terça-feira, 3 de julho de 2018

d'aqui.

Demorei algum tempo a gostar deste sítio. 
A senhora do café é carrancuda, e eu até poderia ter gostado dela por me ter aprendido tão depressa os gostos e não precisasse de me perguntar como queria o meu café - entrega-mo sempre cheio, mesmo sem me falar. Ou sem olhar para mim sequer.

Os velhotes estranhavam-me. É o lado mau dos sítios pequenos: uma pessoa nova, desconhecida, é sempre uma presumível assaltante - não era capaz de me sentir bem com todos os olhos postos em mim, com os comentários sussurrados, ou não tão sussurrados assim que a idade não está para dar tréguas aos ouvidos moucos.

Não era mesmo capaz de gostar - eu, que sou genuinamente simpática, dava por mim cabisbaixa, de olhar preso ao chão, porque era mais confortável do que olhar para as pessoas - não estava sequer a gostar desta versão de mim mesma. 

Um dia, levantei a cabeça, ganhei coragem para fazer soar a minha voz no jardim, e disse boa tarde, com um grande sorriso, aos velhotes que estavam sentados num banco, à sombra. Responderam-me em coro, e eu perguntei-me por que raio nunca o fiz antes. Porque é que tinha tanto medo de que me ouvissem, de que dessem por mim.

Depois disso, nunca mais me calei.
Nunca lhe perguntei o nome, mas há um senhor que me pergunta todos os dias se já me vou embora. Relatou-me o dia dele, relatou-me a vida, falou-me de como cá veio parar aos 18 anos e nunca mais de cá saiu. É simpático e janta antes de eu sair do trabalho.

Outro, vive perto do parque onde deixo o carro. Está sempre sentado à porta e berra-me um bom dia e um até amanhã, todos os dias. E ainda há aquele que me responde com um olá, riqueza!.

Demorei a gostar deste sítio, não o posso negar - achava as pessoas fechadas, pouco dadas à intrusão do sangue novo, e eu deixei-me vencer sempre por uma timidez que não me pertence. Agora gosto daqui, gosto de andar pelas ruas, de me cruzar com as mesmas caras e de lhes perguntar como vai a vida.

Estou mais feliz e sorrio mais - acho que até consegui contagiar a senhora do café: há dias em que não me fala, mas já me sorriu algumas vezes.
Estamos a progredir.

3 comentários:

disse...

Já pensaste que o teu motivo (a timidez), pode ser o motivo deles?
Desde que comecei a andar na rua com a minha Nina, aprendi a baixar-me para ficar ao nível dos cães que nos apareciam, porque muitas vezes eles atacam por sentirem medo de nós. Nunca mais tive um encontro "canino" que não fosse de uma empatia quase natural entre nós, porque ao verem-me do tamanho deles, sentem-me como mais um. Se a Nina não tivesse partido quase há um ano, acho que com a continuação ainda me haviam de ver a cheira o cu dos cães e a mijar nas rodas dos carros. lol

Anónimo disse...

É assim mesmo miúda! Dá-lhe!

ernesto disse...

Jota, estarias preso, por esta altura, se andasses a fazer xixi contra as rodas dos carros xD