domingo, 14 de junho de 2020

black lives matter... e as outras todas também.

Às vezes sinto que sou o velho que segue feliz da vida na autoestrada sem perceber por que caralho decidiram todos os outros andar em contramão - e, por esse mesmo motivo, fiquei quieta enquanto o mundo falava do George Floyd como se fosse aquele amigo de infância de toda a gente, e publicava imagens pretas. Tentei ver o mundo pela mesma perspetiva, mas devo estar a precisar de trocar as lentes.

Tentei, tentei, mas não vi o que todos viram. Gerou-se todo um movimento muito bonito, com tanto direito a um blackout no instagram quando a desacatos, a mais violência, para relembrar o mundo de que temos de abolir o racismo. É lindo, é nobre, porém não consegui identificar o racismo naquele vídeo - pode ser um problema com a minha internet, que nem estou satisfeita por aí além com a NOS, mas não vi o que os outros viram.

Vi uma violência barbara. Vi um homem tirar a vida a outro, quando não há nada que o justifique neste mundo. Vi uma pessoa a implorar que o deixassem respirar, e a acabar por morrer sufocado. Mas continuei a não conseguir encontrar o momento exato em que houve essa transição entre a violência gratuita e o racismo.

No fundo, não serão os verdadeiros racistas os que partem do princípio de que o Floyd morreu unicamente por ser preto? Não será essa interpretação o reflexo da culpa por julgar diferente alguém com outra cor de pele?

As pessoas entregaram-se às causas e à ideia de que temos de gritar sempre por qualquer coisa, mesmo que não importe muito bem o quê: assistimos a atos violentos todos os dias. Cá e lá. Polícias ou civis - mas se fosse branco, ninguém iria perder o seu tempo para ir para a rua. Seria só mais um dia normal nos estados unidos. A prova disso foi pouco se ter falado do senhor idoso que, durante as manifestações, foi empurrado por um polícia, bateu com a cabeça e ficou a sangrar no chão sem que alguém o ajudasse -  porque era branco, e se era branco não há problema.

Estamos a avançar para uma era em que nada do que fuja do normal pode ser comentado: posso dizer que não gosto de homens com lábios carnudos, mas não posso dizer que não consigo achar a maior parte dos pretos bonitos por essa ser uma característica dominante, porque já vai aparecer alguém a dizer que sou racista. Posso dizer assumidamente que não gosto do corpo da carolina patrocínio, mas não posso dizer que não gosto do corpo de uma qualquer modelo plus size, porque isso já é gordofobia. E se por acaso me ocorrer dizer que o que tenho visto no tiktok me faz pensar que começa a ser uma moda entre os miúdos dizer orgulhosamente que pertencem à comunidade LGBT só para parecerem diferentões e super open minded, há de aparecer alguém a chamar-me homofóbica. Nada disto poderia estar mais longe da verdade -  mas sou a favor da liberdade e, sobretudo, do não exagero.

O preconceito existe em todo o mundo, e portugal está muito longe de ser exceção - e não tenho dúvidas de que haja muita gente a sofrer preconceito por ser preto, mas não acho que seja menos válido do que ser discriminada por ter nascido com uma qualquer malformação e, a não ser que por lapso não se tenham lembrado de me convidar, nunca vi ninguém organizar uma manifestação para me lembrar de que afinal tenho um lugar no mundo. 

Tudo o que é demais acaba por cair no ridículo: perdi seguidores por ter dado a minha opinião relativamente ao feminismo exacerbado, e estou mais ou menos convicta de que acontecerá o mesmo depois de me opor novamente ao que dizem as massas, mas não me faz sentido ir para a rua neste momento gritar pelo fim do racismo quando o preconceito existe em todas as formas imagináveis, pelos motivos mais ridículos. E todos eles precisam de ser debatidos, todos eles precisam de ser encerrados de uma só vez, sem desprezar, sem se agarrarem ao grito do ipiranga que estiver em vigor na altura só para parecer ser uma pessoa do bem - aposto que, no meio daqueles milhares de pessoas que ignoraram a distância de segurança e foram para a rua gritar, estariam algumas das que me fizeram sentir que não pertencia por ter um nariz torto, ou por ser gorda, ou por ter roupas da feira. Afinal, como é? Se tivesse nascido preta, estava absolvida de todos estes pecados?

Não me fodam.
Abram os olhos, sejam críticos com o que se passa à vossa volta: assistimos a atos absolutamente condenáveis todos os dias. Também em portugal já tivémos polícias a agredir pessoas. Brancas. Temos exemplos de pais capazes de matar filhos de forma brutal, colegas a matar alguém só porque não queria mais do que isso. Isto acontece todos os dias, e não é só aos pretos, ou aos gordos, ou aos gays - antes de tudo, antes de todos, está a violência. Querem gritar, querem revoltar-se? Que seja contra ela, acima de tudo.