[foi há 18 dias que começámos a viver mais devagarinho: depois do choque inicial, encontrei, perdida no fundo de uma gaveta, uma força que eu não sabia que me pertencia. e tornei-me dura, talvez. ou uma pequena besta, para ser mais precisa.
em épocas de crise, entro em modo de sobrevivência e fico capaz de coordenar um exército inteiro. não admito lágrimas, não lido bem com a fraqueza - lembrem-me de pedir desculpas à minha mãe, quando tudo isto passar, por todas as vezes em que a meti em sentido. não permito que se demorem em lamúrias ou que deitem os olhos ao céu para perguntar "porquê a mim?" - o truque é percebermos que não haveria motivo algum para não ser connosco. não somos pepitas de ouro, não somos especiais: somos humanos, e por mais que seja uma merda, as pessoas adoecem, sejam boas ou más ou mais ou menos. o único pré requisito possível para se sofrer é estar vivo. e, na volta, se me esforçasse, ainda era capaz de encontrar uns quantos mortos que passaram as passas do algarve já depois de o serem. é a vida. e a morte.
há 18 dias que o relógio parece segurar um paradoxo - ora o tempo parece passar demasiado devagar entre consultas e exames, ora o tempo parece voar, porque parece sempre que estamos prestes a perder essa bênção ilusória que nos parece a ignorância quando estamos às escuras à beira de um precipício.
e eu, que tenho vivido entre uma calma estranha, quase inconsciente, e um nervoso miudinho que me ataca quando menos espero, hoje sinto um nó na garganta. não sei se quero adiantar o relógio ou atrasá-lo uns bons dias: dentro de coisa de 12 horas, se conseguir passar na barreira dos seguranças, estarei sentada com a minha avó, frente a frente com a médica. e, de alguma forma, não consigo deixar de sentir que é a hora da sentença final.
hoje, rezo a um deus em quem tenho de me obrigar a acreditar, para que amanhã ganhe a lotaria - uma frase, três palavras: não há metástases.
é rezar.]