sexta-feira, 26 de maio de 2017

deixem-me que vos diga

Uma das perguntas que me fazem mais vezes, quando me veem a trabalhar no hospital, é se não quis estudar mais. Conto-lhes que quis ir trabalhar antes, que quero poder financiar o meu futuro - e esta, apesar de ser a verdade, nunca deixou de ser o meu calcanhar de aquiles.

Fui procurar emprego com um sonho empoeirado guardado numa caixa trancada a sete chaves, com ânsias de me realizar profissionalmente e de me esquecer de que sou pessoa fora do trabalho - percebo-o agora. Cresci a querer ocupar-me, a tentar não desejar uma vida normal, um amor, uma família. Mascarei a solidão de felicidade e aprendi a querê-la acima de qualquer outra coisa. E, um dia, a minha vida mudou - exatamente no meu primeiro dia de trabalho.

Talvez isto não faça sentido - ainda não escolhi o que quero mas, com algum traquejo e uns meses de caos, percebi exatamente o que não quero - aos 21 anos sinto-me incapaz, pela primeira vez, de responder à pergunta o que queres ser quando fores grande? Aos 21 anos, vi as minhas ideologias desmoronarem-se como um castelo de cartas e dei por mim a sonhar com uma vida diferente daquela que imaginei desde que me lembro de mim.

Sinto-me perdida, na maior parte do tempo; há uns dias, dei por mim cansada, desmotivada, a correr em direção ao mar. Só parei quando senti a água a enregelar-me as pontas dos dedos e a entorpecer-me os sentidos; os meus pés eram os únicos desenhados na areia molhada e o meu rasto desesperado em direção ao único sítio que me acalma, fez-me lembrar de que, onde quer que eu vá, hei de ter sempre para onde voltar.

As ondas não me trouxeram respostas, mas foram o analgésico perfeito para as dores da alma - estou grata pelo que tenho agora. Um dia destes descubro o caminho que quero explorar a seguir - e enquanto houver mar, há de correr tudo bem.

4 comentários:

Anónimo disse...

Há de correr como correr. Penso que o segredo é conseguir viver bem, mesmo quando as coisas correm menos bem. É batermos com os cornos na parede, cairmos e voltarmo-nos a levantar.
Cada vez acredito mais que, na vida, o que mais custa é saber viver. A felicidade está onde nós a conseguirmos encontrar. Até pode estar num monte de pedras.

P.S. Andas muito arredada do blog (mais do que eu). Olha que a vida não é só trabalho. xD

Portuguesinha disse...

Primeiro deixa-me dizer-te: Belo texto!
Depois deixa-me dizer-te: é normal. Mas quem é que não muda de sentimentos ao longo da vida?? Ainda mais na tenra idade dos 20 anos... pronto: 21.

És tão nova que tens tanto tempo ainda para viver os anos da juventude!
E claro que podes começar a sentir diferente. Isso acontece quando atingimos metas. Afinal, há que arranjar outras.

Ter filhos e ter alguém...
É natural.

Melhor ainda: tens estabilidade financeira (presumo), mais "tarimba" da vida e do meio profissional para experimentares outras eventualidades.

Cláudia S. Reis disse...

Uma das minhas melhores amigas trabalhou dois anos como auxiliar num hospital e, até hoje, foi o trabalho que mais gostou. Só saiu porque a despediram para não a porem efetiva. Ela contava-me com cada história que eu ficava parva: desde histórias de chorar a rir até histórias de partir o coração.

Só nessa altura percebi como funcionam realmente os hospitais e digo-te... parabéns! Parabéns pela vossa coragem, pelo vosso esforço, pelo vosso trabalho. Nunca percas esse teu ânimo, essa tua vontade de fazer a diferença.

ernesto disse...

Cláudia, eu diria que uma das coisas que torna o trabalho mais difícil é a ingratidão por parte de alguns doentes e das famílias. Não têm noção do quanto damos de nós e o quanto sacrificamos os nossos para cuidarmos dos deles. E depois é o sistema no geral. As coisas que estão mal e nos revoltam todos os dias, as histórias que mexem connosco, o não conseguir desligar totalmente ao despir da farda.

No entanto, não deixa de ser gratificante poder ajudar, todos os dias, quem mais precisa, e essa é uma sensação incrível ;)