Pela primeira vez, tive de ir ao médico do trabalho - para ver se tenho os dentinhos todos, se o tico e o teco estão operacionais, se vejo bem ao longe e não tenho maleitas esquisitas, essas coisas.
Cheguei antes da hora. Mal entrei, dei-me com três portas abertas: dois consultórios, um deles vazio, e uma casa de banho - confesso, que eu cá sou pessoa honesta e não tenho vergonha na cara, que comecei logo a fazer olhinhos à casa de banho, que a pessoa não vai para nova e bebe água até mais não.
Fiquei ali, plantada no meio da sala de espera, sem um balcãozinho com uma moça de sorriso colgate para me receber, e sem saber se pareceria muito mal pura e simplesmente utilizar a casa de banho como se não me tivesse dado conta de que existia um ser humano ali, a quatro metros de mim.
Fui fazendo pequenos barulhinhos, enquanto remexia na minha mala sem fundo, até que o moço me notasse. E notou.
Apareceu na sala um doutorzinho - elucidem-me: são mesmo médicos ou é um qualquer outro curso? - com todo o ar de quem poderia ter sido da minha turma - e não, não estou a dizer que ele parecia do ensino especial, mas aparentava ainda arrotar ao bolo do próprio batizado, tal qual eu. Perguntou-me o nome, o nome da empresa, e acrescentou:
- aguarde um bocadinho que eu já chamo. tire um frasco e vá fazer a colheita de urina.
Não quero parecer rabugenta, mas não gostei. Isto não é assim que funciona! Chega ali e, sem qualquer introdução, manda-me fazer pontaria para um frasco. Fiquei danada. E feliz, que uma desculpa para usar a casa de banho, ainda que precedesse the walk of shame, de frasquinho em punho, era bem vinda.
Ainda que aliviada, entrei no consultório de dignidade ferida.
Começou o interrogatório, a auscultação, a subida para a balança. Estava a piorar a cada minuto, e eu resolvi vingar-me, mostrar-lhe que era uma moça que sabia das coisas por mais que tivesse entrado por lá adentro com um frasquinho de xixi na mão.
Perguntou-me se nunca tinha sido operada. Falei-lhe das quatro primeiras, e acrescentei que a quinta, há dois anos, tinha sido uma colecistectomia. Olhando para trás, ainda podia ter acrescentado que foi laparoscópica, por mais irrelevante que seja tal informação, só para lhe mostrar que sei o que é uma laparoscopia e ele não pensar que é assim às três pancadas que me dá ordens.
Ficou a olhar para o ecrã durante um bocado, antes de perguntar:
- colecistectomia... tirou a vesícula, certo?
Foi a minha saída triunfal.