domingo, 31 de dezembro de 2017

um bom ano, criaturas!

Sabem o que vai mudar à meia noite? Absolutamente nada.
Aquelas gordurinhas localizadas - pelo corpo todo - vão continuar lá, o vosso emprego vai continuar a ser uma merda, aquela pessoa, a quem andam há séculos para dizer alguma coisa, vai continuar sem saber o que raio lhe querem dizer, aqueles desculpa e obrigada vão continuar presos nas vossas gargantazinhas regadas a álcool e marisco e, por este andar, só vão sair com uma manobra de heimlich. Pode ser que a fratura de duas ou três costelas sempre torne o início do ano mais emocionante.

Deixem-se de merdas que vocês não são a cinderela e não vai haver nenhuma transformação (ou 'destransformação') à meia noite. Se querem fazer, façam. Se querem dizer, digam. Não vão ter mais oportunidades amanhã, por ser o primeiro dia de um ano à estreia, do que têm hoje, neste ano velho e usado a dar as últimas por isso, por favor, entendam que as vossas vidinhas não vão mudar drasticamente se não fizerem algo por isso.

Sorte, saúde, paz e amor - são os desejos generalistas que temos para os outros e para nós, enquanto arrecadamos os sonhos debaixo das almofadas e nas gavetas mais perras: não façam isso. Concretizem-nos. Concretizem-se. O mundo precisa urgentemente de perder as gentes mal fodidas que não podem ver os outros bem.

Dos projetos que levo na mochila, recuso-me a falar, mas confesso-me ansiosa por saber o que se segue. Este foi um ano cheio de altos e baixos, com muitos momentos maus mas hoje, ao sentar-me aqui, consigo olhar para trás e sorrir: o que vivi de bom consegue neutralizar todos os dias em que me julguei no fundo do poço. E isso é o que de mais positivo levo deste ano: fui feliz. Cresci, aprendi muito, sobretudo sobre mim própria, mudei de ideias, mudei de planos, surpreendi-me bastante mas voltei a encontrar-me por aqui.

E aqui estou eu - de mangas arregaçadas e coração cheio. 2018 nem sonha com as coisas que lhe quero fazer.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

ele

É bonito. 
Não o tipo exageradamente bonito que é escolhido para fazer anúncios de shampõs e carros desportivos, mas bonito numa simplicidade sóbria que me embebece todos os dias. Está tão longe da perfeição quanto qualquer outro comum mortal, mas foi  o escolhido para protagonizar a minha vida a par comigo - e, volta e meia, ainda me questiono sobre como foi um gajo tão bonito olhar para mim.

É compreensivo. Tenta sempre entender os outros sem os julgar e nunca é mau - é, na realidade, muito melhor pessoa do que eu. Esforça-se por ver sempre o melhor lado de cada um, ainda que seja difícil.

Provavelmente, uma das pessoas mais desligadas dos bens materiais que eu conheço - prefere dar, sem receber em troca e, apesar de ser tão sovina quanto eu (quando deus faz uma panela...), está sempre atento, sempre a tentar perceber se preciso de alguma coisa, sempre pronto para me ajudar. E, apesar de ter trazido um orgulho filho da puta comigo do útero e me custar imenso deixar que ele me dê o que for, não posso senão admirá-lo. E gostar dele, cada vez mais.

Temos uma forma muito própria de sermos nós; não caprichamos no mel nem somos dados às celebrações banais. Somamos dias à história e histórias aos dias um do outro, todos os dias especiais, todos os dias com o mesmo sentido em nós, deixando que os meses se somem tranquilamente e em silêncio. Já lá vão uns quantos, mas nunca lhes damos ênfase, nunca escolhemos uma data oficial. Estranhos, nós. Estranhos felizes.

Somos diferentes, mas nunca tentámos deixar de o ser - às vezes concordamos um com o outro, outras vezes não. Discutimos também, volta e meia, quase sempre por assuntos triviais, quase sempre por querermos ser donos da razão até percebermos que não há uma razão universal e que tudo é relativo e variável. Nunca fomos demasiado parecidos, nunca quisemos sê-lo - caminhamos com as nossas diferenças, aprendemos a aceitá-las e encerramo-nos em abraços onde não resta espaço para dúvidas.

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

o drama dos livros e dos escritores esquisitos

Um dos fenómenos que escapam o meu entendimento é o facto de eu ter uma lista gigante de livros para ler mas, ainda assim, insistir em reler: não me vou alongar sobre o harry potter e a quantidade  absurda de vezes que já li e reli a saga, mas ontem terminei, mais uma vez, o sexto livro. Guardei o sétimo para quando acabar os que trouxe da biblioteca, que já não tenho idade para andar com dois ou três ao mesmo tempo.

Na sexta, aproveitei a hora de almoço para uma fugidinha até à biblioteca mais próxima: de todas as opções disponíveis, peguei nas minhas velhas escolhas e resolvi que era altura para segundas oportunidades.

Minto: o ensaio sobre a cegueira não precisa de uma segunda oportunidade porque já é, indubitavelmente, um dos meus livros preferidos e, por isso mesmo, guardei-o para o fim tal como reservo o que mais gosto, no prato, para comer em último, por ser o sabor que quero preservar na boca.

Reli a metamorfose de um trago só: passaram uns anos desde o meu primeiro encontro com o kafka e, quando escrevi por aqui que não tinha gostado, aconselharam-me esperar uns anos e tentar outra vez. Foi o que fiz - sinto que tinham razão quanto à perceção que teria do livro, que o interpretei de uma forma bastante diferente e que me fez mais sentido desta vez, mas continuo a não conseguir dizer se gosto ou não.

Agora, entre o kafka e o saramago, ando aqui a debater-me com o antónio lobo antunes; tentei ler o eu hei de amar uma pedra há uns anos, mas desisti por não me entender com o tipo de escrita. Desta vez trouxe o que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar?, e continuo a não perceber como é que alguém se queixa do saramago quando isto existe: estou determinada a não desistir, mas confesso que não consigo encontrar grande prazer em ler um livro confuso, cujo autor muda de assunto ainda mais rápida e bruscamente do que eu, e eu sempre achei que seria difícil alguém me ultrapassar nesse dom.

A ver vamos se não me chateio.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

o desapego, o tão falado desapego.

Se há coisa que eu não consigo compreender é a forma como o desapego se tornou numa moda, símbolo de superioridade e independência, como se fosse, de facto, uma coisa boa. Não me refiro, obviamente, ao desapego material, mas sim ao desapego das pessoas pelas pessoas.

Há já anos que lhe fui apresentada, sem cerimónias, num dia em que a minha vida foi virada do avesso e o mundo passou a girar ao contrário; nunca temos realmente a noção do quanto os nossos gestos podem marcar alguém, e estou mais ou menos certa de que, quem causou esta mudança em mim, nunca julgou estar a deixar-me marcas tão profundas e difíceis de sarar.

Nos últimos sete anos, poucas, pouquíssimas, foram as pessoas em quem consegui confiar, e menos ainda aquelas que conseguiram uma posição na minha vida que fizesse realmente a diferença a ponto de não me imaginar sem elas. Assim, de repente, só me lembro de duas pessoas - com uma delas já não tenho qualquer tipo de relação, e a outra é o monsieur. 

Isto não é motivo de orgulho para mim, é meio triste e medianamente sufocante - não é por não querer, é mesmo por não conseguir. Se sinto falta de uma amizade forte, além do meu rapaz que, antes de namorado, é o meu melhor amigo? Claro que sim. Mas tenho constatado, com alguma pena, que o afastamento de algumas pessoas que, até há bem pouco tempo, faziam parte do meu dia a dia, não me pesa. Não me custa. Não me causa qualquer mossa nem me faz querer tentar recuperar a ténue amizade perdida. Pura e simplesmente, não quero saber - e não sou pessoa de fingir. Ou bem que gosto, ou não há mesmo nada a fazer.

Contudo, não vejo algo de bom nisto e continuo a não conseguir entender porque raio alguém poderia almejar tornar-se desapegado. Tenham cuidado com o que desejam - este lado do mundo não é tão fixe quanto possam pensar.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

lontras will be lontras

Uma vez que não gosto de doces de natal, há uns anos comecei uma tradição muito minha que consiste, essencialmente, em fazer uma mousse de oreo, que deixa uma pessoa diabética só de olhar, por forma a compensar-me por todo o colesterol típico da época que eu não vou ter. E a gordinha vai feliz mesmo.

A questão é que eu me esqueci deste pormenor; por algum motivo, não me ocorreu que se aproximava a passos largos a noite da consoada, que para mim é mais a noite da consolada. Tendo em conta que reservo o meu direito a comer esta mousse duas vezes no ano e, por acaso, este ano também me esqueci de a fazer no meu aniversário, parece-me que tenho direito a uma dose dupla, e juro que fiquei num ponto de felicidade quase a roçar o orgasmo quando me lembrei de que daqui a uma semana vou estar a chafurdar numa taça gigante de mousse de oreo. Sem culpas, porque a balança foi passar o natal com a família.

(ou então não, que aqui a pessoa até pode não andar a fazer grande coisa para perder peso, mas já começa a ponderar cortar os pulsos, ou um naco de gordura das ancas, se engorda cem gramitas.)

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

um dos melhores filmes de terror de sempre

Se eu gosto de ir às compras? Odeio.
Aquele veste-despe, estas calças comprimem-me o nalguedo, estas deixam-me as mamas ao pé da boca, estas não passam do tornozelo, esta camisola não me chega a tapar o soutien e esta não deixa respirar, enerva-me. Pior ainda quando uma pessoa tem de sair do provador, com trezentas peças de roupa penduradas nos bracitos, e faz aquele walk of shame até à funcionária (ou, pior, funcionário), entrega tudo e diz é para deixar, não cabe.

*introduzir música triste e muitas lágrimas*

Depois há a outra parte, que é a parte gira, e consiste, basicamente, em deambular pelos corredores da loja, olhar para todo o lado à procura de algo que seja exatamente aquilo que nós queremos. Simples, não é?

Não. Especialmente se estiverem acompanhadas por um macho. Eles são demasiado objetivos e acreditam piamente que temos a capacidade de os imitar nessa façanha. Volta e meia olho para ele e vejo-o a respirar fundo, antes de dizer: patrícia, pára e pensa: o que é que tu queres?, e uma pessoa fica ali, meio desorientada, e sem saber como lhe explicar que isto não funciona assim connosco. Não vai dar.

A nossa arte é mais a de correr a loja toda à procura de algo que nos agrade, dizer, aproximadamente, cinco mil vezes olha que giro... se fosse rica levava, mas não ou gastar dinheiro com isto porque nem preciso assim tanto desta merda, e sair daquele antro do pecado, sete horas depois, sem ter comprado nada e a resmungar que não há nada de jeito.

E fazê-los perceber isto? Oh oh.

[no fundo, no que toca a querer fugir da loja e especialmente quando está cheia de gente, sou igual ou pior do que ele, e não, nem sou moça de demorar assim taaaanto numa loja, mas shhhh]

sábado, 16 de dezembro de 2017

eu, patrícia.

As pessoas mais perigosas são as cheias de certezas absolutas, que pensam que o mundo é um tabuleiro de xadrez onde tudo é desenhado ao milímetro para ser preto e branco, sem falhas, sem misturas, sem milhares de nuances em tons de cinzento que não sabíamos existir. Só que não.

Não acontece tudo como planeado - às vezes, porque não dá. Outras vezes, porque percebemos, a meio do caminho rigorosamente traçado em linha reta, que seríamos mais felizes com uma curva. E não há nada de errado nisso.

É um erro desenhar a vida a régua e esquadro e achar que seguir o tracejado é o caminho para a felicidade. Desculpem: as coisas mudam mesmo. Nós mudamos. Perseguir o que julgávamos ser certo aos quinze anos, e que nos habituámos a tratar como se do nosso maior sonho se tratasse, pode mesmo destruir-nos. Notem que não vos estou a dizer que é errado tentarem concretizar os vossos sonhos, o que é errado é julgá-los imutáveis e não se permitirem a mudar de ideias, nem quando surge a ténue sensação de que não é bem por ali que querem ir.

Eu também achava que me conhecia e sabia tudo sobre mim, mas não sei. Este foi o ano das grandes descobertas, em que quase olhei para mim mesma como uma estranha. Em muito do tempo, não me consegui reconhecer; foi o ano em que me perdi, em que me senti à deriva e, depois, em percebi que houve um motivo para a minha história se ter desenrolado desta forma, e que todo o tempo que eu julguei perdido, me fez ganhar bastante. 

Este ano concretizei um dos meus sonhos de infância. E, posso dizer-vos, tornou-se rapidamente num pesadelo: as circunstâncias da minha vida alteraram-se drasticamente e, com elas, tudo aquilo que eu sempre julguei ser o melhor para mim. Desisti - não de um sonho, mas da ideia que tinha dele. Mudei de via, mudei de ideias, mudei os planos. Ou vou sem grandes planos, por agora. O único plano é estar feliz, onde quer que esteja.

E depois?
Depois logo se vê.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

my manic and i

Foi há um ano: encontrei-te na estação e levei-te ao meu sítio favorito. Avisei-te, com antecedência, de que não sou pessoa de barzinhos fancy ou esplanadas dignas de fotografias. Sou mais uma filha do mar, com toda a reverência e respeito que lhe guardo, e nunca me poderia apresentar de melhor forma do que num passeio pela praia, no frio de dezembro. Calhou bem: gostas do frio e partilhas do meu amor pelo mar.

Andámos pelo meio das pegadas de gaivota, falámos de tudo e calámo-nos. Sentimos as gotas de chuva a engrossarem e a enregelarem-nos até aos ossos. Pediste autorização para me abraçar, com o intuito de me aquecer, e nunca mais me largaste.

Foi há um ano que senti os teus lábios pousados na minha testa, o teu corpo contra o meu, a minha vida a par com a tua, pela primeira vez. Por esses dias já me obrigava a assumir, ainda que contrariada, que me tinhas furado os planos e feito tropeçar de amores por ti. Logo quando eu nem me queria apaixonar.

Um ano depois, esses dois na praia não parecemos nós, tu e eu, a tocarmo-nos a medo e sem fazer a mais pequena ideia de onde aquele primeiro passo nos iria levar, nem que teríamos ainda uns meses e muitas lágrimas a separar-nos do dia em que se sararam todos os medos, todas as inseguranças, e nos tornámos num par.

Demos mais de mil voltas às voltas que a vida nos tem tentado dar a nós- somos bons nisto. A contrariar as expectativas, a arrumar com as probabilidades. Obrigada por esta maravilhosa aventura. Louca, mas maravilhosa.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

as feministas, o sexo e o bacalhau

Contra o movimento feminista, tenho absolutamente nada. O que me enerva realmente é que este acabe por ser representado por gajas raivosas, que nos saltam para o caminho, em protesto, denegrindo e ridicularizando um movimento que tinha tudo para ser benéfico. Acalmem lá o pito!

As mulheres não são santas, desculpem. Não são pepitas e ouro, não são puros diamantes incompreendidos; são seres humanos, tão falíveis quanto o resto dos comuns mortais. Desculpem, mais uma vez, se se esqueceram disso algures durante o processo de beatificação de tudo quanto é portador de uma vagina.

Curiosamente, este grupo de criaturas iluminadas que tanto quer exaltar as mulheres como sendo seres superiores, começa por a inferiorizar tanto quanto pode; a mulher é sempre a coitadinha que precisa de trinta e sete gajas de mamas empinadas a dizer-lhe que é linda, poderosa, a maior, a melhor. É uma matemática curiosa esta: na luta pela igualdade de direitos, começam por reduzir o valor da mulher a pó só para, logo em seguida, mostrarem que ela é bem melhor do que o homem. A igualdade fica perdida algures entre a síndrome da coitadinha e o auge da presunção. Não entendo. A minha vagina deve ter vindo com defeito de fabrico e eu nunca notei.

Escrevo isto porque me surgem no feed do facebook, com maior frequência do que seria desejável, sabe deus porquê, publicações feitas por uma iluminada cuja página fala, essencialmente, mal dos homens e de sexo. Sobre como adora foder, sobre como poucos são os homens que sabem fazer um minete, sobre como adora fazer um bom broche - e não, esta não é a minha escolha de palavras habitual. Escusado será dizer que isto me parece uma velha saudosista a relembrar as memórias da juventude, porque, claramente, é falta de sexo.

Quando alguém reclama do conteúdo, a mulher, que é mal educada que dói, alega sempre que já lá vai o tempo em que a mulher tinha de permanecer calada e que tem todo o direito de falar de sexo, se lhe apetecer. E tem, mas vamos lá ver a coerência da coisa: querem colocar-se ao mesmo nível de qualquer homem mas, se as mesmas publicações fossem feitas por um macho, este seria um porco nojento que não tinha nada que andar a falar sobre essas coisas em público, e era o deus me livre.

Vejamos: eu gosto de bacalhau, adoro bacalhau. Bacalhau com natas, bacalhau à Brás, bacalhau com broa, bacalhau no forno, bacalhau à Gomes Sá - mas não é porque eu adoro bacalhau e me sinto livre para falar disso que vou passar a vida a chatear as pessoas com as minhas preferências na hora de comer bacalhau. Ou sobre como sou feliz quando alguém me faz um bacalhau com natas mesmo bom. Ou sobre como acredito que faço o melhor bacalhau com broa do mundo. Estão a ver? Era chato se eu vos dissesse isto todos os dias. O sexo é igual ao bacalhau. 

Não há nada de errado em gostar de sexo, nem tão pouco em falar-se de sexo. Mas limitar toda e qualquer conversa a esse tema porque agora as mulheres soltaram a franga e acham que essa é a melhor forma de se afirmarem, estraga tudo. Podem ser pessoas interessantes sem contarem ao mundo o que é que mais gostam na cama. Não têm de se deixar chegar a pontos ridículos para mostrar que uma mulher pode falar do que quiser. Não sejam badalhocas.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

essa coisa dos beijinhos e dos abraços

Vamos começar pelo ponto fulcral da coisa: eu nunca gostei de beijinhos, e não há nada a fazer quanto a isso. Essa coisa de andar por aí a espalhar encostos de bochecha ou, mais dramático ainda, haver aquele contacto lábios-bochecha, não é para mim. Especialmente quando eu nem tenho assim tanta confiança com o ser humano que se propõe a invadir o meu espaço pessoal.

Por mim, cumprimentávamo-nos todos com um olá e um sorrisinho afetado ou, no máximo, um aperto de mão à homem do tasco. Deveria haver um protocolo que estabelecesse o número de horas mínimo de convivência para que se passasse à próxima fase.

Isto chegou a acontecer-me numa entrevista de emprego; mal entrei na sala, a mulher apanhou-me desprevenida e espetou-me as beiças na bochecha, sem pedir licença, e eu sem fazer a mais pequena ideia de que já estávamos nesse ponto da relação. Entretanto, não fiquei minimamente convencida com o que me disse em relação ao emprego e, à saída, quando se preparou para repetir a proeza, estiquei a mãozinha e apertei-lhe o bacalhau. Espero, pelo menos, ter-lhe ensinado alguma coisa.

E os abraços?
Se, por um lado, dar beijinhos a (alguns) familiares ou quaisquer outras pessoas com quem mantenha uma relação mais próxima, é na boa, abraçar-me é um direito exclusivo do monsieur. Qualquer outra pessoa que me tente agarrar, por melhor que seja a intenção, é só estranho. Eu não ando assim a encostar as mamas ao peito de qualquer um. Este é, definitivamente, o meu lado mais gato: se eu quiser festinhas e miminhos, tudo bem. Se não estiver para lá virada, é melhor nem chegarem perto, caso contrário... caso contrário, vou ter de fingir que está tudo bem porque não posso eriçar o pelo e espetar-vos as unhas na cara. É pena.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

a saga das entrevistas: cinderela e o público

Com o meu currículo à frente, onde estava explícito que trabalhei num hospital e descritas algumas das minhas funções, que envolviam cuidados ao utente, pergunta-me:

- mas nunca lidaste com o público, pois não?*

...
...
...


Acredito que o meu choque face a esta pergunta não seja compreendido por muitos de vós mas, não querendo puxar a brasa à minha sardinha, parece-me que trabalhar num hospital seja o teste mais violento à nossa resistência e capacidade de lidar com o público. Há doentes que são uns doces, mas também os há bem filhos da puta - geralmente, esses são os que ficam por lá mais tempo, a tentar enlouquecer os mais variados profissionais de saúde. E sim, há que ser simpático e prestável, mesmo com aqueles que nos tiram do sério e estão, claramente, a gozar com as nossas caras.

Quem aguenta aturar um paciente que nos maltrata durante meses, meus caros, aguenta qualquer guerrinha momentânea em qualquer outro tipo de emprego.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

nu e cru

Foi numa terça feira, e eu estava doente. Contra a vontade da minha mãe, que me disse que seria melhor não ir às aulas, resolvi que iria mais tarde. E fui. Ou tentei ir.

Tinha chovido mais cedo.
Por essa altura, conduzia já há mais de dois anos, e estava mais do que habituada àquele percurso. Era o meu caminho de todos os dias mas, naquele em específico, tinha uma surpresa reservada para mim.

Aconteceu tudo muito rápido, e eu não tenho uma explicação: de um momento para o outro, perdi o controlo do carro e essa, posso jurar-vos, continua a ser a sensação mais aflitiva que algum dia tive na minha vida, e que ainda hoje é capaz de me deixar com o coração acelerado. Por mais que tentasse, o carro não me obedecia, não ia para onde eu queria. E, depois disso, o vazio.

Na recordação seguinte, estou descalça, na estrada. Tenho vários homens à minha volta, e eu não sei porquê. Estou confusa e assustada, as minhas botas estão no chão e dói-me muito a cabeça. Sinto uma pressão enorme do lado esquerdo e vejo tudo baço, como se fosse desmaiar. Pedi-lhes que ligassem à minha avó; disse-lhe que tinha tido um acidente, e depois fiz reset na memória: esqueci-me do acidente e do telefonema.

Mais tarde, estava dentro da ambulância a perguntar o que me tinha acontecido. Descobri três dias depois que estava em hipotermia, embora não me lembre de ter tido frio. Nem sequer me dei conta de que estava encharcada dos pés à cabeça, coberta de lama, com rastas no cabelo, até ter chegado ao hospital.

Tudo o que sei, foi-me contado mais tarde: havia uma óleo e lama na estrada molhada, o que foi a junção perfeita para que me despistasse na curva onde tantos e tantos outros se têm despistado. Mas não acontece só aos outros.

Capotei e caí num campo de arroz - o carro só parou quatro voltas mais tarde, e acreditem que é aterrador imaginar que a primeira foi de frente. Estive sempre consciente, apesar de o meu cérebro ter decidido que não valia a pena guardar essa informação - mal o carro se cansou de rebolar na lama, eu saí, calmamente, pelo meu próprio pé. Tudo o que era meu estava espalhado na lama, o meu computador debaixo do carro, a minha coragem estilhaçada como os vidros.

Saí ilesa. 
Meia dúzia de escoriações, vários hematomas, um braço com o dobro da grossura, uma dor de cabeça que não me deixava dormir e tonturas horríveis que só passaram um mês depois, mas estava bem. O carro faleceu ali mesmo; só tive coragem de o ver algum tempo depois, e não vos consigo descrever a sensação de o ver completamente destruído, saber que estava dentro dele quando aconteceu, e não me lembrar de nada. Zero. Deixem-me que reforce que o meu anjo da guarda é mais fixe do que os vossos.

Passou mais de um ano.
Na verdade, vai quase em dois mas pesa-me menos na consciência se não assumir para mim mesma que já era mais do que tempo de ter arrumado este assunto, de não o reviver de cada vez que conduzo, de não pensar nisto todos os dias. Mas é o que acontece. Não consigo evitá-lo.

Se o escrevo hoje, é porque este episódio continua a ser o elefante no meio da sala. É porque, por mais que tente, não consigo ultrapassar isto: todo este tempo depois, eu continuo com um medo absurdo de conduzir - e, mais ainda, de andar com qualquer outra pessoa a conduzir. A sensação de que não posso controlar o que acontece dá cabo de mim, muito embora - se culpados houver - eu tenha sido a única culpada do que me aconteceu. Mas não consigo.

Quase dois anos depois, eu ainda fico ansiosa em curvas, ainda me assusto se o vento me abana o carro e eu temo estar a perder o controlo, ainda acho que vou ter um acidente a qualquer momento. Imagino-o a toda a hora, para vos ser franca: vejo cada carro como uma ameaça, tenho crises de ansiedade em situações que deveriam ser naturais. Isto consome-me, de uma forma que não cabe em palavras e, na maior parte do tempo, sinto-me só ridícula por isto: caramba, há quem tenha acidentes bem piores, e na verdade eu nem sequer me lembro da pior parte. Como é possível não conseguir esquecer? 

Passaram-se quase dois anos, mas eu ainda hoje sonho com despistes.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

a saga das entrevistas: cinderela inexperiente

Lembro-me de ter entregue o currículo numa loja de roupa, que estava a precisar de uma funcionária, e a rapariga ter dito mas não tens experiência na área, com ar de quem tinha pena de mim. Claro que nunca cheguei sequer a ser chamada para uma entrevista. Não tinha experiência.

Na verdade, eu nem estava assim tão interessada naquela vaga em específico, mas a verdade é que isto é comum à maior parte das vagas de emprego. Ninguém parece disposto a dar a oportunidade de alguém mostrar que pode ser tão bom, ou melhor funcionário ainda, do que outro com mais experiência. Porque pode, meus caros, e o que não falta por aí é gente irresponsável com bons trabalhos.

Acho absolutamente incrível que as pessoas tenham tanta facilidade em esquecer-se de onde vêm. Todos, absolutamente todos, desde a empregada doméstica ao médico, desde o pedreiro ao arquiteto, por mais que tenham graus de formação bastante diferentes, tiveram de começar do 0. Sem experiência - não sei se estarei a dar uma novidade a alguém. Talvez andem por aí boas almas convencidas de que já se nasce doutor.

Curiosamente, acabei num sítio onde o que tive de aprender foi bastante mais complexo do que dobrar camisolas e separar calças por cores. E aprendi rápido, vejam só! Não me fecharam a porta por terem de me ensinar tudo do zero, ainda que não fosse coisa que se aprendesse num dia. Deram-se ao trabalho de apostar em mim pela pessoa que mostrei ser na entrevista, e não pelo currículo.

Contudo, infelizmente, pessoas assim são cada vez mais raras.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

a primeira vez nunca se esquece

Comecei por ouvir gritos na rua. Inicialmente, pensei que se tratava de um casal e já estava a preparar-me para erguer o punho contra a violência doméstica, quiçá mostrar as mamas no meio da rua por nenhum motivo em especial, mas porque sou mulher e as mulheres tudo podem.

Para minha grande desilusão, eram mesmo dois homens, mas lá calha que um ainda consegue ter mais voz de pita do que eu, e olhem que é bem difícil.

Estava um senhor franzino, com idade para ser meu avô, a agarrar pelo colarinho um homem mais jovem que poderia, facilmente, ter arrumado o outro ao canto com um sopro, mas que perdia toda a credibilidade de cada vez que abria a boca e parecia uma maria amélia. Aparentemente, a maria amélia tinha entrado em casa do homem e tinha-lhe roubado dinheiro. Muito dinheiro.

Ali, do outro lado da estrada, a situação era tão ridícula que chegava a parecer encenada. A pobre maria amélia só dizia que não tinha roubado o que quer que fosse, e o velho oscilava entre propostas eróticas e violentas; num momento gritava "se sais daqui, fodo-te todo", para no momento seguinte gritar "eu mato-te!".

Tendo isto acontecido à porta de um café, seria de esperar que alguém defendesse a criatura. Contudo, as pessoas apressaram-se a entrar e a fazer de conta de que não estava a acontecer - ainda houve um senhor que, entre baforadas, foi dizendo ao velho para não bater ao outro, mas acabou por desistir e ir embora de bicicleta.

Cansado de segurar a amélia pelo colarinho, obrigou-o a sentar-se numa cadeira, senão fodia-o todo, enquanto fumava.

Portanto, depois de alguma hesitação, peguei no telemóvel e... não, não comecei a filmar para postar em tudo quanto é rede social, apesar de ser uma alternativa mais engraçada ao circo de natal. Resolvi fazer alguma coisa para acabar com aquilo e liguei à GNR (sejam todos cinderela, fáxabor!).

Expliquei atabalhoadamente onde estava, porque o meu sentido de orientação ainda hoje está a jogar à bisca com a minha beleza, lá no útero da minha mãezinha, e eu não faço a mais pequena ideia do nome da rua onde passo os meus dias. Ups.

Não percebi o que aconteceu, mas a maria amélia conseguiu esquivar-se para dentro do café e o outro ficou cá fora a olhar para a porta. Imagino que o pobre tenha ido chorar para a casa de banho, mas são só suposições.

Fiquei a pensar que tinha ido inquietar a GNR para nada, até que eles chegam. Não um, mas dois carros da GNR. Não pude conter uma gargalhada e pensar que talvez devesse ter sido mais específica nos desacatos à porta de um café. Mas depois eles saíram dos carros e eu percebi que foi deus nosso senhor quem mandou um par extra para me animar a vista. Bem podem andar à pancada no café todos os dias, que eu estou completamente disponível para ligar para a GNR as vezes que forem necessárias. E, se for preciso, até me entrego de boa vontade.

Quanto aos outros dois, falaram com os agentes e acalmaram os ânimos. Ninguém soube que tinha sido eu a ligar.

(se soubessem, acredito que o mulherio residente me começasse a idolatrar, e eu nem tenho a letra bonita para dar autografos)

a saga das entrevistas: de cinderela a escrava

Infelizmente, esta não teve tanta piada quanto a primeira, mas também me parece importante que se fale destas coisas.

Escassos dias depois da tal entrevista, recebi outra chamada. Vi-me e desejei-me só para descobrir quem era, porque a qualidade da ligação estava ali ao mesmo nível da minha beleza, e porque tudo quanto é recrutador neste país acredita piamente que uma pessoa à procura de emprego se candidata a uma única vaga, numa única empresa, e fica três meses à espera de obter resposta antes de partir para outra. Portanto, não vê a necessidade de se identificar convenientemente e explicar a que raio de vaga se refere; nós adivinhamos.

Procurei, pelo pouco que tinha conseguido perceber, por entre os meus emails enviados e acabei por me aperceber de uma coisa curiosa: no espaço de, exatamente, um mês, eu tinha-me candidatado duas vezes à mesma vaga, na mesma empresa, mas com referências diferentes. Achei estranho, mas não tinha nada a perder, e podia ser algo interessante.

Chegada ao local, converso com um casal. Descobri mais tarde, e porque sou uma stalker competente, que são marido e mulher - contudo, não se deram sequer ao trabalho de se apresentar na entrevista e eu descobri os nomes deles através do facebook.

Algo não estava a bater certo.
Candidatei-me àquela vaga porque, apesar de não ter formação na área nem ter experiência, preenchia os requisitos mínimos. Acredito mesmo que poderia ter tido aquele trabalho, uma vez que envolvia, em grande parte, escrever, e não era exigido mais do que o 12º ano. Contudo, a entrevista foi conduzida por forma a diminuir-me ao máximo, realçando a minha inexperiência a cada 30 segundos, referindo que tinha poucos estudos, que estavam a correr um grande risco ao apostar em mim.

Tudo certo até aqui. Ou mais ou menos, mas a questão da inexperiência dá todo um outro post.
O que começou por me parecer mesmo muito estranho foi a incoerência: rebaixavam-me como se eu fosse acéfala e tivesse passado os últimos 22 anos a viver numa gruta, mas pareciam mais desesperados para que eu aceitasse ficar com o emprego do que eu estava por o aceitar. Chegaram a referir que tinham mais uma entrevista a seguir, mas não colocavam sequer a hipótese de gostarem mais do outro candidato; o lugar era meu, bastava eu querer.

E porquê?, perguntam vocês.
A ideia era fazer um estágio profissional. Honestamente, isso não me incomoda; por ser uma área interessante e bem diferente daquela em que tenho formação, acredito que seria bom para mim. O problema é que, e dada a minha inexperiência, poucos estudos e tudo e tudo, a sugestão deles seria que eu passasse um mês à experiência, até eles pedirem o estágio profissional. Isso, sem receber. Um mês, diziam eles, até que o estágio profissional fosse aprovado. 

Por não gostar de fechar portas sem ter a certeza, disse-lhes que responderia mais tarde, alegando que precisava de conversar com os meus pais, uma vez que passar um mês a deslocar-me para o local teria custos, e aceitar não ser remunerada não era uma decisão que eu pudesse tomar de cabeça quente.

Eu sabia que o processo de aprovação dos estágios profissionais era lento, beeeem lento, mas resolvi dar o benefício da dúvida e informar-me com quem de direito. No centro de emprego, foi-me dito que agora os estágios só podem ser pedidos entre 15 de novembro e 31 de dezembro, e que só após o término desse prazo é que estes começam a ser avaliados. Ou seja, contas bem feitas, e já que eles não pensavam pagar-me até que o IEFP aprovasse o estágio e, sendo otimista, talvez começasse a receber alguma coisa pelo meu trabalho lá para fevereiro ou março. 

Posto isto, e porque eu sou uma pessoa de palavra, enviei-lhes um email a explicar que tinha resolvido informar-me e que, apesar de não ser uma entendida no assunto, até porque não tenho muita experiência nem muitos estudos, a minha sugestão, já que tinham tanta urgência em encontrar uma pessoa para o lugar, passaria por experimentarem pagar a alguém para trabalhar para eles.

Despedi-me desejando-lhes a melhor das sortes na busca de alguém disposto a trabalhar para aquecer; responderam-me, novamente, com os ataques subtis da entrevista, que não era nada assim, que nunca foi dito que não me pagariam após esse mês de experiência - o que é verdade. Decidiram dar a entender que o estágio seria aprovado quase imediatamente. Acabaram a resposta com a brilhante conclusão de que tinham ponderado correr o risco de apostar em mim, mas eu tinha perdido todas as hipóteses ao redigir aquele email em tom jocoso.

Como se eu quisesse ter a mínima hipótese numa empresa que faz de um trabalho, com um nível de complexidade mínimo para qualquer pessoa que saiba ler e escrever um bicho papão, ao ponto de ter de trabalhar um mês à borla. For sure.

Agora lamento não me ter ocorrido concluir a resposta com chave de ouro; acredito que aquele email tenha dito o suficiente acerca da minha perspicácia e proatividade. E, vejam só, não demorei um mês a escrevê-lo.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

a saga das entrevistas: de cinderela a barbie

Há uns meses, tive uma entrevista de emprego num local onde eu sabia de antemão que iria trabalhar rodeada de homens. Isso não me desagradou, bem pelo contrário, porque - a verdade tem de ser dita -, as mulheres são quase sempre umas cabras umas para as outras e eu não sou a pessoa com mais pachorra neste mundo para aturar os mexericos desnecessários. Uma pessoa fica cansada só de tentar acompanhar o jornal do maldizer.

Posto isto, lá estava eu, ainda antes da hora marcada, sentada numa cadeira confortável à espera de que o senhor chegasse. E nervosa, claro está. Bem vestida, como se quer numa entrevista de emprego, ainda que simples - com uma camisola do lidl - e maquilhada como em todos os outros dias em que me apetece maquilhar: base, sombra castanha, eyeliner e rímel, no more, no less. E esta informação só me parece relevante porque, de facto, não quero que imaginem uma boneca de cera deste lado, para o que se passou a seguir.

Os minutos passavam e eu continuava a não entender muito bem o que se estava a passar. As pessoas - tudo macho, quase todos jovens - iam passando por lá, mas eu não fazia a mais pequena ideia de quem era quem e por quem deveria aguardar. 

Entretanto, passa um senhor com idade para ser meu avô; pensei que seria O Tal. Sorri quando o jovem simpático, e giro, da receção lhe diz que eu estou para a entrevista. O ansião comenta:

- Ah, não, não pode ser. Eu estou velho e o meu coração está fraco, não me podem meter aqui estas coisas lindas, senão acabam comigo.

Tudo bem. 
A pessoa lida mal com elogios, mas não é de vidro. Eu sei que isto já era capaz de fazer saltar umas quantas Capazes para o caminho, a gritar assédio e porco nojento, mas até achei piada na altura.

Mais tarde, finalmente, chega um casal que se dirige a mim: eram eles, os recrutadores. Depois de ter deixado o nervosismo a fermentar durante um século e meio, estava no ponto. Mal se tinham apresentado, o senhor voltou. Repetiu a ladainha, dizendo que coisas lindas acabam com ele e acrescenta:

- Os rapazes iam ficar todos excitados. O que talvez fosse bom, trabalhavam mais, não sei...

Para aumentar o meu nível de conforto, o recrutador decide responder, como se eu não estivesse a ouvir, e diz:

- Barbies há muitas. Vamos ver o que ela sabe fazer.

Não fiquei com o trabalho, mas nunca cheguei a descobrir se por não ser uma barbie competente ou por, na entrevista, ter sido sincera quanto a algumas das condições não me serem, de todo, convenientes. Para vos ser franca, não posso dizer que fiquei triste por não ter sido a escolhida. Muito menos agora que, ao recordar a situação, me apercebi de que esta entrevista poderia muito bem ser para um lugar na indústria pornográfica.

(nada temam, seres desse lado, que esta pessoa trabalha vestida e as únicas câmeras são as de vigilância)

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

tu.

Foi há um ano atrás que eu te obriguei a esperar pela meia noite, só para poder ser a primeira a dar-te os parabéns. E na altura eu nem sonhava que eu iria mudar a tua vida, tanto quanto mudaste a minha.

Os 25 foram uma aventura maravilhosa, um turbilhão de emoções e o estrear de sentimentos e palavras que eu achei que estavam reservados para os filmes e as histórias com finais felizes. Tu és o meu enredo feliz.

Resta-me desejar-te que os 26 sejam ainda melhores - e que eu faça parte deles.

Parabéns, meu amor.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

(mas se me quiserem pagar, gente do lidl, aceito contribuições monetárias)

Ao contrário da maior parte do mulherio, esta lontra não ficou com o pito aos saltos quando farejou a black friday e, não, não arrastou o fat ass para o shopping. Também não gastei o equivalente a três ordenados mínimos em compras online - não comprei nada, basicamente. Desculpem lá o desgosto, mas esta cinderela é pobre e forreta.

Ora, e estou a dizer-vos isto para quê? Para que vos seja mais fácil situarem-me no mundo da moda e para me tornar numa fashion blogger interessante e credível. Ou porque se deu um milagre de deus nosso senhor e a pessoa sente necessidade de partilhar estas coisas. Foi hoje.

Fui ao lidl, numa correria desenfreada pelo balde de iogurte grego, armada em bolt nos corredores, mortinha para chegar a casa e poder sentir-me, finalmente, livre de perigo de entrar em hipotermia a qualquer momento. E, portanto, esbarrei nelas.

Em boa verdade, já as tinha visto no folheto, tinha gostado mas não tinha sequer decorado a data da promoção - erro crasso. Eu, a fã número 1 do lidl. Eu, a pobretona que se veste num supermercado - não literalmente, calma -, quase perdi A Oportunidade.

Vi um monte de calças de ganga, e estas lá perdidas. Eram as últimas - não havia mais nenhumas assim, com aquelas flores pirosas de que só as pessoas pirosas, como eu, gostam. Agarrei-as; foda-se. Um número abaixo do meu. Foda-se, foda-se, foda-se. 

Portanto, fiz o óbvio: comprei-as, não fosse o diabo tecê-las. 
Serviram-me na perfeição.
(deus, és tu?)

É preciso que se note que há já bastante tempo que queria umas do género mas ainda não tinha encontrado umas que me agradassem tanto a vista quanto a carteira. Estas custaram 11,99€ e, se dúvidas houver, fique claro que, infelizmente, o lidl não me paga para vos dizer estas coisas bonitas - é serviço público, porque eu sou boa pessoa e acredito que a minha avareza tem par neste mundo.

Falando a sério, serve este post para quebrar algum preconceito que ainda possa existir. Tenho várias peças de roupa compradas lá, todas usadas com bastante frequência (porque gente pobre não tem uma toilette para cada dia do ano), e a única que se estragou, até à data, foi a blusa mais gira de sempre que esta criatura queimou com o ferro. Yup.

Resumindo, a relação qualidade-preço da roupa é bastante boa. Pelo menos para mim.
Contudo, ainda não os perdoei por terem acabado com o pão de alho.

a gente habitua-se,

diz o povo.

Eu nunca fui boa nesse jogo, mas também nunca fiz muita questão de praticar; essa coisa de me obrigar a gostar de algo nunca fez sentido na minha cabeça. Só quando, cansada de só comer salada de alface, me obriguei a gostar de pepino - continuo a não conseguir lidar com os tomates. Façam piadas à vontade.

A verdade é que há demasiada gente descontente que faz questão de se certificar de que levas uma vida tão pouco prazerosa quanto a delas, e isso chateia-me bastante. Essencialmente, porque eu não quero mesmo saber da vida dos outros. Cada um faz o que pode por si, e se as pessoas são felizes a reclamar do quão infelizes são, eu não posso fazer nada quanto a isso. Eu escolhi a outra via. Aquela que seguem os que não querem passar a vida a lastimar-se.

Não quero arrastar-me por aí. Não quero ter de me obrigar a levantar, a vestir, a sair de casa. Quero querer fazê-lo, sem sentir que é um esforço hérculeo e pouco compensador. Se isto não vos fizer sentido, provavelmente poderão encaixar-se no grupo de cima - mais uma vez, não vos posso fazer nada, a não ser desejar-vos as melhoras.

A gente habitua-se, diz o povo. 
Esta frase é quase sempre proferida com o ar orgulhoso de quem aguenta as piores tormentas e é feliz nessa infelicidade consentida. Porque é assim mesmo, a vida é difícil, e a gente habitua-se.

Parece-me possível que a vida se torne mais difícil quando nos resta pouca vontade de viver. Quando sobrevivemos por aí, entregues ao destino, conformados com a ideia de que somos mais pessoas porque somos uns sofredores. Isto está demasiado errado para mim. 

Desculpem, mas eu não faço parte deste movimento.
Se temos de nos habituar a alguma coisa, que seja à felicidade. Seja onde for que a encontrarmos. Seja como for.

Eu procurei a minha. Procurei o que me fazia mais sentido e o que era melhor para mim.
Lidem lá com isso, ó povo infeliz.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

saudade

Para o estrangeiros é uma palavra bonita que não têm no país deles. Para nós, é o nosso nome do meio - e, por estes dias, tenho pensado no uso, tão errado, que lhe damos.

Não me interpretem mal - eu também tenho saudades de lugares e de pessoas. Mas às vezes pergunto-me se não se deveria guardar esse carimbo somente para onde ela seja imortal - como a certeza sufocante que carrego, há quase um ano e meio, de que não mais poderei abraçar um dos pilares da minha vida. Essa é a saudade justa, a incurável. A eterna.

Depois há as outras: a que nos carregam o peito de uma dor artificial, porque podemos matá-las mas não o fazemos. É quase como se gostássemos de sofrer.

Sentir saudades dos vivos só prova o quanto gostamos de levar a inércia e o orgulho avante. Ora porque sentimos a falta de alguém, mas recusamo-nos a ligar-lhe porque continuamos a achar que éramos nós os detentores da razão naquela discussão que tivémos em 2007. Ora porque até pensamos em ligar, mas nunca dá jeito. 

Ah, agora não posso porque vai dar a novela.
Hoje não, que joga o benfica.
Amanhã ligo, porque hoje está a chover.

Somos tão estúpidos que preferimos transportar as saudades desnecessárias até às derradeiras, só para depois nos podermos carregar de culpas e dizer quem me dera ter-lhe ligado, o que eu não dava para ter ouvido aquela voz mais uma vez!.

Bichos burros, povo saudosista - adoramos a lagrimita no canto do olho, não adoramos?

domingo, 19 de novembro de 2017

ontem,

[uma das primeiras coisas que te ensinei sobre mim foi que deixei de gostar do natal há muitos anos atrás. e tenho-o repetido, amiúde, de cada vez que alguma coisa me relembra de que essa porra acontece todos os anos. cansa-me o espírito de amor e magia artificiais, as falsas simpatias, a obrigatoriedade solene de parecermos todos felizes. de mostrarmos que o somos.

pensei nisto ontem, enquanto caminhava ao teu lado, envolvidos pelo frio gélido de uma noite de novembro. o natal é já ali. daqui a menos de duas semanas, terei a árvore de natal feita, mais por ser tradição do que por gostar realmente de a fazer. não tarda, seremos brindados com músicas alusivas à época em todos os centros comerciais, decorados até à exaustão, como se isso tornasse tudo mais real, como se nos transportasse para uma realidade diferente da nossa.

depois, olhei para ti. 
agarraste-me, beijaste-me no meio da rua. de repente, tomei consciência de que não faz mal que estejamos quase em dezembro, que haja anúncios de chocolates e brinquedos por toda a parte. dei-me conta de que, pela primeira vez em muito tempo, não há felicidade fingida nem mágoas guardadas a uma época que me traz sempre uma profunda angústia. este ano, estou suficientemente feliz para lidar com a mariah carey e os wham! em looping, sem sorrisos forçados ou o coração aquecido à força - o meu já está aconchegado e tranquilo, cheio daquela matéria incompreensível que faz as pessoas felizes.

obrigada por me teres ensinado o amor da forma mais inocente, e por me fazeres um bocadinho mais feliz, todos os dias. que venha o natal, e o início de um novo ano ao teu lado - desta vez sim, tenho motivos para sorrir. e para comemorar.]

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

acreditem ou não

Mal começa a ficar mais frio, podia recusar-me a fazer qualquer coisa, todos os dias, com a desculpa de que me dói a garganta. 

E seria sempre verdade, porque dinheiro a pessoa não tem, mas maleitas... oh oh!

terça-feira, 31 de outubro de 2017

lógica

Gozava comigo na escola. Agora mete like em todas as minhas fotos.

(e a parte gira é que isto aplica-se a uns três ou quatro gajos.)

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

os cães e os gatos à mesa (ou como perder seguidores num só post)

Não ia voltar a sacudir o tapete agora que a poeira assentou, mas ontem dei por mim a ler os comentários a um texto de alguém que é contra a lei que permite a entrada dos animais domésticos em cafés e restaurantes, e fiquei ligeiramente enojada com aquelas mentalidades. Mais revolucionários de sofá, desejos de morte e juras de que nunca entrariam num restaurante onde ela estivesse. A dada altura, tive esperança de que se tratasse só de gente muito brincalhona mesmo, depois quis acreditar que era doença. É um perigo coexistir com gente assim.

Esclarecendo: eu também não concordo. De forma alguma.
Para começar, há que ter em conta que os animais de estimação não são só cãezinhos e gatinhos; quem tiver um porco como animal de companhia, tem todo o direito de querer fazer-se acompanhar da criatura ao jantar. E quem diz um porco diz uma ovelha, aquela ovelha que o Xico Zé diz que só lhe falta o falar e é a companheira dos dias tristes. Uma cobra de estimação. Um canário amarelo.

Sim, faço parte daquele grupo de pessoas pouco habituada a ver o cão passar da soleira da porta. Felizmente, enquanto tive cães, sempre tive espaço para os ter fora de casa. E não consigo imaginar-me a viver de outra forma.

Tenho todo o respeito por quem os tem, e na casa dos outros não é da minha conta se o cãozinho borra o tapete ou lambe o lençol do dono. Não sou eu quem vai limpar, não sou eu quem vai dormir naquela cama. No entanto, e perdoem-me os ofendidinhos - estou a brincar, podem apedrejar-me que eu 'tou nem aí -, eu não gosto do cheiro a cão. Não há nada a fazer quanto a isso; tal como eu gosto do cheiro a gasolina e muitos outros detestam, eu não suporto aquele odor natural do cão, intensificado quando o pêlo está molhado. (Nem vou falar do que sinto quando vejo donos babados porque o cão lhes lambe a cara. A boca.)

Apesar de, aparentemente, pessoas como eu parecerem alliens num momento em que os protetores dos animais surgem em massa, não sou caso único. Há mais gente como eu. E, entenda-se, já me custa ir comer fora e ter de lidar com os guinchos das criancinhas, quanto mais ter de estar a ouvir 34 cães a arfar à minha volta, os donos a darem-lhe a comidinha do próprio prato, a deixá-los lamber a mão que depois levam à boca para tirar o caroço da azeitona e aquele restinho de carne nos dentes. Pior: pagar por isto.

Ah, então podes sempre ir a outro restaurante.
Claro. Porque os restaurantes agora são feitos a pensar nos animais e sou eu que estou errada, logo, sou eu quem tem de se mudar. Eu e todos aqueles que sofram de alergias ou fobias: somos nós que temos de evitar os cafés e restaurantes, sendo ou não os nossos sítios preferidos, porque os cães vão usufruir muito mais do que nós. E o consumo? Oh oh. Nós íamos só beber um suminho de laranja, e o bicho, se for preciso, até a empregada come. Tudo lucro.

Além disso, tenho para mim que esta é só mais uma das atitudes egoístas de quem se diz proteger os animais. Eles não estão naturalmente habituados a frequentar cafés e restaurantes, e não lhes faz falta - metam-nos a correr no jardim, na praia, no campo, e certamente vão estar bem mais felizes do que fechados numa sala com não sei quantos desconhecidos e não sei quantos animais. Há bichos que não se dão bem uns com os outros. Há cães que tentam brincar com qualquer pessoa na rua e há cães que rosnam só porque não gostam da nossa camisola de capuz. Resta-me uma ténue esperança de que haja o bom senso suficiente por parte dos donos para perceberem se aquele cão vai estar ou não sossegado num sítio desses. No entanto, depois do que li ontem, temo que estejamos, literalmente, entregues aos bichos.

Não consigo ver benefícios em levar os animais para estes espaços - mas se o objetivo é mostrar que somos todos iguais, que os animais são da família e não há motivo para diferenciar, sugiro-vos que comecem a dormir nos hotéis para cães e gatos também.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

a noite em que portugal não dormiu

Mais uma. Outra, entre tantas.

Desliguei a televisão há horas, convencida de que me seria mais fácil esquecer do que se passa para lá destas quatro paredes. No entanto, não fui capaz de parar de dar scroll nas redes sociais nem de fazer refresh no site dos fogos. É impossível dormir.

Há um misto de raiva, pânico e incredulidade dentro de mim. Não preciso dizer o quanto desejo uma morte lenta e dolorosa a cada criatura que se lembrou de contribuir para a fundação do inferno que hoje vivemos: creio que seremos mais de dez milhões a pensar o mesmo. Todos, menos os cabrões dos incendiários que escapam quase impunes enquanto destroem o país.

Estou desolada. 
Sinto-me pequena, inútil. Tenho cinzas na varanda e um nó no peito; aqui e ali vejo pedidos de pessoas que não conseguem contactar familiares encurralados pelo fogo - a dor e o desespero expressos em palavras de desconhecidos são tão reais que acho que se tornam de cada um de nós. Tomo-as como minhas. Apetece-me chorar por gente que nunca vi na minha vida.

Enquanto isso, estou aqui: sentada no meu quarto, incapaz de dormir, ciente da minha pequenez perante este monstro que continua a consumir vidas inteiras. Não há nada que possa fazer neste momento, senão esperar. Não há sítio onde possa ir, não há ninguém a quem eu possa ajudar. Resta-me assistir, à distância, e esperar que o dia de amanhã seja melhor. E que possamos todos fazer alguma coisa para corrigir o de hoje, dentro do possível.

Hoje, houve gente que perdeu o trabalho de uma vida inteira, e gente que perdeu a vida numa batalha inglória. Dizer que lamento não devolve nada a ninguém. Dizer que tenho vontade de chorar ao ver o rasto de destruição em sítios que conheço desde que me lembro de mim, e outros tantos onde ainda há tão pouco tempo me senti feliz, também não apaga incêndios nem cura feridas. Mas é a verdade. E é uma dor que não me deixa dormir.

Socorro-me de uma fé que não é a minha e imploro a um deus qualquer para que a tão apregoada chuva não se atrase, e para que todos aqueles que deixaram as famílias para ir combater os fogos possam voltar para os seus. Sãos e salvos.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

sinking

Perdi-me. 
Cheguei a um beco sem saída e todas as portas onde bato estão trancadas a sete chaves e ninguém está disposto a abri-las. Noutras tantas, sou eu quem não pode usar o batente. Volta e meia vejo alguém espreitar através da janela, e deixo que o meu peito se encha de fé para, logo a seguir, cair de joelhos. Estou cansada. Exausta. Cheguei aqui de mochila às costas e o regaço cheio de esperança, mas já a gastei; tudo o que tento construir, destrói-se quando viro as costas - convenci-me de que podia ser feliz, de que não tinha de me limitar a sobreviver como tantos outros. Acreditei que tinha escolha - mas não tenho. As soluções estão sempre à distância do horizonte, tão longínquas e inalcançáveis que há dias em que acho que vou desistir.

A vida acontece devagar, como se alguém, em jeito de piada de mau gosto, se tivesse lembrado de a fazer passar diante dos meus olhos em câmera lenta. Não me faz sentido, nunca me faz sentido: as respostas chegam a conta gotas e os poucos sonhos que mantive comigo começam a derreter no fundo da mala. Eu queria que tivesse sido diferente, queria ter sido mais feliz. Queria ter valido mais, significado mais - mas perdi-me. No sítio onde estou, sou nada. Sou nada todos os dias.

De repente, já é outubro e o outono recém instalado parece ser o segredo mais bem guardado dos calendários confusos por um verão que teima em ir muito além do seu tempo. E a falta que me faz o som das folhas estilhaçadas por baixo das minhas botas quentes, e o cheiro a castanhas assadas no ar frio que parece pronto a rasgar-me os pulmões. A falta que me faz sentir-me viva, todos os dias, e sentir que viver vale a pena, por todas estas pequenas coisas.

Hoje não sinto isso.
Hoje não sinto nada.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

amores rasgados ao meio

Eu estou aqui, joana. 
Vim àquela pastelaria onde vínhamos, religiosamente, todos os sábados de manhã, antes de eu ter deixado de ter tempo, mas hoje não pedi um café cheio, em chávena fria, nem um pastel de nata; hoje pareceu-me melhor quebrar o ritual e limitei-me a pedir uma garrafa de água só para ter uma desculpa para me sentar numa das mesas.

Escolhi a da janela, aquela que fica de frente para a igreja. Odiavas este lugar, porque te sentias sempre observada por quem passava na rua, apesar de a maior parte das pessoas passar cabisbaixa e com pouca vontade de ver o que estávamos a comer. Tu eras simples e não chamavas a atenção de quem não soubesse o mulherão que se escondia por baixo do ar humilde e acanhado.

Não conseguia deixar de olhar a porta daquela maldita igreja. Tinham-me dito que era hoje e não consegui resistir ao impulso de vir até aqui. Provavelmente, foi uma forma de me punir. De tentar acelerar o suicídio lento patrocinado pelos cigarros que se tinham tornado nos meus mais fiéis companheiros depois de te ter perdido.

Entre duas baforadas, peguei no telemóvel e marquei o teu número - tinha-o apagado da memória do cartão, mas nunca da minha. Não sei porque o fiz: não tinha nada a acrescrentar a tudo o que já te tinha dito, e nem tão pouco te queria estragar o dia, mas a perspetiva de ouvir a tua voz silenciou-me a razão. Confesso: também tinha alguma curiosidade de saber o que aconteceria. Nunca me tinha perguntado o que fariam os noivos no dia do casamento, se se limitavam a viver o momento ou se escondiam o telemóvel em sítios inimagináveis para poder dar uma vista de olhos no facebook e no instagram em cada ida à casa de banho. Ri-me. Nunca largavas o teu, e imaginei-te a escondê-lo no bouquet. Diverti-me a imaginar o ar de horror dos convidados quando ouvissem a música dos system of a down a sair diretamente do centro das rosas. Não atendeste. Claro que não.

Esmaguei o cigarro no fundo do cinzeiro enquanto sentia o mesmo a acontecer com o meu coração. Mais uma vez.

Já se tinham passado mais de dois anos desde o dia em que me disseste que ias sair de casa. Não acreditei; achei-te sempre demasiado fraca para que fosses capaz de arrastar uma mala pela gare com todos os teus sonhos. Com a tua vida toda - enganei-me bem. Levaste os teus e os meus. Levaste a tua e a minha.

Nos três primeiros dias, não voltei a casa. Mantive-me o mais ébrio que me foi possível para não me lembrar de nada, dormi num banco de jardim e numa pensão rasca com mais três espanhóis. Valia tudo para não ter de encontrar a nossa casa semi despida - mas depois, com a roupa imunda e meio rasgada, achei que era hora de voltar.

Quando entrei, quis arrumar as malas e sair de vez. Livrar-me da casa onde fomos felizes, recomeçar do zero - depois consolei-me com o pouco que me restava de ti. O teu cheiro na roupa de cama, a escova de dentes esquecida, o frasco de shampô quase vazio que não quiseste levar. Demorei mais tempo do que me orgulho a ter coragem de trocar os lençóis, e mais ainda a passar um dia sem chorar. Demorei demasiado tempo, minha joaninha. Demorei demasiadas lágrimas tuas a tentar perceber o que te fazia chorar.

Dizia-te sempre que não entendia em que medida te poderia estar a fazer mal: ao fim de nove anos juntos, dava-te tudo quanto podia, pagava todas as despesas, oferecia-te flores no vigésimo primeiro dia de cada mês para te mostrar que nunca me esqueci do nosso dia. E mesmo assim, queixavas-te - de que nunca te ouvia, de que nunca íamos a lado nenhum, de que nunca te ajudava em casa, de que nunca mais te tinha abraçado. A verdade é que às vezes mal dava por ti, e quase nunca reparava realmente nas coisas que fazias. Elas apareciam feitas, e isso bastava-me.

Amava-te como se ama a mulher das nossas vidas, mas via-te como a empregada doméstica a quem eu oferecia flores. Desculpa-me, meu amor, mas eu vivia com a cabeça no trabalho para te poder dar tudo, e esqueci-me de te dar o mais importante. Por mais anos que viva, nunca me hei de perdoar pela forma como te fui perder - percebi, quando te deixei no comboio, que não havia nada a fazer. Estavas cansada da forma como te tratei, e de nada me adiantaria prometer que seria diferente. O daniel com quem te mudaste, com quem pintaste paredes e estreaste os pratos, tinha ficado perdido no tempo. Já não existia. 

Há danos irreparáveis quando se lasca um amor assim. Eu tinha matado o nosso, lentamente.

De repente, a porta da igreja abriu-se. Vi os convidados a sair, a alinharem-se nas escadinhas, de ambos os lados da porta. Sorri. Sempre disseste que ias odiar que te enchessem o cabelo de arroz no dia do teu casamento, mas, ali, à distância, pareceu-me que estavas condenada. Rezei para que estivesses tão feliz que isso nem importasse - e, quando te vi, finalmente, tive quase a certeza, a avaliar pelo teu sorriso, de que as minhas preces foram ouvidas. Estavas mais bonita do que nunca. A felicidade fica-te muito bem, e lamento não te ter sabido vestir essa roupa, tanto quanto lamento não ser o homem que saiu contigo, de braço dado, da igreja. 

Acendi outro cigarro à saída da pastelaria, mesmo a tempo dos nossos olhares se cruzarem.
«Cheguei tarde, não cheguei?», perguntei, baixinho, a mim mesmo. Sei que não me ouviste, mas vi-te um sorriso matreiro nos lábios, como quem diz:

«tu nunca soubeste chegar a horas.»

E não mesmo. 
Que sejas muito feliz, amor da minha vida.

hoje, por alturas da tpm

A pessoa mete uma playlist bem deprimente a tocar e decide que hoje, só hoje, se pode dar ao luxo de debulhar-se em lágrimas porque as últimas 24h não foram nada fáceis e os últimos 22 anos foram piores ainda. 

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

[palavra de honra que, volta e meia, olho para ele e ainda não acredito que tenho um homem tão bonito ao meu lado]

O mundo gira todo à volta do mesmo, mas ninguém sabe bem o que é; somos todos leigos, somos todos estúpidos, mas todos falamos de amor com a mesma veemencia, crentes de que somos detentores da definição mais acertada, da verdade absoluta. E somos, no fundo. Cada um da sua - e tu transformaste-te na minha.

Disse-me sempre descrente no amor, mas essa talvez não seja a verdade mais honesta: no que eu não acreditava mesmo era nas pessoas. E ainda não acredito, tenho de admitir. O cocktail de bondade, respeito e simplicidade está a cair em desuso, e parecia-me cada vez mais impossível conseguir encontrar uma pessoa que fosse A Pessoa. Que me fizesse crer que ainda vale a pena entregarmo-nos. E depois apareceste.

Nunca concordamos sobre isto, mas eu juro que me apaixonei por ti sem pressa nenhuma. Eu nem me queria apaixonar! Tinha delineado a minha vida a régua e esquadro quase como uma sentença. Ou uma redenção. Já não queria saber, só queria livrar-me do desassossego constante de nunca conseguir confiar. Mas tu... tu salvaste-me dos planos maquiavélicos que tinha para mim mesma. Fizeste-me ver que ainda existia mais vida além dos limites que me impus e que poderia ser muito mais feliz do que achei sempre que merecia. Obrigada. Já te tinha agradecido hoje?

Devagarinho, mostraste-me uma inocência que eu jurava a pés juntos já não existir. A calma. A despretensão. A inteligência combinada com a humildade de quem está sempre pronto a aprender mais. A bondade de nunca troçares, seja de quem for, de nunca seres indelicado, de tentares sempre ver o mundo segundo os olhos de quem te observa. E uma sensibilidade a cada história que ainda não deixou de me surpreender. Tornaste-te, em primeiro lugar, no meu melhor amigo. Depois, no meu namorado - é ou não é a combinação perfeita?

Ensinaste-me o amor sem medos. Fizeste-me perceber que não há mal nenhum em expressar o que sinto e que há uma dose de carinho especial em cada tem cuidado. Em cada abraço, em cada beijo na testa, em cada eu vou-te proteger sempre. É assim mesmo que me sinto: protegida. Segura. Pela primeira vez na minha vida, não tenho medo porque sei que posso confiar em ti. E isso... amor, meu amor, vale ouro. 

Hoje é dia 28 outra vez. 
Talvez não seja a data mais certeira para assentar o nosso início, nem um beijo num parque de estacionamento a forma mais romântica de se consumar o princípio de uma relação, mas depois de todas as curvas da nossa história, mas nunca nos demos ao trabalho de fingir que precisámos de um dia para decidir que queríamos ficar juntos, e na verdade foi nesse momento que eu percebi que era a sério. E que ia correr tudo bem. 

A ti, só posso desejar o melhor. E que continuemos a somar dias 28 pela vida fora, juntos.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

nunca entendo

Há uns três ou quatro meses atrás, jurava a pés juntos que não queria mais homens nem relações sérias na vida dela. Hoje publicou uma foto de casal, de aliança no dedinho.
Está certo.

domingo, 24 de setembro de 2017

call me capaz

Espanta-me que, no meio de tanta feminista raivosa, ainda ninguém se lembrou de que nunca existirá igualdade de géneros enquanto não meterem urinóis também na casa de banho das mulheres.

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

sobre a febre das corridas

Se, há 3 meses, me tivessem dito que em algum momento da minha vida eu iria publicar fotos minhas numa poça de suor e com o ar feliz de quem sente dores em músculos cuja existência desconhecia, ter-vos-ia chamado, no mínimo, parvos. Mas já o fiz, mea culpa.

Diz-se por aí que correr é moda - vivo melhor com isso do que com aquela dos ténis com pompons. Pouco importa o que leva alguém a calçar as sapatilhas naquele primeiro dia em que está mais ou menos certo de que vai correr 200 metros e cuspir um pulmão. O importante é que, ainda assim, as calcem e vão para a rua; quanto ao pulmão cuspido, relaxem e rezem para que o que sobra não salte fora nos 200 metros seguintes. Era chato.

Eu comecei quase por acaso. Durante muito tempo, preferi queixar-me da incompatibilidade dos meus horários loucos com os do único ginásio cuja mensalidade não me custava um rim e metade da família. Talvez por preguiça, talvez por ter ainda demasiado presentes as memórias daquela pequena lontrinha que não era capaz de dar duas voltas seguidas a correr ao campo da escola, descartei sempre a melhor e mais maravilhosa de todas as hipóteses: treinar às horas que bem me apetecesse e totalmente grátis. 

Provavelmente por estar cansado de me ouvir, um dia perguntou-me por que raio eu não começava a correr - nesse momento, foi como se tivesse visto a luz e descoberto a cura para todas as doenças e o caminho para a paz no mundo. Não que nunca me tivesse passado pela cabeça, mas faltava-me a coragem para começar - se não tivesse sido ele, ainda hoje andava por aí a choramingar pela falta de exercício físico. Eu não acreditava em mim, mas ele acreditou por isso safoda. Vim dar ao mesmo lugar.

Lembro-me do meu primeiro dia: saí do turno da noite, depois de 17 horas de trabalho, e fui correr. Ao fim de 15 minutos, tinha desistido da vida e estava pronta para tomar banho e enfiar-me na cama. Depois, nunca mais parei - minto. Esta era a frase perfeita, mas não é a verdadeira. Engonhei durante algum tempo. Senti-me estupidamente orgulhosa quando corri 20 minutos sem parar. E depois quando consegui fazer os meus primeiros 4km - deixei-me estar por aí. Já era um marco histórico na minha vida de lontra, e duvidava sinceramente que fosse capaz de mais.

E não é que era?
Frustrada por me sentir estagnada e demasiado lenta, procurei uma aplicação com um plano de treino diferente que me pudesse ajudar. Encontrei - faz hoje, precisamente um mês, e fez toda a diferença.
Se calhar eu nem precisava realmente de um senhor brasileiro a viver dentro do meu telemóvel e a dar palpites sobre como devo viver a minha vida mas, estranhamente, deu-me um novo fôlego e fez-me não desistir.

Descobri o prazer da competição contra mim mesma: todos os dias me tento superar, e todos os dias me surpreendo com essa versão de mim que vivia escondida por baixo das três mil camadas de banha - mais uma mentirinha. Também tenho dias maus, dias em que fico zangada porque não consigo cumprir o objetivo - mais do que o da aplicação, o meu. Outro há em que me dou ao luxo de meter a meta onde bem me apetece e fazer-me ir mais longe do que da última vez - hoje foi um desses dias. Eu não sabia que conseguia correr 5km, quanto mais 10! Mas sou. Caramba, este corpo, que tanto desprezei, é capaz de coisas que eu nunca pensei.

Não sou a melhor. Não tenho grandes ambições no que a provas diz respeito - tenciono melhorar-me a mim mesma, só. E, quando acabo um treino exausta, com dores em todo o lado, a gotejar suor, sinto-me tão bem que fui capaz de me tornar numa dessas pessoas que publica fotos nesse estado. Podem não ser as mais bonitas, mas é onde estou mais genuinamente feliz - o orgulho assenta-me mesmo bem.

terça-feira, 12 de setembro de 2017

lontras will be lontras

Então, a pessoa lembra-se de experimentar uma receita de panquecas saudáveis, com iogurte grego, numa de ensaiar pequenos almoços menos monótonos do que uma barrita de cereais - e faz.
Orgulhosa das panquecas saudáveis, a lontra prova-as e pensa: 

iam mesmo bem com nutella

(E não é que vão mesmo?)
Não há salvação possível.

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

o meu lado de gustavo santos

É engraçado.
Vivemos a dizer aos outros que nada é para sempre, que o que temos de mais certo na vida é a mudança constante, mas esperamos sempre que a nossa se comporte como uma menina de bem e siga em linha reta, tal como nos nossos planos. Ah, mas a vida, essa filha da puta... ela gosta mesmo é de nos baralhar as ideias.

Foi o que aconteceu comigo.
Em meia dúzia de meses, vi um par de sonhos a ir por água abaixo - não por se terem tornado, de repente, inconcretizáveis, mas porque deixaram de se enquadrar e de fazer sentido naquilo que percebi ser o que eu mais queria para mim. Lá está: nada é estático, nem mesmo esses desejos empoeirados dos quais jurámos a pés juntos que nunca nos iríamos desfazer mas, aí, tudo muda.

E depois?
Depois é um susto do caraças. Acho que continuo ligeiramente assustada, para vos ser franca: passar a vida toda a achar que se sabe perfeitamente o que se quer para, de repente, perder o pé e não se fazer ideia de para onde se está a ir, dá medo. Acredito que não estejamos sozinhos: no fundo, ninguém tem respostas concretas nem certezas definitivas, mas estamos todos mais ou menos convencidos de que o certo é aceitar uma qualquer verdade como sendo a absoluta e levá-la connosco ao longo dos anos. Eu não estava para isso.

Fechei portas que pensei que quereria sempre abertas de par em par; hesitei na hora de meter a mão na maçaneta, mas depois puxei-as com força. É precisa uma boa dose de coragem para cometer um par de loucuras em prol da felicidade. Mas lá está: é preciso. É imperativo que se lute sempre pelo que nos faz mais felizes, e não deixar que as vozes de um povo, que se quer eternamente sofredor, nos façam desistir: é verdade que é tudo muito difícil, mas não é por isso que temos de sorrir e acenar a condições que nos matam aos poucos. Não nascemos todos para ser a maria amélia a quem nada na vida agrada. Às vezes, as pessoas querem mesmo fazer algo por si: deixem-nas ir. Não sejam mal fodidos e aceitem que há quem não goste de choramingar pelos cantos.

E agora estou aqui.
Meio perdida, mas mais que salva da vida que planeei para mim mesma numa fase em que acho que não queria realmente viver; às vezes ainda tenho medo dos sítios onde o futuro me pode levar. Outras, apetece-me abraçar essa incerteza com toda a alegria de quem fugiu da previsibilidade dos dias arrastados: caramba, eu posso ir a qualquer lugar, posso ser qualquer coisa. Para quê ser outra coisa que não estupidamente feliz?

Tive medo. 
Tive muito medo ao início, mas ainda não senti o mais leve arrependimento. Vale a pena correr riscos, alforrecas. Vale a pena lutar por dias melhores, vale a pena não se conformarem ainda que pareça mais seguro e confortável não dizer nada e continuar infeliz - e, se está tudo a preto e branco, o melhor é pintar com outras cores. Só para complicar. E para ficar mais bonito.

queixo levantado e passo confiante

Isto das lavandarias, espalhadas por aí a céu aberto, é muito giro e dá muito jeito, mas confesso que senti que tinha encarnado uma maria clotilde na primeira visita à cidade quando dei por mim a atravessar o parque de estacionamento com um alguidar de roupa lavada nos braços.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

no meu tempo é que era bom, dizia a minha avó

Contactar com as crianças faz-me temer a procriação: old school no alto dos meus 22 anos, olho para os monstrinhos de hoje como se tivesse nascido há três séculos atrás. Eu já não percebo nada disto; chamem-me tacanha, mas faz-me confusão ver criaturinhas, que ainda só têm dois dentes na boca, a manobrar um smartphone melhor do que eu. Choca-me, por assim dizer.

Quanto mais o mundo avança, mais os pequenos cérebros estagnam. Ficam emperrados com tanta falta de uso: somos todos pela lei do menor esforço e pelas crias sossegadas, conectamos os putos à internet mal nascem, para que possam ter um facebook antes do cartão do cidadão. É mais fixe porque se pode usar filtros, o que dá muito jeito quando expulsamos um pequeno alien pelas partes baixas. 

São todos príncipes, claro. Fazem sessões de fotos incríveis, todos nus, dentro de cestos, em posições de yoga, essas coisas todas. Aquilo de ir ao fotógrafo lá da rua e tirar uma foto num tapete de pêlo é coisa do passado: agora quer-se é tirar fotos com uma produção ao nível das grandes estrelas. E nem assim o puto fica bonito. Ups.

Faz-me confusão, desculpem lá. Os miúdos são cada vez menos miúdos e mais nenucos; as mãezinhas raivosas vivem empenhadas em mostrar que têm a cria mais bonita, com a melhor sessão fotográfica - pelo preço de três ordenados mínimos - a festa de anos mais escandalosamente ridícula. E, claro, o que melhor dominar as tecnologias: 10 pontos para ligar ao pai antes dos dois anos, 15 por abrir o facebook, 50 se souber utilizar filtros e hashtags no instagram. Tudo para que estejam calados e não dêem trabalho.

Eu tenho pena. 
Cresci naquela altura em que, o único contacto com um computador, era uma aula de informática, de quinze em quinze dias, onde nos ensinavam a criar um email e a abrir o paint. Brincava na rua, sentava-me na terra. Falava sozinha, com as minhas bonecas, imaginava cenários, histórias. Pensava - é uma coisa que os mostrinhos mais novos sabem cada vez menos o que é, porque as brincadeiras lhes são servidas de bandeja. Ou de tablet.

É assustador. Mas, pior do que tudo, é que de nada me vale dizer que vou ser diferente - vai ser cada vez mais difícil criar miúdos como miúdos, e não como robots produzidos em massa. Vai ser cada vez mais difícil afastá-los desse mundo maravilhoso onde não têm de pensar muito - e eu bem posso tentar convencer-me de que vou ser diferente, mas não vou. 

Quando chegar a minha altura de ser uma mãezinha raivosa, vou ser igual às outras todas.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

porquê?

Não consigo entender aquela mania dos casais dizerem estamos grávidos! Tenho uma novidade: ela está. Vocês, machos alpha, não estão - e, lá porque fizeram um depósito de esperma, ninguém vos garante que a moça não vai fugir com o pote sagrado e a vossa cria lá dentro.

Deixem-se disso, vá.

sábado, 2 de setembro de 2017

cheat day ao contrário

Dá para perceber que algo não está a correr bem nesta pobre cabeça quando, segundo o meu plano de treino, só deveria correr amanhã mas, por qualquer motivo, está-me a apetecer tanto ir correr hoje que faço questão de o alterar.

Ensandeci. É oficial.

curtas

Uns 6 meses depois, volta e meia olho para ele e ainda me custa acreditar na sorte que tive por o ter encontrado. Palavra de honra. 
Sinto que descobri uma pepita de ouro.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

quando os mortos regressam da morte, oh hell

Decorria tranquilamente o ano de 1928 quando, numa noite em que a sobriedade foi deixada em casa, acabei a dançar o jajão com um mocinho. Sim, o jajão - e isto é ótimo para situar a ação no tempo. Estão a pensar há quantos anos andávamos nós a cantar era só jajão? Três. Three. Trois.

Não posso dizer que em algum momento tive a ilusão de que era o homem da minha vida, apesar de esse facto se ter confirmado numa fase muito prematura da nossa pseudo-relação; assim como assim, era livre que nem um passarinho e fui conversando com a criatura numa boa, sem que tivesse chegado a acontecer o que quer que fosse entre nós. Graças a deus.

Mais tarde, descobri-lhe umas mentiras, cansei-me de histórias enroladas e mandei-o às couves. Ressuscitou uns meses depois - fui rápida a matá-lo novamente e nunca mais tive notícias do gajo.

Até hoje.
Quase três anos depois do último ataque, mais de três anos depois da fatídica noite em que dançámos o jajão, por algum motivo que me transcende, o ser mais-que-falecido nos recônditos da minha memória, enviou-me uma mensagem a meter conversa.

Repito: perto de três anos mais tarde.
Será que ficou este tempo todo à espera de que eu me esquecesse da falta de valores - e da de noção - e lhe desse outra oportunidade? 

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

e é isto

Candidatei-me a todas, mas literalmente todas, as vagas de emprego disponíveis, para as quais eu preenchia os requisitos, de uma mesma instituição. Ou acham que sou uma pobre stalker louca, ou arranjam um espacinho para mim.

é coisa séria

Quero deixar aqui um grande beijinho, e expressar a minha admiração, por todas as pessoas fantásticas que, além de saberem o número de telemóvel e o nif de cor, ainda são capazes de se lembrar das passwords.

Parabéns! Aposto que não estão sozinhos no mundo, embora eu não me enquadre no vosso grupo.

note to self

Quero nunca mais me esquecer de que a dor passa, se lhe dermos tempo. E que as histórias mal resolvidas, as pontas soltas, os ses e os mas, também cabem na gaveta para onde já nem queremos olhar - as feridas saram, mesmo as mais difíceis, mesmo as mais profundas. Mesmo as que mais doem na altura, também fecham. E, um dia, as dúvidas entram no campo da indiferença e o passado arruma-se por si no sítio onde pertence.

Quero nunca mais me esquecer do bem que me soube lembrar-me de alguém que marcou o meu passado e não sentir absolutamente nada. 
Nem saudades.

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

cuidado com a escolha de palavras

Li um anúncio de emprego de uma senhora que se oferece para limpar, cozinhar e passar a ferro.

Estou a ponderar ligar-lhe. É raro, hoje em dia, encontrar pessoas tão generosas.

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

a odisseia das entrevistas

Sabem quando vocês se candidatam a um emprego que vos entusiasma mesmo e ficam meio ansiosos à espera de uma resposta? Ahhh, eu sei! Esses são exatamente os filhos da puta que nunca vos chegam a responder, nem sim nem sopas. Mas depois os insólitos acontecem.

Na quarta feira, as limpezas aqui da gata borralheira foram interrompidas por um telefonema: um homem, com uma voz arrastada que eu diria que pertencia a alguém com o quadruplo da minha idade, informava-me que eu tinha sido selecionada, entre muitos candidatos, para a entrevista numa imobiliária. Fixe. O único problema é que eu nunca - ou vá, não me lembro - me candidatei a tal.

Como uma pessoa está naquela fase safoda da vida, em que tanto se vê a enveredar pelos caminhos da construção civil e tornar-se numa pedreira de palito na boca, ou de se transformar numa trapezista de renome e fugir com o cirque du soleil, decidi ir, ainda que me cheirasse levemente a esturro. E fui.

O primeiro drama começa na minha orientação perfeita: isso de sair do comboio e saber qual o autocarro que tenho de apanhar, reconhecer os números, os sítios onde páram, conhecer as ruas pelos nomes para poder dizer onde vou - a sério, é coisa do diabo. Tive sorte: o motorista era simpático e teve paciência para me aturar. Podia não ter tido, e nem ia fazer ideia onde que raio era suposto eu descer.

E depois, fazer tempo - aproveitei para ir pesquisar porque me ocorreu que era simpático saber ao menos a que raio me estava a candidatar. Encontrei um anúncio: talvez fosse aquilo. Devia ser - no entanto, já ia mentalizada de que a realidade não seria aquela.

Acabei por entrar na agência bem antes da hora marcada, e por fazer logo a bendita entrevista. Como mulher segura e confiante que sou, decidi começar por apresentar o meu cartão de visita mal cheguei, para que o homem se apercebesse de imediato que estava a lidar com uma atrasada mental: assim que se aproximou de mim, de manápula estendida para me cumprimentar enquanto dizia boa tarde, cheio de simpatias, eu levantei-me, apertei-lhe a mão e respondi: com licença! Mas a sorrir, porque sou uma retardada simpática.

Do resto da entrevista, há pouco a contar: desconfio sempre de quem faz tudo parecer demasiado fácil, demasiado bom. E as condições também não são coisa para me fazer sequer repensar na hipótese de me tornar numa deles - e, claro, nada a ver com o anúncio.

Já livre, fui até uma paragem de autocarros, de onde estava a sair um, já que eu não fazia a mais pequena ideia de qual teria de apanhar a seguir. Disse-me um senhor, que permanecia sentado no banco da paragem como se de um banco de jardim se tratasse, que era exatamente aquele que deveria ter apanhado, mas que daí a 15 minutos ele voltaria a passar.

E foi isto: o ponto alto do meu dia foi sentar-me ao lado de um senhor, com idade para ser meu trisavô, a observar as pessoas que iam chegando ao velório, do outro lado da estrada, e se cumprimentavam com o ar feliz e jovial de quem tinha passado a tarde na praia e a seguir ia mamar umas caipirinhas com os amigos. Tudo isto, à espera do sete. (shame on me, só conseguia pensar nisto)