que as coisas, as pessoas, pesa-me no peito e não me deixa respirar. Nada chega. É tudo pouco pano para tanta manga e a felicidade que eu esperava ficou soterrada, algures, nos escombros de tudo o que em mim parece ter desabado.

Estou cansada, exausta - não foi o furacão, foi a minha vida toda. Não foi sequer pelos bens materiais - foi pela dor, pela impotência, por não saber mais o que fazer para recuperar os pilares da minha vida. Por ser pequena, tão pequena, ínfima, insignificante. E por ter perdido muito mais do que se pode ver a olho nu.

É sexta feira, passa da minha hora de sair, e o que me apetece mesmo é chorar, mesmo que ninguém seja capaz de me ouvir. Mesmo que ninguém seja capaz de me entender. Chorar de dor, de angústia, de raiva e até - porque não? - de pena. 

Não foi este o outubro que eu pedi.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

quatro dias depois.

A vida retoma, lentamente, a normalidade. Minto. Talvez seja precoce pronunciar sequer a palavra normalidade - vai demorar muito até que se chegue sequer a um lugar perto. Mas, hoje, voltei ao trabalho e consigo, finalmente, assentar as ideias e escrever sobre isto: é um início. Comecemos, então.

Não sei se as pessoas ainda se lembram disso. 
Se ainda se fala do Leslie e da forma como mastigou tudo o que se lhe apareceu pelo caminho. Se alguém contou as mortes por queda do telhado, numa tentativa de o remendar, de minimizar os danos, ou os outros tantos que foram ter às urgências pelo mesmo motivo. Se se fala das lágrimas, do rasto de destruição, e de quem varre os cacos, olhando para os destroços de uma vida inteira, achando que vai morrer sem conseguir reconstruir o que perdeu. Se calhar não porque, a dada altura, martelar sempre no mesmo assunto é chato, cansa as pessoas, tal como, há um ano atrás, já ninguém podia ouvir falar mais do drama dos incêndios. É sempre (mais) fácil quando não nos bate à porta - mea culpa. Culpa de todos.

Os estragos são incontáveis.
Há casas parcialmente a céu aberto - das que estão só destelhadas, é ridículo falar. Nem vale a pena tentar contabilizar; e outras tantas a quem a fúria do vento rebentou portas, janelas, paredes: sim, paredes. Digo e repito a frase que anda de boca em boca: nunca tive tanto medo em toda a minha vida. Nunca. Em menos de nada, senti que vivia numa casa com paredes de papel, num castelo de cartas prestes a ruir. Tudo, absolutamente tudo, parecia demasiado frágil para fazer frente à besta que estava na rua. Depois, acalmou, saímos à rua e o pânico deu lugar às lágrimas: estava tudo destruído. 

Ficámos sem comunicações e é irrealista achar que nos devolverão o telefone e a internet brevemente. Os cabos estão todos no chão, há postes enormes partidos ao meio, e árvores apoiadas nas linhas. Dou-me por feliz por, apesar de tudo isto, nos terem devolvido a eletricidade - e agora é paciência. E tempo, muito tempo, que não há mãos a medir para concertar tudo, mas também não há milagres.

Quando consegui abrir o facebook, na segunda feira, à procura de notícias, dei-me com a publicação de uma blogger que, sinceramente, deixei de suportar há algum tempo, a gozar com a tempestade porque, afinal, se em Lisboa foi na boa e não se passou nada, então é porque não aconteceu - e uma apoiante da mesma (esta gente tem sempre apoiantes) a falar em histerismo à volta de meia dúzia de árvores caídas, como em todos os outros invernos.

Histerismo.
Convido-vos a passear pela zona centro e prometo-vos vista privilegiada para as árvores imponentes arrancadas pela raiz, ali, sem dó nem piedade. Outras tantas rachadas, partidas ao meio e, mais bizarro ainda, árvores com todo o ar de quem rodopiou com o vento, numa dança frenética que não aceitaram. 

Talvez possam também ajudar a encontrar o que voou e ninguém sabe muito bem onde está. Há portões em parte incerta, pedaços de portas, de janelas. Telhas então, é uma anedota: estão um pouco por toda a parte e é absolutamente aterrador perceber as distâncias a que se encontram do sítio onde, até ao passado sábado à noite, pertenciam.

E, se vierem, tragam vassouras. Pás. 
As ruas são lixo e as estradas estão perigosíssimas: há toda uma mistura de folhas com restos de telhas, vidros, parafusos vindos sabe deus de ontem, mais telhas de chapa. Ferros. Restos de casas, enfim: na minha zona, cada um fez a sua parte e tornámos a via transitável mas, infelizmente, nem em todas as zonas houve essa sensibilidade e circular na estrada é pisar terreno minado. Nunca sabemos ao certo onde vamos conquistar mais um bocadinho de prejuízo. Só mais um bocadinho para juntar a todo o resto.

Ontem à noite, a eletricidade voltou. 
72h mais tarde, quando os frigoríficos e as arcas já tinham desistido de nos conservar os mantimentos, alguém se lembrou de que poderia ser boa ideia devolver-nos a luz. Pelo menos isso. Foi uma pequena luz ao fundo do túnel, mesmo com tudo o resto que não há como recuperar. É, como já disse, um início. O início do recomeço, do dia zero das nossas vidas. E, então, recomecemos.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

sem título

[outubro, 
e eu sento-me aqui.

está frio, um frio gélido que - começo a desconfiar - vem de dentro para fora. só me aquecem as lágrimas que uma sensibilidade que repugno me faz deixar sair. eu não era assim. continha-as, guardava-as para mim, deixava-as pesarem-me no peito. agora já não suporto esse sufoco, mesmo que isto me faça gostar um bocadinho menos de mim.

está frio aqui mas não o suficiente para que se veja uma baforada de vapor de cada vez que expiro. estarei viva? estarei realmente aqui? -  nada está bem, nada está onde deveria estar: tiro as mãos dos bolsos e coro quando vejo as minhas unhas mal cortadas, os dedos rechonchudos. tudo em mim rechonchudo, toda eu numa batalha constante contra a balança que parece nunca ter fim. um descontentamento infinito, a noção dolorosa de que há um quê de ridículo em mim. pergunto-me muitas vezes mas como é que nem isto eu consigo fazer bem?, e sigo com a minha versão errada das coisas porque não sei ser de outra maneira. 

estou cansada, por estes dias.
pisei os meus sonhos sem querer, estilhacei-os debaixo dos pés - vivo por viver, de fim de semana em fim de semana, como quem fecha os olhos com muita força, nas montanhas russas, para não ver as descidas e depois os abre quando se sente em segurança. e repetimos. sempre. não pára. e faz menos sentido a cada nova volta porque, se insisto em fechar os olhos, continuo a perder metade da corrida. em nome de quê?

inspiro com força e sinto o ar a romper-me os pulmões - apetece-me ter a liberdade de chorar como na primeira vez em que inspirei, como aquele primeiro momento em que acordei para a vida sem fazer a mais pequena ideia, ainda, de que vivia. apetece-me poder gritar ao mundo que ainda não encontrei o meu lugar e que estou farta, tão farta, que às vezes só precisava de parar.

ficar, só.
sossegada.

não quero parar de viver, só fazer uma pausa neste carrocel louco, não ter de pensar, não ter de sentir para não me sentir a mais, para não me sentir insuficiente, sempre à espera de perder, sempre a tentar antecipar os próximos golpes da vida e a boicotar-me por acabar a ferir-me sozinha.]

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

adivinha do dia

Até aos 18 anos - que, só por acaso, acabaram por se converter em 19 porque, depois de mais de 16 anos a ver-me com frequência, ninguém me queria dar alta - as minhas idas ao dentista eram, na verdade, visitas ao serviço de estomatologia do hospital pediátrico. 

Portanto, depois de tanto tempo a ser torturada, a pessoa passou os últimos 4 anos a fugir o mais possível das cadeiras dos dentistas, indo só as vezes suficientes para não ficar com uma corrente de ar na boca, que isso é coisa feia de se ver.

Várias limpezas mais tarde, surge o drama: a primeira cárie. A primeira cárie a não ser tratada por um daqueles três médicos que me viram crescer, a primeira cárie tratada por alguém que, até então, só me fez limpezas livres de agulhas - a meu pedido - mas por quem estava mais do que avisada de que, para este tipo de desgraças, teria de ser com anestesia.
Passei o dia a tremer: já me fizeram trinta por uma linha mas, ainda assim, a pessoa estava a morrer de medo da anestesia porque, apesar de lidar muito bem com agulhas no geral, o mesmo não acontece com agulhas na boca. Manias.

A segurar o coraçãozito, já na cadeira, perguntei à dentista qual era a probabilidade de eu conseguir aguentar aquilo sem anestesia. Baixa, respondeu. Tenho duas ou três pessoas que não precisam mas, no geral, todos pedem.

Podemos conversar um bocadinho sobre o quão ridículo é eu ter mais medo da porra da anestesia do que do procedimento em si, mas a verdade é que resolvi arriscar: combinámos que eu levantaria a mão se não suportasse a dor e precisasse mesmo de anestesia. Ela ficou com a sensação de que eu era um bocadinho maluca, e eu fiquei com essa mesma certeza, mas tudo bem.

O engraçado é que... não doeu. O pouco desconforto que senti foi, em muito, inferior ao desconforto que teria sentido se me tivessem anestesiado metade da cara - acho que a dentista pensou que me estava a armar em valente, mas não estava, de todo. Mais: acabei por me aperceber de que nunca nesta vida levei anestesia para tratar uma cárie.

A questão que se levanta é... porquê? Para economizar, por ser um hospital público, ou porque realmente não há assim taaaaanta necessidade de anestesia para isto?

Há apostas?

terça-feira, 2 de outubro de 2018

terça feira

Acordei, como de costume como sempre que consigo dominar a lontra obesa que há em mim, uma hora mais cedo, para ir correr.

Dormi mal, passei a noite a acordar mas, ainda assim, a culpa não me permitiu a fazer orelhas moucas ao despertador e falhar ao treino longo da semana - notem que só escrevi isto para fazer bonito, porque o que é para mim um treino longo hoje, é 1/3 do que eu era capaz de correr há um ano atrás. [Note to self: sim, sua lontra, vais mesmo lamentar não ter tirado o cu da cama; tu gostas de correr, pá!]

Portanto, a pessoa está na rua, a arrastar-se, às sete e pouco da manhã, e dá de caras com um nascer do dia espetacular. De verdade. Só não tirei fotos porque isso é para gente que finge que corre e se dá ao luxo de parar para fotografar o percurso. Ou os pézitos. Mas estava bonito, que fique o registo, e a pessoa achou que só podia ser um bom augúrio.

Só que não. 
De regresso a casa, com a crina a pingar suor, pronta para ir de férias para as maldivas, durante duas semanas, para descansar do treino, o que é que esta amável criatura descobriu? Que não havia água quente por motivos misteriosos que ainda estão sob investigação. 

Ora, como infelizmente os meus pais me deram aquela educação chata que implica tomar banho e não chegar aos sítios - principalmente ao trabalho - a meter nojo, só me restava tomar banho de água fria gelada ou ligar para o trabalho a dizer que estou pior da unha encravada e não podia vir trabalhar. Optei por correr o risco de entrar em hipotermia, porque é sempre uma maneira mais animada de começar o dia.

Findo o banho, que me deixou gelada durante as duas horas seguintes e a desejar ter vindo de gola alta, acabo de me arranjar eeeet, voilá: chego ao carro em cima da hora. Não me bastasse isso, recebo uma chamada, relacionada com o trabalho, que me atrasa ainda mais.

Portanto, temos uma lontra enregelada, de mau humor, e em stress porque odeia chegar atrasada. Ou em cima da hora, que seja. Mas o que é que poderia piorar?

Exato. 
Só mesmo um papa reformas, que é a pior invenção que algum dia poderiam ter feito - se as pessoas não estão habilitadas para conduzir, não deveriam andar na estrada e ponto final. Qualquer dia, estes velhos também se lembram de fazer concorrência aos taxistas e criam a reformify: o seu meio de transporte com a máxima segurança a 20km/h.

Alguém precisa de explicar a estas pessoas que não precisam de andar no meio da estrada; já que vão devagar podiam, sei lá... deixar os carros a sério passar, não sei. Assim na loucura.

Não me bastasse todo este stress e ter esgotado o plafond mensal de pragas rogadas no segundo dia do mês, ainda apanhei novamente um susto, daqueles de verter um pinguinho de xixi, com um camião. Numa curva. 

Também acharia agradável alguém se lembrar de lhes explicar que, lá porque não se iriam magoar por aí além se engolissem um carro ligeiro, não significa que seja bonito andarem na estrada com a atitude de quem não se importa de levar tudo à frente. A sério. 

Eu gosto de viver. 
Obrigada.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

sexta feira

Foi há 8 anos. 
Apesar de não me lembrar do dia, sei que foi algures em setembro de 2010 que criei o meu primeiro blog, a poucos dias da grande reviravolta que marcou a minha adolescência. Aquela fase negra da minha vida em que me parecia impossível sobreviver e ser feliz, estão a ver?

Que ninguém me pergunte qual foi o propósito, porque também não o saberia explicar: gostava de escrever desde sempre, mas colocava os textos em itálico para fazer de conta de que não eram meus e o resto eram letras de músicas e imagens estúpidas. Tinha 15 anos e estava destroçada - acho que não se pode pedir melhor.

Com o tempo, encontrei-me. 
Descobri que escrever era a melhor forma de expor, de forma quase poética, tudo aquilo que eu não podia dizer.  Com mais ou menos jeito, tornou-se numa paixão, numa escapatória, na única coisa em que eu sentia que podia fazer a diferença. E continuei.

Há 7 anos, criei o Cinderela. 
Já quase o apaguei um milhão de vezes, já apaguei todas as publicações duas vezes, já passei os textos mais antigos para uma conta privada e já os devolvi ao antro: custa-me desfazer dos posts que contam a minha história, mesmo que nem sempre tenha sido de forma explícita, mesmo que existam muitas mensagens escondidas nos textos que só servem para eu me lembrar do porquê. E depois, comecei a abandoná-lo.

Escrevo-vos isto hoje porque ontem estive a reler posts antigos e fiquei com saudades da paixão com que escrevi, em tempos. Daquela vontade de me traduzir em palavras, de brincar com elas, de me sentir capaz - muitas coisas foram mudando ao longo do tempo, a minha vida mudou bastante, mas nunca consegui deixar de sentir saudades do meu blog. E de detestar um bocadinho o que lhe tenho feito nos últimos tempos: esta cinderela que só aqui publica textos longos e chatos, não sou eu. Pelo menos não a cinderela que eu quero ser.

Ontem tinha planos novos. 
Ia mudar bastante as coisas por aqui: contava iniciar, em breve, uma série de textos que iriam retratar uma nova fase, e que achei mesmo que poderia ser interessante. Ia voltar mais às origens - apesar de preferir mil vezes a interação e o feedback da página, o meu coraçãozito ainda está aqui, onde comecei, onde me descobri. Onde relatei dos momentos mais tristes aos mais felizes. 

E hoje?
Hoje acordei com vontade de apagar isto tudo e de fugir para uma gruta, longe da internet e da civilização. Ou "civilização". Estou farta, fartíssima, de gente que parece incapaz de encontrar a sua posição no mundo, que não aceita um não, que não percebe que impôr a sua presença nunca será o melhor caminho para que esta passe a ser desejada. Ou desejável.

Os últimos tempos têm sido um mar de stress que se tem refletido até a nível físico, e a última coisa de que eu preciso são de problemas relacionados com algo que apenas me deveria servir de escapatória. Hoje apetece-me apagar isto tudo e esquecer-me de que algum dia existiu - estou cansada de gentinha pequena e sem noção dos limites. 

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

aquele lado mais chato da cinderela

Hoje de manhã, tive medo.
Durante algumas horas, pensei que um dos meus poderia estar envolvido no fatídico acidente do IC8

Não estava: felizmente, posso respirar de alívio e dizer que está tudo bem, mas não o faço porque não está - esta manhã, seis pessoas morreram a caminho do trabalho. Talvez tenham sido muitas mais, mas não se fala de todos os acidentes, de todas as fatalidades, de todas as desgraças.

Talvez seja um absurdo julgar o acidente sem lhe conhecer os contornos mas, assim de repente, consigo imaginar que seja mais do mesmo: ultrapassagens mal calculadas, feitas quando não há visibilidade o suficiente para o fazer em segurança. O risco, enfim, que alguém decide correr e que, volta e meia, dá nisto: morrem todos, mesmo os inocentes. 

Pouco importa saber quem é o culpado porque, de qualquer maneira, seis pessoas perderam a vida e isso é lamentável. O que me custa nestas mortes é que podiam sempre não ter acontecido: não foi uma doença incurável, um vírus fatal, o filho da puta do cancro. Foi um acidente, um azar, um grupo de pessoas que estava no sítio errado à hora errada. E puf: esgota-se a vida, arrumam-se os sonhos, enterram-se as memórias. Acabou.

Deus, dir-me-ão uns. Destino, dir-me-ão outros. Inconsciência, direi eu mas baixinho, para não ser apedrejada: volto a dizer que poderá não ter sido nada disto que aconteceu hoje, mas esta situação fez-me pensar em todos aqueles mini ataques cardíacos que tenho (quem não tem?) quando alguém resolve ultrapassar numa curva. E quem diz uma curva, diz uma reta com boa visibilidade mas onde não há espaço para encostar à direita sem ultrapassar oito carros seguidos. A questão é: porquê? O sítio para onde vão é mais importante do que a vossa própria vida? Do que todas as vidas que colocam em risco de cada vez que fazem uma barbaridade destas?

Tenho medo, confesso.
Tenho medo todos os dias porque, apesar de não ser uma condutora exímia nem tão pouco achar que um trauma me faz melhor do que os outros ou que ter medo de tudo é, por si só, uma boa política, há demasiados acéfalos que, de alguma forma, conseguiram tirar a carta. Assusta-me ter de me preocupar com o que eu faço e com o que os outros fazem mas, mesmo assim, estar tão sujeita quanto os outros todos a, um dia destes, ser apanhada numa curva mesmo sem culpa alguma.

Hoje de manhã, tive medo durante algumas horas, mas passou - para outros, em especial para os mais próximos daquelas seis pessoas, hoje estará a ser, muito provavelmente, um dos piores dias que já viveram. E podia não ter sido assim.

Por isso, e muito embora não ache que faça grande diferença, quero pedir a quem anda na estrada que pense duas vezes antes de arriscar. Que pense nas vidas que pode mudar (ou arruinar!) com uma atitude imponderada.

Há sempre tempo para chegar, se estivermos vivos. 

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

vamos lá atear fogueiras mais uma vez

No domingo, perguntei(-me) se não há quem faça filhos com o único propósito de ter prioridade nas caixas dos supermercados. Isto, tal como quase tudo o que publico, foi escrito graças a alguma coisa que tinha acabado de me acontecer, porque a pessoa até pode ter imaginação mas aqui trabalhamos com a realidade.

O drama, o horror, a tragédia.
Se há coisa que eu adoro é a forma como as pessoas se preocupam com os direitos, mas nunca com os deveres. E muito menos em usar a cabeça e os olhitos para avaliar as situações e tentar perceber se, sei lá, se justifica ou não passar à frente.

Falo mais das grávidas/pessoas com crianças, por ser o que mais tenho visto. E o que mais me tira do sério também. Nunca estive grávida, mas não tenho a menor dúvida de que é um tanto ou quanto violento para o corpo da mulher. Porque é. E também não tenho quaisquer dúvidas de que, a dada altura, se torne realmente penoso estar em pé, à espera da vez para pagar um balde de gelado. Se for de doce de leite, ainda tem mais desculpa! Mas não... não somos todos Carolinas Patrocínios e não vamos todas estar a fazer agachamentos já em trabalho de parto mas... gravidez não é doença. Desculpem, mas não é - e se conseguiram encher um carrinho de compras sozinhas, certamente também conseguem aguentar cinco minutos até chegar a vossa vez.

Esta lei da prioridade devia ter vindo com alíneas, assim numa de explicar que, não, não faz assim tanto sentido armares-te em parva e passares à frente de toda a gente só porque acabaste de fazer um teste de gravidez e deu positivo. A prioridade é para ser usada, sim... quando precisas de facto dela. Fora isso, tudo o que consegues é contribuir para o aumento daqueles seres que fingem que não te estão a ver, mesmo que até estejas num estado em que se justifica deixarem-te passar. 

Entendo quando se trata de uma fila longa; caramba, até eu, que infelizmente desconfio que nasci com uma coluna em segunda mão e não consigo estar muito tempo parada, em pé, sem começar a ficar desesperada com dor de costas, tenho vontade de meter a mão na pança e ver se me perguntam se quero passar, mas não o faço. Agora, passarem à frente só porque sim, só porque podem, quando têm duas pessoas à frente com pouquíssimas coisas para pagar, desculpem, mas roça a estupidez.

Uma boa parte do problema começa no facto de a prioridade ser dada em todas as caixas, e as pessoas nunca se darem sequer ao trabalho de perguntar se podem passar. Às vezes, vou ao supermercado na minha hora de almoço, tenho os minutos contados para voltar a horas para o trabalho e, geralmente, isso significa que lá fui buscar algo muito específico e, portanto, tenho poucas coisas para pagar. Por que raio sou obrigada a deixar passar alguém com um carrinho de compras para o mês inteiro quando... eu tenho um ou dois artigos para passar e estou com pressa? Porquê, mesmo?

Isto já me aconteceu. Tudo isto, aliás.
Não há muito tempo, um casal lésbico tentou usar o facto de terem uma miúda, com uns três ou quatro anitos, num carrinho de bebé para me passarem à frente. Eu tinha, literalmente, duas coisas para pagar, no more, no less. A miúda estava calmíssima, uma delas já tinha pago e poderia simplesmente sair dali, mas nada impediu a outra de se dirigir a mim, quando eu era a próxima pessoa a pagar, e dizer "olhe, se não se importa...".

Se se estão a perguntar, a resposta é não, não deixei passar. Mas colocou as compras imediatamente atrás das minhas, e ainda se deu ao luxo de ir buscar mais umas quantas coisas, apesar de ter uma fila inteira a olhá-la de lado. Porque... porque podia. Não precisava, mas podia, e neste país é o vale tudo. Não é precisa noção, não é preciso respeito nem educação, e pouco importa se até havia ou não gente na fila com mais idade, que possivelmente precisava mais de passar. As leis são para ser interpretadas como convém, e raramente é quem mais precisa que usufrui delas.

Também já vi uma senhora começar a abanar um carrinho, onde a bebé dormia tranquilamente, enquanto dizia "não chores, não chores, já vais comer", para tentar passar(-me) à frente, ainda antes de isto ter virado coisa séria e lesgislada.

Como estas, tenho um sem número de histórias semelhantes, que têm em comum a estupidez alheia, e a falta de civismo e educação de que fui acusada, por ter escrito um post carregado de sarcasmo para evitar um texto mais longo, como este. Assim, levaram com os dois, e a culpa é da indignação da Luisínha.

Sinceramente, eu só gostava que as pessoas se preocupassem tanto com a prioridade na estrada quanto se preocupam nas filas dos supermercados. Haveria menos acidentes, com toda a certeza.
Brigada da prioridade: pensem nisso. Quando conseguirem um cérebro, vá.

terça-feira, 28 de agosto de 2018

1.5

[nunca comemorámos o somar dos meses à nossa conta. não te escrevi sequer para comemorar o nosso primeiro aniversário: em boa verdade, também não sei o porquê mas nunca o julguei necessário, nunca achei relevante, porque o que se soma, mais do que os dias, mais do que os meses, mais do que os anos, é o amor, a cumplicidade, e o desapego da palavra, cada vez menos essencial para que saibamos o que o outro quer dizer. 
há muita estrada para andar, mas às vezes olho para nós e parece que estamos juntos há uma vida inteira, que já tivemos tempo para aprendermos os cantos à casa e a melhor forma de nos encaixarmos um no outro. depois não. depois não te conheço a cem por cento, sei tudo e não sei de nada e, de repente, descobrimos uma paixão nova, uma paixão comum, e volta o fascínio daqueles primeiros tempos em que tudo era novo. caramba, como eu gosto de ti! sei que não sei tudo, e sei que tenho de ter uma paciência sábia o suficiente para aceitar que só (te) vou descobrindo com o passar dos anos, mas às vezes fico em pulgas para saber o que se segue. para saber mais, para te saber ainda melhor. para aprender tudo como se estivesse a estudar uma criatura fascinante. e não estou? 
és diferente - eu sei, é o que todos dizem, mas és mesmo. estava ainda bem lúcida quando o descobri, e são essas diferenças que me fazem gostar de ti, da pessoa que és. e até da pessoa em quem me transformaste, talvez: fizeste-me crescer. e, de uma forma geral, fizeste-me ser melhor também.
dizes que não vergo por nada deste mundo, mas eu ainda não fiz mais nada do que dar o braço a torcer desde que te conheço. ok, talvez não sempre - calma, que às vezes não se pode - mas muito mais vezes do que me parecia possível. 
gosto de ti. gosto de ti porque tens tanto de adulto responsável quanto de criança inocente, e fazes-me cair de amores por ti outra vez sempre que te ouço rir - talvez por não seres de riso fácil como eu, uma vendida às piadas banais, talvez porque és genuíno.
tu vais além de tudo o que poderia ter sonhado para mim porque, em momento algum, ousei sonhar tão alto. 
se há um ano e meio atrás me tivesses dito que hoje iríamos estar aqui, diria que era impossível. tive medo muitas vezes de que acabássemos por desistir por ser tão difícil, mas nunca teria sido capaz de te deixar ir. teria sido o maior erro da minha vida. 
sejamos sinceros: termo-nos apaixonado um pelo outro não deu jeito nenhum, não fica em conta, não é fácil, e andamos com algumas horas de sono em dívida: mas, meu amor, valeu cada segundo - e tem de ser amor, mesmo. 
definitivamente, só pode ser amor.]

terça-feira, 21 de agosto de 2018

a arte subtil de dizer não

É preciso falar-se mais da diferença entre impôr respeito e intimidar alguém - começar assim logo de pequeninos, nas criaturinhas da creche, a ver se a coisa lhes fica na cabeça e se um dia destes passamos a ter adultos capazes de conviver de forma mais... saudável, vá.

Escrevo-vos por estar zangada comigo mesma, e também é preciso assumir as falhas e torná-las num exemplo a não seguir. Estou furiosa por não ter sabido dizer não... por medo. 

Só isso: medo.
Medo de consequências que nunca poderiam (ou deveriam) existir, dado eu estar a recusar algo ao qual não sou obrigada e que me deixa extremamente desconfortável, e essa minha falha não me sai da cabeça. Se eu não quero fazer algo e, só por acaso, não faz qualquer tipo de sentido tentarem obrigar-me... porque é que o vou fazer?

Nunca fui esta pessoa. Nunca a quis ser.
Ganhei uma sensibilidade que repudio um bocadinho, e não sei se me tornei adulta ou só conas - qualquer uma destas realidades me deixa desapontada comigo mesma, e a perguntar-me por que raio atualizei para esta versão sem querer. Já terei dito vezes suficientes que me quero esbofetear?

Então, aqui estamos nós: not-so-wild cinderela, contrariada desta vida, a ter de fazer algo que não quer, porque teve medo de puxar aquele não lá do fundo. E olhem que era um não singelo, apesar de verdadeiro, sem trazer aquele "vai p'ró caralho" em anexo, por mais que a vontade fosse grande e os motivos não faltassem, mas a pessoa até é bem educada e tem umas noções de respeito pelo próximo.

Serve isto para que não me esqueça de todos os nãos que quero - e tenho de! - dizer nas próximas semanas, e para vos dar uma forcinha extra naquele não - ou no "cai p'ró caralho" - que têm entalado na goela.

Por aqui, planeio amanhã contrastar umas trombas cerradas com o meu vestido amarelo - a outra pessoa já ganhou, de qualquer forma: vai ter-me, contra a minha vontade, a fazer o que ela quer, mas pelo menos não vai levar o meu melhor sorriso, só naquela de não a deixar acreditar que não me importo.

Importo, sim.
E vou (re)aprender a dizer não a tudo quanto não me agrade.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

as madres teresa de calcutá e a extinção aparente do bullying

Há uns dias - há mais do que me orgulho, mas o tempo não estica - encontrei um vídeo no facebook que me tocou particularmente. Mais do que pelo assunto em si, que me diz muito, foi a forma como o encontrei.

Imagino que a maior parte de vocês não o saiba, mas esta pessoa veio com um defeito de origem, curiosamente, o mesmo do miúdo: lábio leporino.

Vá, vão lá procurar imagens hediondas, eu espero aqui.
...
...
...
...

Já está? Boa.
É uma malformação congénita. Saltando 23 anos desde a primeira cirurgia, saltando a correção necessária nos dentes que se lembraram de fazer um ângulo de 90º, em termos práticos, e no meu caso, hoje em dia é uma cicatriz que vai do lábio ao nariz e não me incomoda minimamente. Nunca incomodou. Mas também é um nariz que nunca teve a sorte de se conseguir fazer simétrico, porque lá calhou faltar-lhe a base. Coisas da vida, acontece aos melhores. É só um bocado fodido quando tens 10 anos e não percebes porque é que gozam contigo se nunca fizeste nada para estares naquela situação.

Ou aos 12.
16.
18.

Foi isso que me chateou mais: aquele vídeo foi partilhado por alguém que, em tempos, gozava comigo. Depois a pessoa lê os comentários, e é tudo amor e paz, e ai coitadinho que não tem culpa, é um menino como os outros. Certo, mas onde andaram estes bons samaritanos em todos os anos que eu sofri com isto?

É bonito, que é, verem o vídeo de alguém que está a sofrer com isto e saltar-vos a lagrimita ao olho, mas o que vinha mesmo, mesmo, a calhar era, sei lá, pensarem duas vezes antes de se rirem de alguém que está numa situação que não pode mudar. Tipo esta - só nascendo outra vez e, mesmo assim, teimosa como sou, acho que voltava a vir defeituosa só por causa das tosses.

Se hoje falo disto a brincar, há uns anos eu sentia-o como uma condenação, a garantia de que nunca poderia ter uma vida normal porque, por mais que isto não seja minimamente incapacitante, era sempre o elefante no meio da cara, motivo de risinhos mal disfarçados, ou nada disfarçados por pura maldade, motivo para me gozarem porque tinha o nariz torto, porque era feia e o seria sempre. Porque nunca ninguém iria olhar para mim, nunca teria o direito de ser amada porque - c'mon - quem é que iria querer ser visto e, pior, apresentar uma miúda anormal como sendo a namorada?

Ouvi isto muitas vezes. Acreditei em todas elas.
Houve uma fase da minha vida em que almoçava às escondidas na biblioteca, para garantir que me cruzava com o menor número possível de pessoas. Tornei-me num bichinho do mato porque me era impossível confiar em quem quer que fosse - poucos, pouquíssimos, foram os que conseguiram entrar na minha vida, e não era por eu não querer. Não conseguia.

Sentia uma necessidade absurda de ter atenção, especialmente do sexo masculino. Entendo agora o quão deprimente era o facto de qualquer olhar na minha direção já fazer acelerar este coraçãozito despedaçado - queria, por força, que alguém me visse do outro lado, que me provassem que estavam todos enganados, que eu estava enganada, que havia algo de especial em mim, uma diferença boa. Mais do que uma malformação que me calhou na rifa. Mais do que tudo. Em parte, chego a sentir-me ridícula só por me lembrar.

Também demorei anos a conseguir sair à rua maquilhada, por mais que fosse só aquele risco preto na linha de água, que se usava naquela altura em que as miúdas de 12 anos ainda eram inocentes, saíam à rua de cu tapado e não se maquilhavam como se fossem a um casamento todos os dias. Eu era incapaz de ser vista com alguma coisa que me aproximasse daquela que seria a normalidade de uma miúda da minha idade, porque tinha medo de que pudessem pensar que eu me achava minimamente bonita. Foram muitos anos a querer deixar claro que eu me sentia tão anormal, tão feia, tão inútil, quanto davam a entender que eu era. E foram muitos anos a acreditar nisto também - embora, confesso, nunca me tenha passado na totalidade.

Este não é um post triste, porque eu já não sou esta miúda infeliz que se sentia presa a um corpo que odiava - cresci, entretanto. A minha vida mudou, a maioria das pessoas à minha volta já não tem uma idade mental de cinco anos, e os comentários maldosos já são cada vez menos - mas, posso garantir-vos, sofri p'ra caralho durante anos a fio. E sim, deixa marcas profundas, difíceis de apagar. 

Considerem-no um... abre olhos. Acredito que é preciso falar-se sobre as coisas, mostrar-se o backstage daquela miúda que faz de conta de que nada a afeta enquanto sente que não está a fazer nada viva, porque eu fui essa pessoa e eu tenho quase a certeza de que todos nós conhecemos, pelo menos, uma. Talvez, se tivessem visto o vídeo há uns anos atrás me tivessem torturado menos. Ou talvez tivessem tido a mesma reação ao vídeo, mas continuassem sem entender que esta gorda anormal também é de carne e osso, e estava a passar pelo mesmo que aquele outro miúdo que levou o povinho às lágrimas.

Querem rir-se? Riam-se das escolhas. Não se riam das coisas que não estão ao nosso alcance mudar.

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

comi massa, vou para o inferno?

Comecemos pelo início: eu adoro comer. Dêem-me arroz com feijão preto e vão conhecer o rosto do prazer. Relembrem-me de que o meu aniversário foi, praticamente, há um mês e ainda não fiz mousse de oreo este ano, e saberão o que é fazer alguém feliz. Estendam-me um pacote de filipinos brancos e vejam-no a ser devorado em três nanossegundos. Só fica o plástico.
Eu adoro comer mas tenho uma relação cada vez mais difícil com a comida, e a culpa é desta era estranha em que, de repente, somos todos nutricionistas e estamos todos aptos para dizer aos outros o que podem ou não comer. Há uns anos o drama era não se ter comida... hoje é mais o ser quase um pecado comer. É estranho. É difícil. Não me faz sentido.

Há mais de dois anos que procuro uma alimentação equilibrada - e, quando digo equilibrada, é equilibrada mesmo, com direito a tudo sem culpas nem retrocessos, sem a obsessão pelo estritamente saudável nem o descontrolo absoluto. Só isso: equilíbrio, sem aspirar tornar-me numa deusa fit, sem propensão a voltar à obesidade. Mas tem sido difícil, especialmente controlar a culpa.

O problema começa no preço das coisas. Fica difícil comer bem quando uma pessoa quase tem de pedir um empréstimo se quiser comer frutos secos diariamente, e encontra pacotes de bolachas, com doses cavalares de açúcar, ao preço da chuva. É de propósito, diria eu. Quase que uma adaptação da seleção natural: se fores rico, sobrevives, se fores pobre, morres num poço de banha. Tudo para que não chegues à idade da reforma.

Depois, entram as dietas. As milagrosas, as restritivas, as come-que-nem-um-porco-e-emagrece, as come-uma-maçã-por-dia-e-conta-os-ossinhos-do-teu-corpo-um-a-um. Entram as influencers a aconselhar suminhos detox que, além de terem doses absurdas de açúcar, não existe qualquer evidência científica de que tragam, de facto, algo de positivo ao organismo. Entram as comidas abençoadas da prozis, que tudo quanto é influencer tem um código promocional. Barritas energéticas com sabor a oreo? Aposto que são saudáveis. Nada processadas. Na-da. Depois dizem evita os enchidos, come fiambre magro, é saudável!, e saltam vinte e sete paleos para o caminho a dizer fiambre não é paleo! enche o bandulho de presunto e chouriço!. 

Agora, o típico come várias vezes ao dia, sempre pouquinho de cada vez já não faz sentido. Não. Agora é atestar o bucho e só voltar a comer quando se chegar à reserva. Não tenho nada contra, atenção: adicionaram-me a um grupo de paleo e, apesar de não ter achado grande piada ao facto de parecerem um rebanho, até achei bastante interessante o conceito, nada difícil de seguir. Mas sem extremismos, pelo amor de deus.

Comer hidratos parece pecado. Ingerir alimentos com glúten vai, muito provavelmente, ser o princípio do holocausto. Quem bebe leite de vaca deveria ser exorcizado na hora - até porque é do conhecimento geral que, para evitar alimentos processados, devemos começar sempre por passar a beber leites vegetais. Não há nada mais natural do que leite de arroz, por exemplo.

Do outro lado do mundo, ficam os outros. Os que se cansaram de tentar virar fit, e então contentam-se em dizer ao mundo que não há nada de errado em ser-se obeso, desde que aceitem o corpo que têm. E o que mais me preocupa é ver isto acontecer, lá está, nos ditos influencers, em pessoas que são ouvidas por milhares de outras pessoas que, muitas vezes, não sabem filtrar o que se lhes é dito. E chateia, que chateia.

Se és obeso, tens um problema.
Se és demasiado magro, também tens um problema.
Se vives obcecado com a comida, com o que podes ou não comer sem ir para o inferno, tens um problema mais grave ainda.
Se, pior do que tudo isto, achas que tens uma palavra a dizer sobre a alimentação dos outros, a não ser que sejas nutricionista e queiras realmente ajudar, cala-te. Por favor, cala-te.

É difícil perceber o que é certo e errado, é difícil saber o que se pode ou não comer - mas, acima de tudo, começa a ser bem difícil equilibrar os pratos da balança e não nos tornarmos reféns de tudo o que se diz por aí que deve ou não estar nos nossos pratos.

E eu que só queria comer com gosto, e sem pesos na consciência.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

um pedido de ajuda sincero

Por mais que me custe dar o braço a torcer e assumir que preciso de ajuda, há alturas nas nossas vidas que não podemos aguentar tudo sozinhos. Em que precisamos de alguém que esteja lá para nos apoiar, que nos diga que somos capazes. Que nos convença, enfim, de que vai dar tudo certo.

É-me difícil escrever-vos estas palavras, mas preciso do vosso apoio.
Para vos contextualizar, preciso que saibam disto: eu nunca tive uma relação fácil com os pêlos. Especialmente se estivermos a falar do buço, posso ter uma simples penugem esquisita e já estou aqui a ponderar comprar um acordeão e fugir em digressão com o quim barreiros. 

O meu problema é que nunca consegui encontrar um método completamente satisfatório para os exterminar - e aqui já estamos a falar das pernas, calma. Eu sei, eu sei, é uma história triste: a cera chateia-me ter de esperar, com gilete pareço uma adolescente a querer chamar a atenção (ouch), e a laser... bem, a laser está fora de hipótese porque a pessoa é pobre, forreta e tem mais onde gastar o dinheiro.

Posto isto, há uns anos - sim, ANOS! - comprei uma debulhadora. Perdão: uma depiladora. Não, não comprei uma Cátia Márina cá para casa, arranjei foi um daqueles aparelhinhos do demónio, munidos de uma série de pinças, que poderiam muito bem ser objetos de tortura. E então? Nunca a consegui usar.

Minto. Graças a deus, para rentabilizar a coisa, a máquina até trazia uma cabeça de corte que eu fui usando já que, na primeira vez que lhe meti a cabeça das pinças, a que arranca pelinho a pelinho, encostei-a, sem querer, ao tapete da sala e, quando vi o que ela lhe fez, fiquei com medo.

Em boa verdade, eu fico a suar do buço só de ouvir a dita cuja a funcionar, que juro-vos que aquilo parece um berbequim. 

E qual é que é o teu problema agora, ó Cinderela?

O meu problema é que cheguei a um ponto da minha vida em que resolvi que, das duas uma, ou aquilo começa a funcionar nos meus presuntos e eu deixo de me automutilar a toda a hora, ou vou ter que ser a criadora do movimento #legalizepêlosatéaochão, e ninguém vai querer isso. Eu não quero andar por aí de patinhas cobertas, vocês não querem que eu ande de patinhas cobertas que nem um pónei gordo e peludo.

Sintam-se então à vontade para me motivar. Contem-me aquelas histórias de como essas máquinas arrancaram um bife da perna à vossa prima, e deu para fazer um almoço de família. Ou sobre como se anestesiam para usar uma cena destas. Sei lá. 

Dêem-me amor, pronto.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

insólitos

Portanto, esta pessoa, esta amável criatura, saiu do trabalho danada da vida, quase uma hora mais tarde, porque há gentes neste mundo a quem deus nosso senhor se esqueceu de atribuir um cérebro e, infelizmente, a pessoa parece atrair tais seres.

Chego ao carro, a conversar com o monsieur, ao telemóvel, numa tentativa de salvar o meu humor de cão, e apercebo-me de que um ancião se tinha levantado do banquinho onde estava a conversar com outras duas velhotas, e se aproximava do meu carro.

E então, Cinderela? Veio dizer olá? Veio elogiar o outfit? Veio dizer-te que és uma retardada simpática e que acha bonito que digas boa tarde a toda a gente?

Não.

Veio resmungar.
Ao fim de mais de dois meses a estacionar o carro no mesmo sítio todos os dias, descubro que ando a causar raivinha dos dentes nos moradores porque estavam habituados a estacionar o carro no mesmo sítio há mais de 40 anos (presumo que o carro de mão, o carro de bois, o carro de linhas...). Dizia-me o senhor que as pessoas queriam ali estacionar o carro e não podiam. Expliquei-lhe amavelmente que eu também sou uma pessoa, mas não estou certa de que tenha compreendido. 

Pediu-me que o deixasse noutro sítio. Olhei melhor: não, continua a não ser estacionamento proibido. Continua a não ser estacionamento reservado e, até onde sei, o usucapião ainda não funciona com as ruas, portanto continuo a ter tanto direito de ali estacionar o carro quanto as pobres almas que ali deixam as viaturas há mais de 40 anos.

Amanhã certifico-me de que faço um estacionamento à patrão e ninguém mais lá consegue deixar o carro, só por causa das tosses.

quinta-feira, 12 de julho de 2018

bofetadas da vida

Há uns meses, desempregada e com os senhores do iefp pelos cabelos, resmunguei com aquelas reuniões super úteis onde eu era convidada a estar, sob pena de me anularem a inscrição, com uma periodicidade absurda. Fiquei rabugenta com uma em especial, que serviu para dizerem ao povo que era importante termos um currículo se queríamos encontrar emprego. Então, mas isso não é óbvio?

Agora estou do outro lado: a empresa onde trabalho está a recrutar funcionários e eu fiquei incumbida de colocar o anúncio e de fazer a triagem dos candidatos - avaliar, enfim, se tem mais de dois neurónios a funcionar. 

Portanto, ontem recebi uma chamada de um senhor a pedir mais informações e a perguntar quando seria a entrevista - pára tudo! calma lá que somos à moda antiga, não há cá essa de saltar passos. Pedi-lhe que me enviasse o currículo primeiro, e depois de o apresentar aos patrões marcaríamos a entrevista.

- currículo? não tenho nada disso, nunca na minha vida precisei de tal coisa.
- então, mas se o senhor anda à procura de trabalho, o cv é essencial. é quase o seu bilhete de identidade.
- ahhhh... pois, mas nunca fiz. olhe que, se o fizesse, seria muito preenchido!



E a lição do dia é: afinal, não é óbvio para toda a gente, e talvez aquelas reuniões não fossem assim tão inúteis.

sexta-feira, 6 de julho de 2018

someone, somewhere.

Hoje acordei a pensar em ti.
Não foi por acaso, e eu sei que não; são artimanhas da memória, que volta e meia decide desemperrar gavetas que julgámos que nunca mais abriríamos. E não a abri, mas hoje lembrei-me de ti.

Apercebi-me de que, ironicamente, de todos os que ameaçaram fugir da minha vida, foste a única pessoa por quem eu nunca mexi um músculo para tentar demover - e é irónico, por seres quem mais me custou ver ir, quem mais falta me fez, mas a raiva cega-nos e foi mais do que o suficiente para calar toda e qualquer vontade de remendar as coisas. Possivelmente, por não haver remendo que concerte a confiança ferida, por a única saída ser o perdão absoluto das coisas.

Depois de ti, o meu mundo começou a desabar aos bocadinhos - e não foi só por te ter perdido. Foi tudo ao mesmo tempo, parecia que estava a ser bombardeada por todos os lados e que estava ali, perdida no meio da fumarada de uma guerra que eu nunca percebi como se instalou. É possível que tenha desejado que aparecesses para me ajudar a sair dali, mas já não o posso garantir - uma parte de mim, estava a desistir da vida. A outra parte, começou a tatear à toa e a tentar fugir.

Muitas asneiras e uns quantos tropeções mais tarde, consegui restabelecer-me. Devagarinho, fui-me reconstruindo, criando memórias felizes, reconquistando essa vontade de viver que andou por parte incerta durante um tempo indeterminado. Estou grata por isso, mesmo que não o entendas: acredito que tivesse sido tudo muito mais fácil de aguentar se te tivesse tido ao meu lado, mas não me teria obrigado a crescer tanto. Talvez fosse demasiado dependente. Talvez não tivesse sido ainda obrigada a caminhar pelo meu próprio pé, sem precisar do amparo constante e de uma mão amiga a guiar-me os passos - agora sei como é estar no fundo, sozinha, e voltar. Sozinha. 

Anos mais tarde, apercebo-me de que a raiva inicial se dissipou por completo, que o tempo teve o condão de apagar as memórias más e deixar intactas as boas. Volta e meia, dou por mim a rir-me com coisas que me lembram de ti, e que já não vou partilhar contigo, mas deixou de doer. Guardo-te num sítio bom.

Hoje acordei a pensar em ti, pelo dia que é. Pelo que, há uns anos, representaria - e fez-me sorrir. Que estejas bem, que estejas feliz - eu também estou.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

aviso

Este pobre blog está em obras e, dada a minha falta de tempo e de paciência, estas poderão ser obras de santa engrácia, pelo que se pede paciência aos (poucos) leitores deste antro abandonado. Cenas esquisitas poderão acontecer por aqui nos próximos tempos até que eu atine e descubra como o quero deixar.

cinderela ensina #1 - o verniz

Sendo eu uma referência para todos vocês no que à moda e beleza diz respeito, não faz qualquer tipo de sentido não vos transmitir os meus vastos conhecimentos nesta área. 
Para primeiro tutorial, achei que poderíamos começar pelas unhas, essenciais na arte de catar piolhos, coçar picadas de mosquito até fazer ferida, apanhar agulhas do chão, espremer borbulhas, and so on. Que ninguém duvide de que as unhas de uma mulher são um autêntico canivete suiço, e merecem ser mimadas como tal.

Se algum destes passos falhar, não quero que se sintam frustradas. Lembrem-se de que demorei muitos anos a aperfeiçoar a técnica até chegar ao que hoje vos ensino.
Vamos começar!

1º passo
A escolha. 

Deixo com vocês: há toda uma panóplia de vernizes à escolha, com os mais variados preços. Compreendo que gente pelintra possa optar por algo mais acessível, mas eu não abdico dos meus ricos cien, como pessoa endinheirada que sou. Nem todos temos tantas posses; deixo com vocês!


2º passo
A preparação.

Escolhido o verniz, está na hora de relaxar e alinhar os chakras. Nunca inicio este processo sem ter, no mínimo, três semanas livres pela frente, para poder fazer isto com calma. O meu conselho é meditar, pelo menos, meia hora.
Às vezes tento fazer um bocadinho de yoga também. Ando a tentar treinar-me para entrançar o cabelo com os pés, enquanto espero que o verniz das mãos seque.

3º passo
O ataque.

Começa sempre com o grito do ipiranga, por nenhum motivo em particular. Nesta fase, vocês têm de se sentir seguras da borrada que estão prestes a fazer. Vão com tudo, migas!
*inserir uma espécie de palminhas com os dedos, voz estridente e sorriso retardado*
Peguem no pincel que quiserem. Pessoalmente, prefiro aqueles que cobrem toda a unha - ou toda a mão mesmo - numa só passagem, mas ninguém é obrigada a ter uma trincha em casa! Uma dica super importante e que revolucionou por completo a minha vida é esta: não se preocupem em pintar dentro das linhas. A escola primária já lá vai, e essa competição ridícula também: usem e abusem. Até porque o verniz sai muito bem da pele, quaisquer 3 mesitos devem chegar.

4º passo
A seca.

Este é o ponto crucial. A seca do verniz e a seca que vocês apanham.
O conselho da tia Cinderela é que se coloquem naquela posição de cãozinho a pedir festas na barriga, dedos alargados como se fossem um pato e tivessem uma membrana interdigital a separá-los, e muita fé nessa hora. Se possível, fiquem assim por três horas, mais coisa menos coisa. Talvez seja o suficiente.

5º passo
A desgraça.

Eu sei, vocês sabem, todos nós sabemos. Vai haver uma ida à casa de banho de emergência, alguém vai tocar à campainha, vão receber uma chamada, o gato vai ficar com a unha presa no tapete, vai ficar frio, ou calor, e vão ter de fazer a dancinha do casaco, vai cair um avião na casa ao lado, o bruno de carvalho vai, finalmente demitir-se, ou tudo isto ao mesmo tempo. Nunca se sabe muito bem o que será, mas é certo e sabido que alguma coisa terá de ocorrer.
Vão levantar-se de repente e, num gesto imponderado, vão confiar demasiado na alegada rapidez do verniz a secar, e vão estragar tudo. Talvez seja só uma unha, talvez quatro, talvez todas.
Vão olhar para elas. Elas não vão olhar para vocês, mas faz de conta. Vão perceber tudo naquele momento: todo o trabalho, todo o tempo perdido, todo o verniz gasto, foi em vão.

6º passo
A depressão.

Ainda não é tempo de quebrar: sejam corajosas. Peguem no vosso removedor de verniz favorito, no algodão, e livrem-se daquela vergonha. Se tiverem seguido o conselho da trincha, talvez vos poupe tempo despejar o frasco num pano de cozinha e tentar salvar as mãos. Vocês conseguem!
Quando se livrarem das manápulas de avatar, cortem as unhas curtas, enrolem-se ao cantinho e permitam-se a chorar com as mesmas mãos de maria saloia do costume.

Repitam o processo dentro de 6 meses, ou quando reunirem a coragem necessária para passar por tudo isto novamente.
Boa sorte!

terça-feira, 3 de julho de 2018

d'aqui.

Demorei algum tempo a gostar deste sítio. 
A senhora do café é carrancuda, e eu até poderia ter gostado dela por me ter aprendido tão depressa os gostos e não precisasse de me perguntar como queria o meu café - entrega-mo sempre cheio, mesmo sem me falar. Ou sem olhar para mim sequer.

Os velhotes estranhavam-me. É o lado mau dos sítios pequenos: uma pessoa nova, desconhecida, é sempre uma presumível assaltante - não era capaz de me sentir bem com todos os olhos postos em mim, com os comentários sussurrados, ou não tão sussurrados assim que a idade não está para dar tréguas aos ouvidos moucos.

Não era mesmo capaz de gostar - eu, que sou genuinamente simpática, dava por mim cabisbaixa, de olhar preso ao chão, porque era mais confortável do que olhar para as pessoas - não estava sequer a gostar desta versão de mim mesma. 

Um dia, levantei a cabeça, ganhei coragem para fazer soar a minha voz no jardim, e disse boa tarde, com um grande sorriso, aos velhotes que estavam sentados num banco, à sombra. Responderam-me em coro, e eu perguntei-me por que raio nunca o fiz antes. Porque é que tinha tanto medo de que me ouvissem, de que dessem por mim.

Depois disso, nunca mais me calei.
Nunca lhe perguntei o nome, mas há um senhor que me pergunta todos os dias se já me vou embora. Relatou-me o dia dele, relatou-me a vida, falou-me de como cá veio parar aos 18 anos e nunca mais de cá saiu. É simpático e janta antes de eu sair do trabalho.

Outro, vive perto do parque onde deixo o carro. Está sempre sentado à porta e berra-me um bom dia e um até amanhã, todos os dias. E ainda há aquele que me responde com um olá, riqueza!.

Demorei a gostar deste sítio, não o posso negar - achava as pessoas fechadas, pouco dadas à intrusão do sangue novo, e eu deixei-me vencer sempre por uma timidez que não me pertence. Agora gosto daqui, gosto de andar pelas ruas, de me cruzar com as mesmas caras e de lhes perguntar como vai a vida.

Estou mais feliz e sorrio mais - acho que até consegui contagiar a senhora do café: há dias em que não me fala, mas já me sorriu algumas vezes.
Estamos a progredir.

segunda-feira, 2 de julho de 2018

aos 23

Gosto de poder dizer que nasci numa noite de verão, embora, talvez, ainda nem tivesse anoitecido completamente, embora, talvez, nem estivesse assim tão quente. Nunca perguntei, porque há coisas que preferimos não saber para podermos manter o sonho, e para que possa escrever a minha história com um início poético mesmo que a minha vida tenha tido sempre tão pouco de poema.

Hoje, já são vinte e três. 
Vinte e três anos completos, vividos num carrocel, como todas as outras pessoas - não, não sou a última bolacha do pacote, não sou a mais sortuda nem a mais azarada, a mais feliz ou a mais sofrida. É um carrocel. Uma montanha russa - queixamo-nos todos do mesmo, e ainda bem. 

Chego aos vinte e três de bagagem pesada, e grata por tudo o que vem dentro dela. Mesmo pelos medos, pelas dores, pelos dias em que achei que pouca diferença fazia se respirava ou não - é uma sensação estranha, esta. Uma conclusão improvável depois de tudo, mas hoje até me sinto grata por ter vindo com defeito lá da fábrica dos bebés, por me ter sentido diferente durante tantos anos. Até por todas as vezes em que me senti mínima, ínfima, menos que nada. Em que achei que não valia a pena, que seria sempre a anormal. Estou grata, porque o que dói também nos faz crescer, também nos molda, também nos ensina - e, perdoem-me a presunção, mas estou muito contente com a maturidade com que chego aos 23. Lamento ter demorado tanto tempo a perceber isto, tudo o que mudou em mim, com tudo o que cresceu e, acima de tudo, com a pessoa em que me tornei - e não, esta não é uma sessão de autopromoção, é para não me permitir a esquecer disto. De que cheguei aqui, e de que me orgulho disso.

A vocês, só interessará isto: hoje, já são vinte e três.

domingo, 1 de julho de 2018

(não quero dizer nada, mas julho é o meu mês favorito)

No ano passado, fui para o somnii em sofrimento: estava doente, assim à beira de cuspir um pulmão, tinha um ouvido tapado e, como se não bastasse, já que trabalhava no hospital, a única forma de conseguir ir foi saíndo do turno da noite no primeiro dia de forrobodó, e trabalhar mais 16 horas, seguidinhas, na segunda feira seguinte - ou vá, das quatro da tarde de segunda até às oito da manhã de terça - para poder ter o sábado e o domingo para abanar o cu no areal.

Não me bastassem estas condições tão favoráveis à diversão, esqueci-me por completo de que sou uma senhora de idade, cuja coluna não permite estar tanto tempo em pé no mesmo sítio, o que me levou a um desespero de que não gosto sequer de me lembrar. Estava, portanto, bastante rabugenta e com vontade de correr à lambada todas as amáveis criaturinhas que, (quase) com idade para serem minhas filhas, me mandavam fumo para cima, para o caso de eu ainda não estar a tossir o suficiente.

Saímos de lá, eu e ele, a jurar para nunca mais, a prometer que este ano iríamos arranjar um programa alternativo para esta época. Ou seja, como é óbvio, tirámos o bilhete para o somnii em fevereiro. 

A (menos de) uma semana do evento, a pessoa já está aqui em ânsias, mesmo que vá ficar com raivinha dos dentes a olhar para crianças seminuas a comemorar a passagem para o sétimo ano, mesmo que se vá sentir velha, mesmo que vá ficar em desespero porque estas costas já vão no 86º aniversário, no mínimo. Sei lá. Não tenho desculpa para continuar a gostar tanto disto - e vai com culpas mesmo, que o que importa é abanar o cu.

sexta-feira, 29 de junho de 2018

qual é o teu nível de rancor, cinderela?

Há dias, sugeri a uma pessoa que se dirigisse à loja onde trabalhei, dado a criatura estar a precisar de um dos serviços que a loja oferece - apesar de ter saído de lá porque se esqueceram de avisar que não tinham dinheiro para me pagar.

É este o meu nível de rancor.

(de salientar que, apesar de ter demorado bastante, atualmente já não me devem um cêntimo que seja)

terça-feira, 19 de junho de 2018

agora já posso voltar a entrar no coche

Dizia eu, há uns tempos, que tenho uma certa dificuldade em lembrar-me de meter creme nos pés, e é mesmo esta a verdade - enquanto no resto do corpo é só preguiça, dos pés eu só me lembro quando olho para eles e percebo que não há sandália que ponha estes cascos a parecer apresentáveis.

Ora, eu não saí agora da gruta, a pessoa sabia da existência da dr scholls, mas tinha pouca fé de que fosse muito mais eficiente do que aquela lima e a cena que parece um ralador que eu utilizo sempre que me cai a ficha e eu tento ter um pézinho mais parecido com o da cinderela, e menos com o do cavalo. Portanto, gastar dinheiro nessas cenas, 'tá quieto!

E quem é que entra agora para salvar a princesa em apuros? Isso mesmo: o lidl. O lidl e aquele corredor do meio que é uma espécie de salva vidas da malta pobre, fã número um de cenas baratinhas e com qualidade. Tal como eu.

Imagino que os funcionários do lidl, mais do que habituados a ver-me desfilar o fat ass por aqueles corredores, tenham metido uma cunha - antes que eu lá fosse à procura de duas ferraduras - para que lá, no corredor central, aquele da perdição, se tenham lembrado de vender uma lima elétrica - suficientemente barata para que, depois de alguma pesquisa, a pessoa tenha decidido que valia o risco de gastar dez euros. É possível que já tenha estado em promoção antes e eu não tenha dado importância, ou tenha fingido que não vi porque, como já se sabe, gosto pouco de gastar dinheiro.

Isto tudo para dizer que a dita lima funciona muito bem, que fez aqui um pequeno milagre em poucos segundos e eu estou genuinamente satisfeita com o resultado. Não conheço os resultados da outra, da lima com pedigree, mas esta rafeirita vale muito a pena - e não, o lidl não me paga para dizer estas coisas mas, se quiser, aceito bem o pagamento em gelado de doce de leite.

sábado, 16 de junho de 2018

cinderela e o médico do trabalho

Pela primeira vez, tive de ir ao médico do trabalho - para ver se tenho os dentinhos todos, se o tico e o teco estão operacionais, se vejo bem ao longe e não tenho maleitas esquisitas, essas coisas. 

Cheguei antes da hora. Mal entrei, dei-me com três portas abertas: dois consultórios, um deles vazio, e uma casa de banho - confesso, que eu cá sou pessoa honesta e não tenho vergonha na cara, que comecei logo a fazer olhinhos à casa de banho, que a pessoa não vai para nova e bebe água até mais não. 

Fiquei ali, plantada no meio da sala de espera, sem um balcãozinho com uma moça de sorriso colgate para me receber, e sem saber se pareceria muito mal pura e simplesmente utilizar a casa de banho como se não me tivesse dado conta de que existia um ser humano ali, a quatro metros de mim.

Fui fazendo pequenos barulhinhos, enquanto remexia na minha mala sem fundo, até que o moço me notasse. E notou.

Apareceu na sala um doutorzinho - elucidem-me: são mesmo médicos ou é um qualquer outro curso? - com todo o ar de quem poderia ter sido da minha turma - e não, não estou a dizer que ele parecia do ensino especial, mas aparentava ainda arrotar ao bolo do próprio batizado, tal qual eu. Perguntou-me o nome, o nome da empresa, e acrescentou:

- aguarde um bocadinho que eu já chamo. tire um frasco e vá fazer a colheita de urina.

Não quero parecer rabugenta, mas não gostei. Isto não é assim que funciona! Chega ali e, sem qualquer introdução, manda-me fazer pontaria para um frasco. Fiquei danada. E feliz, que uma desculpa para usar a casa de banho, ainda que precedesse the walk of shame, de frasquinho em punho, era bem vinda.

Ainda que aliviada, entrei no consultório de dignidade ferida. 
Começou o interrogatório, a auscultação, a subida para a balança. Estava a piorar a cada minuto, e eu resolvi vingar-me, mostrar-lhe que era uma moça que sabia das coisas por mais que tivesse entrado por lá adentro com um frasquinho de xixi na mão. 

Perguntou-me se nunca tinha sido operada. Falei-lhe das quatro primeiras, e acrescentei que a quinta, há dois anos, tinha sido uma colecistectomia. Olhando para trás, ainda podia ter acrescentado que foi laparoscópica, por mais irrelevante que seja tal informação, só para lhe mostrar que sei o que é uma laparoscopia e ele não pensar que é assim às três pancadas que me dá ordens.

Ficou a olhar para o ecrã durante um bocado, antes de perguntar:

- colecistectomia... tirou a vesícula, certo?

Foi a minha saída triunfal.