[quantas vezes já quiseste parar de viver? não necessariamente morrer, mas parar de viver por um bocadinho - só um bocadinho - para recuperar o fôlego?
tenho pensado nisso todos os dias. no jeito que me dava se o mundo pudesse fazer uma pausa, parar de girar e deixar-me ir ali acertar com as ideias. ou então ficar só a olhar para ele, como quem estuda o mapa de uma cidade, e tentar encontrar os pontos chave para me descobrir. para perceber, finalmente, o que raio há de tão errado comigo.
eu já fui diferente: já chorei menos do que agora, já tive uma personalidade mais vincada, já soube, na ponta da língua, o que queria ser quando fosse grande. só que agora sou grande e não faço a mais pequena ideia do que caralho estou a fazer no mundo - tenho uma vida morna que me entedia e me enche de raiva. é tudo mais ou menos: não sou alta nem baixa, não sou gorda nem magra, não sou bonita nem feia, não sou inteligente nem burra, não tenho o cabelo liso nem ondulado. está tudo ali no meio, numa posição chata que me faz sentir um figurino, como se nunca tivesse realmente direito a um lugar no mundo.
gostava que fosse diferente. de fazer a diferença - e não gostávamos todos?
só que às vezes, não.
nunca te apetece mesmo parar de viver?
a mim apetece. hoje.
sinto a vida do avesso, toda a alegria feita em água que se me escapa por entre os dedos: começam a faltar-me as forças, começo as esgotar as reservas. é sempre mais ou menos assim: ou está tudo razoavelmente bem, ou está tudo muito mal. nunca há meios termos quando chega a hora de desmoronar o castelo de cartas que é a minha felicidade.
apetece-me chorar.
chorar compulsivamente como a menina perdida que me sinto, e não como a mulher desorientada que, de facto, sou: o que queria mais, era saber porquê. entender onde erro, em que capítulo cometo o pecado final que me destrói sempre a vontade de viver. queria perceber o porquê de acabar sempre abandonada, de uma forma ou de outra. de a minha vida ser, toda ela partidas e chegadas, e nunca um porto seguro. um hotel. melhor: um prédio de habitação, onde os inquilinos se instalassem e vivessem por anos a fio. olhem - quem sabe? - até que a morte nos separasse.
era bom, e eu era mais feliz.
só que hoje não - hoje só quero chorar até amanhã.]