fomos (quase) sempre cinco no natal - e esse é o principal motivo para lhe ter perdido o gosto há tantos anos. sobravam demasiados lugares vagos à mesa, restava demasiado espaço para a saudade se sentar connosco e nos fazer relembrar que a distância só se quebra quando há vontade. este ano, foi o meu lugar que ficou vazio.
em vinte e cinco anos, este foi o primeiro em que puxei a cadeira noutra mesa, noutra casa, noutra vida, numa família que, não sendo aquela onde nasci, é aquela a que escolhi pertencer um bocadinho também. e doeu, não vou negar: na outra casa, de cinco passaram a quatro quando eu preferia que tivéssemos sido seis, eu e as minhas cinco pessoas favoritas neste mundo - mas este dezembro não é como os outros e está mau para a dança das cadeiras que não pertençam a uma só casa.
estive bem também. comi bacalhau à brás, bolo de bolacha e permiti-me a mergulhar nos sonhos molhados em calda de açúcar. faltou-me apenas o cheiro a café no ar à meia noite: foi sempre assim, nos outros vinte e quatro natais que vivi, menos naqueles em que ainda era demasiado pequena para os trazer na memória. faltou-me o cheiro a café mas não ousei pedir: sei que apareceria na mesa tão rápido quanto possível, mas isso seria trazer uma tradição de família para outra família e, de alguma forma, soou-me a traição. não é substituível. e não precisa de ser.
são sítios diferentes na vida, e sê-lo-ão para sempre - nem melhores, nem piores, mas diferentes. e se a maior parte do meu coração pertencerá sempre àquela casa onde éramos cinco em todos os natais e em todos os fins de semana, há outra parte que já se entregou à outra casa onde também eram cinco antes de eu chegar. e estou bem também.
e estou bem, mas o covid que se oriente porque para o ano eu quero a dança das cadeiras com as minhas pessoas, em todas as casas possíveis. quero até os abraços de que não gosto, a valer por dois para me compensar do buraco negro que me ficou no peito este ano.