terça-feira, 5 de dezembro de 2017

a saga das entrevistas: de cinderela a escrava

Infelizmente, esta não teve tanta piada quanto a primeira, mas também me parece importante que se fale destas coisas.

Escassos dias depois da tal entrevista, recebi outra chamada. Vi-me e desejei-me só para descobrir quem era, porque a qualidade da ligação estava ali ao mesmo nível da minha beleza, e porque tudo quanto é recrutador neste país acredita piamente que uma pessoa à procura de emprego se candidata a uma única vaga, numa única empresa, e fica três meses à espera de obter resposta antes de partir para outra. Portanto, não vê a necessidade de se identificar convenientemente e explicar a que raio de vaga se refere; nós adivinhamos.

Procurei, pelo pouco que tinha conseguido perceber, por entre os meus emails enviados e acabei por me aperceber de uma coisa curiosa: no espaço de, exatamente, um mês, eu tinha-me candidatado duas vezes à mesma vaga, na mesma empresa, mas com referências diferentes. Achei estranho, mas não tinha nada a perder, e podia ser algo interessante.

Chegada ao local, converso com um casal. Descobri mais tarde, e porque sou uma stalker competente, que são marido e mulher - contudo, não se deram sequer ao trabalho de se apresentar na entrevista e eu descobri os nomes deles através do facebook.

Algo não estava a bater certo.
Candidatei-me àquela vaga porque, apesar de não ter formação na área nem ter experiência, preenchia os requisitos mínimos. Acredito mesmo que poderia ter tido aquele trabalho, uma vez que envolvia, em grande parte, escrever, e não era exigido mais do que o 12º ano. Contudo, a entrevista foi conduzida por forma a diminuir-me ao máximo, realçando a minha inexperiência a cada 30 segundos, referindo que tinha poucos estudos, que estavam a correr um grande risco ao apostar em mim.

Tudo certo até aqui. Ou mais ou menos, mas a questão da inexperiência dá todo um outro post.
O que começou por me parecer mesmo muito estranho foi a incoerência: rebaixavam-me como se eu fosse acéfala e tivesse passado os últimos 22 anos a viver numa gruta, mas pareciam mais desesperados para que eu aceitasse ficar com o emprego do que eu estava por o aceitar. Chegaram a referir que tinham mais uma entrevista a seguir, mas não colocavam sequer a hipótese de gostarem mais do outro candidato; o lugar era meu, bastava eu querer.

E porquê?, perguntam vocês.
A ideia era fazer um estágio profissional. Honestamente, isso não me incomoda; por ser uma área interessante e bem diferente daquela em que tenho formação, acredito que seria bom para mim. O problema é que, e dada a minha inexperiência, poucos estudos e tudo e tudo, a sugestão deles seria que eu passasse um mês à experiência, até eles pedirem o estágio profissional. Isso, sem receber. Um mês, diziam eles, até que o estágio profissional fosse aprovado. 

Por não gostar de fechar portas sem ter a certeza, disse-lhes que responderia mais tarde, alegando que precisava de conversar com os meus pais, uma vez que passar um mês a deslocar-me para o local teria custos, e aceitar não ser remunerada não era uma decisão que eu pudesse tomar de cabeça quente.

Eu sabia que o processo de aprovação dos estágios profissionais era lento, beeeem lento, mas resolvi dar o benefício da dúvida e informar-me com quem de direito. No centro de emprego, foi-me dito que agora os estágios só podem ser pedidos entre 15 de novembro e 31 de dezembro, e que só após o término desse prazo é que estes começam a ser avaliados. Ou seja, contas bem feitas, e já que eles não pensavam pagar-me até que o IEFP aprovasse o estágio e, sendo otimista, talvez começasse a receber alguma coisa pelo meu trabalho lá para fevereiro ou março. 

Posto isto, e porque eu sou uma pessoa de palavra, enviei-lhes um email a explicar que tinha resolvido informar-me e que, apesar de não ser uma entendida no assunto, até porque não tenho muita experiência nem muitos estudos, a minha sugestão, já que tinham tanta urgência em encontrar uma pessoa para o lugar, passaria por experimentarem pagar a alguém para trabalhar para eles.

Despedi-me desejando-lhes a melhor das sortes na busca de alguém disposto a trabalhar para aquecer; responderam-me, novamente, com os ataques subtis da entrevista, que não era nada assim, que nunca foi dito que não me pagariam após esse mês de experiência - o que é verdade. Decidiram dar a entender que o estágio seria aprovado quase imediatamente. Acabaram a resposta com a brilhante conclusão de que tinham ponderado correr o risco de apostar em mim, mas eu tinha perdido todas as hipóteses ao redigir aquele email em tom jocoso.

Como se eu quisesse ter a mínima hipótese numa empresa que faz de um trabalho, com um nível de complexidade mínimo para qualquer pessoa que saiba ler e escrever um bicho papão, ao ponto de ter de trabalhar um mês à borla. For sure.

Agora lamento não me ter ocorrido concluir a resposta com chave de ouro; acredito que aquele email tenha dito o suficiente acerca da minha perspicácia e proatividade. E, vejam só, não demorei um mês a escrevê-lo.

2 comentários:

i. disse...

Oh, meu Deus! Infelizmente, não és a única pessoa que conheço a quem oferecem condições assim... Já me candidatei a um estágio profissional (não fui aceite) e uma das primeiras coisas que me disseram foi "o estágio já está aprovado". Isto sim, faz sentido. Enfim!

ernesto disse...

Muito, muito triste. Normalmente, quando são empresas decentes, pagam até que o estágio seja aprovado. Eu ia gastar bastante em deslocações para nada... e uns bons meses!