sexta-feira, 20 de março de 2020

sexta feira, pelo 983879º dia de quarentena

não fiz exercício, não tirei o pijama e, para vos ser franca, nem sequer cozinhei: almocei leite com cereais e há um bocado comi uns restos de sopa. tenho fome, portanto.
também não li nem vi nenhum filme - hoje deixei-me levar pelo medo e entreguei-me, pela primeira vez, às lágrimas. chorei por me sentir sozinha, chorei por não saber quando isto acaba, chorei porque o dinheiro não estica e este mês há de vir bem curto. chorei porque me dei conta de que poderei vir a ficar desempregada nos próximos meses e, por mais que não goste do meu trabalho, paga-me as contas ao fim do mês, e não vai ser tão simples assim encontrar outro depois de tudo isto. chorei pelos planos que necessitam de ser adiados para depois, para quando houver dinheiro, ou para tempos mais estáveis. e chorei até pela falta que me faz ver a minha família, que já vai para duas semanas desde que lhes pus a vista em cima.

pode ser que amanhã seja melhor, que cozinhe uma refeição decente, que saia do quarto, que chore menos.

este não é o relato mais bonito, mas é necessário porque estou capaz de jurar que não serei a única a sentir-se assim, e é preciso não fingir que isto está a ser divertido e estamos todos a ser muito produtivos; há dias que estou com uma dor de cabeça que mal me deixa abrir os olhos e falta-me o ar muitas vezes porque tenho tido crises de ansiedade avulso. 

aguardemos por relatos mais felizes.

4 comentários:

disse...

Como dizia um colega meu:
Aguenta Aurora, que o mais grosso ainda está de fora.
Este cabrão de vírus até pode ir embora sem nos infetar, mas há um mal que já nos está a afetar e do qual nunca vamos recuperar. É o tempo de vida que nos está a roubar e os fusíveis queimados de tanto pensar nesta merda.
Eu não aguento estar em casa, mas não sou estúpido como aquele velho que ontem dizia: quem passou pela guerra colonial, não tem medo do COVID-19.
Eu acho que quem não tem medo disto, é só estúpido, nem que tenha andado na guerra de 1914.
Depois há outra questão: mesmo que eu não tivesse medo do vírus, a minha Maria não andou na guerra e, embora ela às vezes seja uma peste, estou-lhe grato por me aturar há 42 anos.
Pronto, mas eu não devia vir aqui para te desanimar. Isto está mau, mas não podemos perder a esperança. E os teus seguidores já estão a ganhar qualquer coisa. Voltaste a escrever. Mesmo que seja uma escrita quase tão deprimente quanto a minha, estou com aquele cantor romântico que dizia que ia buscar a inspiração à dor de corno. As canções com que tinha obtido mais sucesso, tinham sido escritas nas fases em que a vida amorosa lhe corria menos bem.
Aproveita e escreve aquele livro que eu um dia, se me sair o Euromilhões e o COVID-19 não me "fizer a folha", vou pagar a edição. Está prometido. Mesmo que não dê para ganhares o Nobel, eu fico com os exemplares que não se venderem. eheheheh

helena disse...

Não, não é a única a sentir-se assim. Gostava que o meu relato fosse mais animador,mas não é. Fico triste quando a minha mãe me telefona e diz sentir muita falta das filhas, que a solidão bate ainda mais forte e está a fazer mossa; fico triste pelos meus sogros; estou apreensiva quanto ao futuro profissional do meu filho que é trabalhador independente; o escritório onde trabalho já estava ligado às máquinas, penso que depois disto as máquinas serão desligadas e fico desempregada; tenho MEDO por um familiar próximo que faz tratamentos de imunoterapia de 15 em 15 dias e é obrigado a ir ao hospital e ficar lá durante algumas horas, fico triste e angustiada de não o poder acompanhar e visitar em casa como de costume.

Eu sei que preferia um relato animado, optimista, mas não me apeteceu fingir que está tudo bem.

Um abraço

ernesto disse...

Zé, também estou bastante preocupada com os meus, muito mais do que comigo. Tanto é, que deixei de os visitar.
Mas acho que este vírus vai ter muitos danos na saúde mental das pessoas. É mais fácil não ter tempo para pensar no que nos atormenta.
Ahah vou tentar escrever mais, sim. Sinto, honestamente, que lhe perdi o jeito, mas vou tentar :)

Helena, eu não quero relatos animadores, quero relatos reais. Se fingirmos todos que está tudo bem, quem está mal vai ficar a achar que é culpa sua, porque todos os outros estão a aproveitar a quarentena para se reencontrar. E por aqui é igual: a clínica onde trabalho já não estava muito bem. Agora, o risco do desemprego é uma realidade que não posso ignorar.
E também estou cheia de saudades das minhas pessoas. Há de ficar tudo bem! E um beijo, que assim virtualmente não se passa o vírus :)

Bicho do Mato disse...

Muita força!