terça-feira, 9 de outubro de 2018

sem título

[outubro, 
e eu sento-me aqui.

está frio, um frio gélido que - começo a desconfiar - vem de dentro para fora. só me aquecem as lágrimas que uma sensibilidade que repugno me faz deixar sair. eu não era assim. continha-as, guardava-as para mim, deixava-as pesarem-me no peito. agora já não suporto esse sufoco, mesmo que isto me faça gostar um bocadinho menos de mim.

está frio aqui mas não o suficiente para que se veja uma baforada de vapor de cada vez que expiro. estarei viva? estarei realmente aqui? -  nada está bem, nada está onde deveria estar: tiro as mãos dos bolsos e coro quando vejo as minhas unhas mal cortadas, os dedos rechonchudos. tudo em mim rechonchudo, toda eu numa batalha constante contra a balança que parece nunca ter fim. um descontentamento infinito, a noção dolorosa de que há um quê de ridículo em mim. pergunto-me muitas vezes mas como é que nem isto eu consigo fazer bem?, e sigo com a minha versão errada das coisas porque não sei ser de outra maneira. 

estou cansada, por estes dias.
pisei os meus sonhos sem querer, estilhacei-os debaixo dos pés - vivo por viver, de fim de semana em fim de semana, como quem fecha os olhos com muita força, nas montanhas russas, para não ver as descidas e depois os abre quando se sente em segurança. e repetimos. sempre. não pára. e faz menos sentido a cada nova volta porque, se insisto em fechar os olhos, continuo a perder metade da corrida. em nome de quê?

inspiro com força e sinto o ar a romper-me os pulmões - apetece-me ter a liberdade de chorar como na primeira vez em que inspirei, como aquele primeiro momento em que acordei para a vida sem fazer a mais pequena ideia, ainda, de que vivia. apetece-me poder gritar ao mundo que ainda não encontrei o meu lugar e que estou farta, tão farta, que às vezes só precisava de parar.

ficar, só.
sossegada.

não quero parar de viver, só fazer uma pausa neste carrocel louco, não ter de pensar, não ter de sentir para não me sentir a mais, para não me sentir insuficiente, sempre à espera de perder, sempre a tentar antecipar os próximos golpes da vida e a boicotar-me por acabar a ferir-me sozinha.]

1 comentário:

Helena Barreta disse...

Vá,vamos lá a arrebitar.

Um abraço