segunda-feira, 16 de outubro de 2017

a noite em que portugal não dormiu

Mais uma. Outra, entre tantas.

Desliguei a televisão há horas, convencida de que me seria mais fácil esquecer do que se passa para lá destas quatro paredes. No entanto, não fui capaz de parar de dar scroll nas redes sociais nem de fazer refresh no site dos fogos. É impossível dormir.

Há um misto de raiva, pânico e incredulidade dentro de mim. Não preciso dizer o quanto desejo uma morte lenta e dolorosa a cada criatura que se lembrou de contribuir para a fundação do inferno que hoje vivemos: creio que seremos mais de dez milhões a pensar o mesmo. Todos, menos os cabrões dos incendiários que escapam quase impunes enquanto destroem o país.

Estou desolada. 
Sinto-me pequena, inútil. Tenho cinzas na varanda e um nó no peito; aqui e ali vejo pedidos de pessoas que não conseguem contactar familiares encurralados pelo fogo - a dor e o desespero expressos em palavras de desconhecidos são tão reais que acho que se tornam de cada um de nós. Tomo-as como minhas. Apetece-me chorar por gente que nunca vi na minha vida.

Enquanto isso, estou aqui: sentada no meu quarto, incapaz de dormir, ciente da minha pequenez perante este monstro que continua a consumir vidas inteiras. Não há nada que possa fazer neste momento, senão esperar. Não há sítio onde possa ir, não há ninguém a quem eu possa ajudar. Resta-me assistir, à distância, e esperar que o dia de amanhã seja melhor. E que possamos todos fazer alguma coisa para corrigir o de hoje, dentro do possível.

Hoje, houve gente que perdeu o trabalho de uma vida inteira, e gente que perdeu a vida numa batalha inglória. Dizer que lamento não devolve nada a ninguém. Dizer que tenho vontade de chorar ao ver o rasto de destruição em sítios que conheço desde que me lembro de mim, e outros tantos onde ainda há tão pouco tempo me senti feliz, também não apaga incêndios nem cura feridas. Mas é a verdade. E é uma dor que não me deixa dormir.

Socorro-me de uma fé que não é a minha e imploro a um deus qualquer para que a tão apregoada chuva não se atrase, e para que todos aqueles que deixaram as famílias para ir combater os fogos possam voltar para os seus. Sãos e salvos.

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