[no sábado, julguei que te perderia de vez - de repente, sentada na beira da cama, senti-me vazia. completamente vazia, como se um bocadinho de mim tivesse acabado de morrer para sempre. como se os dias nunca mais pudessem fazer sentido se não tivesse o teu abraço à minha espera. como se todos os sonhos que me permitia a construir depois de teres entrado na minha vida, estivessem definitivamente enterrados, no mesmo sítio onde os deixei durante os 21 anos em que não soube que me era permitido sonhar também. devo-te tanto do que sou, daquilo em que me transformei, que não sei imaginar esta caminhada sem a tua mão a ajudar-me nas subidas mais íngremes ou nos terrenos mais acidentados, mesmo quando não preciso, mesmo quando só me queres relembrar de que estás ali e não me deixas cair. e, naquele momento, senti que não era capaz de seguir a viagem sem ti ao meu lado.
encontrar-te, foi o mais próximo que estive de ganhar a lotaria. já o escrevi tantas vezes que se começa a tornar banal, mas ainda não deixou de me fazer sentido: não te trocava por nenhum (outro) prémio milionário. preferia viver a vida inteira a comprar roupa na feira e a comer massa com atum de marca branca, a ser rica e não te ter comigo. é esta a verdade. é a este ponto que uma pessoa chega. e perder-te seria, como só poderia ser, uma experiência de semi-morte. especialmente depois de nos ter trapaceado já tantas vezes e não ter percebido o essencial.
quero não me voltar a esquecer de que não és perfeito, de que não adoro tudo em ti, e que está tudo bem com isso. que, volta e meia, não vais corresponder às minhas expectativas, mas a culpa não será tua: não há um guião, e eu não posso esperar que saibas o que quero que digas ou faças em cada momento, porque eu decidi que assim seria. mais ainda quando sei que, mesmo que o houvesse, arranjarias sempre uma forma de lhe passar por cima e de fazer melhor ainda do que tinha planeado. arranjas sempre uma forma de me surpreender, e eu arranjo sempre uma forma de me esquecer da sorte que tenho.
és peça rara. não o posso dizer demasiadas vezes, porque às vezes sinto que - quase sempre - te meto num pedestal e faço de mim mesma um trapilho. é esta falta de filtros, que nunca me deixa esconder o que quero dizer, quer isso implique termos a discussão mais ridícula de sempre acerca de um canal de televisão, ou declarar-me a ti, uma e outra vez, como se ainda agora tivéssemos começado esta viagem e ainda nenhum de nós estivesse certo do que o outro sentia. não sei ficar calada. não sei esconder. se te acho especial, quero que o sintas em todos os momentos - mesmo quando não mereces. e sim, meu amor, às vezes não mereces - mas também é normal. não julgues que és mais fácil de entender ou de lidar do que eu - às vezes, é preciso manejar-te com as pontas dos dedos, com uma calma, uma precisão e uma paciência que eu não tenho. depois lembro-me de que tens de fazer o mesmo comigo na maior parte do tempo, mesmo quando escolho fingir que não sou um quebra cabeças. antes isso que um quebra corações, não?
eu e tu somos um par do caraças - não, não seria por sermos demasiado parecidos ou por nunca discordarmos que daríamos melhores companheiros de viagem. estes últimos dois anos foram um carrocel demoníaco, e eu não poderia ter pedido alguém melhor para andar nele comigo. obrigada por tudo. por todas as horas de espera, por todos os abraços apertados, por todos os beijos na testa. por todas as vezes em que me deste esperança só por olhar para mim, e que me fizeste acreditar que tudo era possível enquanto me seguravas a mão.
no sábado, julguei que te perderia de vez e senti que estava a viver aquele velho clichê de perder a minha metade. foi ao que soube. foi o que pareceu. não estava a mentir quando, há umas semanas, te disse que, se pudesse, não hesitaria em trocar de lugar contigo e sentir as tuas dores, só para te ver feliz. e essa foi a primeira vez na minha vida em que eu tive a certeza de que tinha encontrado a minha própria definição de amor. e foi surpreendentemente bom, apesar de ligeiramente assustador, perceber que era possível criar uma conexão tão forte com outro ser humano. é o auge da minha vulnerabilidade, o pico da confiança - ao entregar-me assim, entreguei tudo o que tinha.
o que percebi, finalmente, é que nunca vai correr tudo bem, que nunca vou estar completamente satisfeita com todas as atitudes. que, muito provavelmente, eu vou continuar a revirar os olhos de cada vez que levar com programas de comentadores de futebol, mesmo que eu não veja televisão no dia a dia, e me vá limitar a fazer zapping porque, por algum motivo, qualquer outro programa merdoso me parecerá preferível aos relatos de futebol. e talvez nunca sejamos capazes de acertar os relógios a cem por cento, e estejamos condenados a viver por entre atrasos e discórdias padronizadas pelos horários do resto do mundo. e não faz mal - entendi que estava, inconscientemente, a cometer o mesmo erro do resto do mundo, a querer um amor perfeito sem espaço para que um espinho me pique o dedo e me faça gritar foda-se. tu não és perfeito, e eu também não. talvez nem vá conseguir gostar de ti todos os dias, por mais que te ame - e está tudo bem com isso. não vale a pena zangar-me sempre que não fizeres o que espero, porque sei que fazes sempre tudo para me fazer feliz; prometo-te o mesmo prato, meu amor. tudo para te fazer feliz, mas com um bocadinho de sal.]