sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

destes dias, destes tempos.

Há uma beleza mórbida em tudo o que nos está a acontecer - não é a primeira vez na história da humanidade, mas espero que seja a primeira e a última na história das nossas vidas, que temos esta sensação de união, de que todos tememos o mesmo. Com contornos diferentes, com posições diferentes, com medos diferentes, mas um bicho papão em comum.

Curiosamente, é neste momento em que estamos mais unidos que é imperativo que nos afastemos, que não podemos chorar nos ombros uns dos outros as mágoas comuns, que não podemos afagar as costas de quem também sente as nossas dores. Ou as próprias, mas incrivelmente semelhantes às nossas.

Desta vez, não estou confinada ao meu T1 minúsculo, a vaguear entre divisões sem saber muito bem em que dia da semana ou do mês é que vamos ou a que refeição pertence a taça de leite com cereais que estou a comer: agora eu saio de casa, semana sim, semana não, para trabalhar e sou obrigada a manter alguma sanidade no meio de toda a loucura mas, ainda assim, há momentos em que dou por mim a chorar, sem conseguir respirar. Tenho medo. Tenho todos os dias um bocadinho mais de medo.

Quase todas as pessoas mais importantes da minha vida são portadoras de alguma condição que as torna mais vulneráveis à partida - e, por esse mesmo motivo, temo que perdessem na luta por um ventilador. Temo que pudessem fazer parte do grupo daqueles que, lamentavelmente, ficam pelo caminho. E este pânico enrola-se no meu peito e não me dá um segundo de paz. 

Não visito os meus pais e os meus avós há semanas. Falo-lhes pelo telefone e desvalorizo a distância, como quem diz que o importante é estarmos todos vivos - mas desligo o telemóvel de lágrimas nos olhos: e se estiver a perder tempo? E se a distância que mantenho só me fizer perder tempo com eles? Se contraírem o vírus nos empregos ou nas compras, ou se qualquer outra coisa acontecer - e se os perder? E se estiver semanas sem os ver e no fim não me sobrar nada?

Acredito que sejam os medos de todos mas nem por isso me sinto menos angustiada com os meus - também há uma certa dose de egoísmo nesta união perversa, e um ódio crescente por todos aqueles que continuam a desrespeitar as regras e a agir como se nada fosse, colocando em risco os que já perceberam que é a sério. Que se estão a perder vidas todos os dias que não teriam de se perder - quer das covid, que parecem ser o centro dos nossos dias, quer das não-covid, que acontecem quando não tinham de acontecer por falta de assistência. Por falta de tempo e de meios.

É a sério - e não, não vamos todos morrer, mas vamos todos perder pessoas se alguns seres iluminados não perceberem entretanto o que está a acontecer. 

Protejam-se e, sobretudo, tenham juízo.

3 comentários:

disse...

Nós, os mais velhos, não temos muito a perder porque para a economia, a nossa vida vale menos do que merda. No entanto, esse pouco é tudo o que temos e cada dia que passamos fechados em casa com o fantasma do vírus por companhia, é um dia a menos no pouco tempo que nos resta. E sim, é verdade que que há por aí idiotas que apetece partir-lhes os dentes com uma marreta de partir pedra. Com tanta informação disponível, não se admite que uns imbecis que foram à escola, supostamente, para aprenderem a ser gente, não tenham aprendido nada. Cada vez me convenço mais que a solução para a pandemia não passa pela vacina, mas por um outro vírus que ataque a estupidez e o egoísmo. Ou que venham os extraterrestres para nos salvar. Eu ofereço-me para experiências.

Anónimo disse...

julgava-te para sempre desaparecida, mas folgo em ver-te regressada e, como sempre, forte de ideias. muita coragem patrícia, e que em breve a vida faça mais sentido novamente

ernesto disse...

anónimo, por aqui continuamos em modo avalanche contínua. mas obrigada, mesmo :)