quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

deux

[ia falar-de de como a minha vida era antes. do quão desencantada eu era pelo mundo, e por mim mesma. de todos os dias tristes em que achei que não valia a pena, que nunca preencheria as medidas, que nunca seria suficiente - mas, de repente, dei-me conta de que essas memórias, se vão perdendo e já não é tão simples assim construir esses paralelismos. de alguma forma, renasci quando te conheci. e a minha vida começou a contar aos 21 porque, finalmente, comecei a viver.
obrigada. e desculpa: não sou sempre a melhor namorada, não sou sempre a mais paciente, e talvez não te diga as vezes suficientes a reviravolta que deste na minha vida, a forma como me forçaste a olhar para mim de outra forma. a sonhar tão alto quanto todas as outras pessoas, porque podia, porque o mundo não me estava vetado. e porque eu não sou menos do que qualquer outro ser humano. obrigada por me teres obrigado a ver que merecia mais do que as migalhas que me iam satisfazendo a carência de afeto e de atenção.
volta e meia, pergunto o que fiz para te merecer. poderá soar a modéstia exagerada ou a tentativa de redenção por todas as vezes que pus o pé ao lado, mas não é: dois anos depois, eu ainda não descobri como é que te ganhei. eu, que acho sempre que não tenho sorte, ainda sinto que ganhei a lotaria de todas as vezes que olho para ti. mesmo quando estou zangada contigo pela maior patetice do mundo. zangarmo-nos também sabe bem - aprendemos sempre qualquer coisa nova um sobre o outro. e eu diria que é de estranhar duas pessoas serem tão idênticas que nunca entram em discórdia: gosto da nossa resmunguíce, também. do bater o pé, do querer levar a sua avante. de não fazer de conta só para evitar confusões. e, depois, gosto de me sentar contigo para encontrar o meio termo. ninguém ganha, ninguém perde. ou talvez eu ganhe mais vezes do que tu porque fazes batota para me ver feliz. e eu amo-te. mesmo quando perco.
há quem duvide da existência de amores perfeitos. eu só acredito porque, há coisa de duas semanas, me ofereceste uma saqueta de sementes - e eu relembrei-me do porquê de gostar tanto de ti: és diferente de todas as pessoas que eu conheci. e, se há momentos em que me apetece apertar-te o pescoço por isso mesmo, não há um único momento em que eu não tenha a certeza de que, se me fosse dado a escolher por quem me apaixonaria, mesmo com todos os dramas de um namoro à distância, mesmo depois de tudo o que passámos até chegar aqui, não hesitaria em escolher-te a ti. sempre. acima de tudo. acima de qualquer coisa.
estou contente por poder continuar a dizê-lo mesmo depois de o namoro ter perdido aquele cheirinho a novo e os defeitos terem ficado a descoberto: há coisas que não gosto em ti, e outras tantas em que eu acho que nunca vamos acertar o passo. literalmente: esses teus 20cm de perna a mais fazem-te andar, normalmente, a um ritmo que me obriga a correr para te acompanhar; nem eu o faço, nem tu abrandas e preferes parar, para me deixar chegar a ti, ao meu ritmo. e recomeçamos. mas chegamos sempre, sempre, ao mesmo tempo - acho que o amor é um bocado isso também.
obrigada por estes vinte e quatro dias vinte e oito das nossas vidas. atrevo-me a dizer que és a pessoa que melhor me conhece - talvez mais ainda do que eu própria. obrigada por não teres fugido.


mas sim, meu amor, eu meto sempre mais sal na massa quando tu não estás a ver.]

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

cinderela e as entrevistas traumáticas

Depois de toda a odisseia para chegar à entrevista, subi as escadas, completamente encharcada e com a dignidade ferida, e dirigi-me à senhora da receção. Pedi desculpa pelos dois minutos de atraso porque me perdi, mas disse-me que não fazia mal, que tinha chegado muito a tempo e encaminhou-me para o fundo do corredor, para uma sala onde já estavam três senhoras sentadas, também elas para entrevista.

Nada de estranho até este ponto, só extremamente desconfortável - um dos meus problemas foi ter-me esquecido da confiança no útero da minha mãezinha, e sinto-me sempre extremamente desencorajada quando vejo os outros candidatos à vaga porque, mesmo que lhes faltem três dentes à frente ou pareçam dealers em part-time, eu acho que terão mais hipóteses do que eu. E, neste caso, tinham todas o dentiçal completo e aquele ar fancy que deixa uma pessoa a questionar as decisões que tomou, em relação à vestimenta, desde a camisola até às cuecas. Fui perscrutada com o olhar, especialmente pela moça mais nova, a única que não tinha idade para ser minha mãe. 

Confesso que o que senti naquele momento roçou a humilhação: tinha andado imenso tempo à chuva e, apesar do cabelo seco, estava encharcada da cintura para baixo e parecia que a base me tinha dado aquele ar suado de quem tinha ido correr antes de ir para ali, e trocado de roupa sem tomar banho. Um must. Uma clara candidata. Só que não.

Até que aparece o senhor e nos encaminha a todas para a mesma sala: eu já tive entrevistas muito distintas, algumas delas muito esquisitas mesmo, desde as presenciais às por skype, desde chegar lá e descobrir que metade da entrevista seria em francês, àquela em que me chamaram barbie e que poderia muito bem ter sido para algo na indústria pornográfica. Mas, em grupo, apesar de saber que era possível, foi a minha primeira vez. Uma estreia em grande.

Inicialmente, quis acreditar que o senhor se limitaria a explicar as condições do emprego e, depois sim, falaria connosco em privado. Não demorei a perceber que não iria ter essa sorte.

Gente, poderá haver coisa mais desconfortável do que, além de já se estarem a sentir inferiorizadas por terem nascido com esta tromba que deus nosso senhor estava a guardar especificamente para uma máscara de carnaval e vos deu por engano, ainda estarem a ouvir o percurso profissional incrível das pessoas com quem estão a competir por uma vaga? 

De repente, sentia que ainda estava a arrotar ao bolo do meu próprio batizado e que, de facto, é uma loucura tentar procurar um trabalho antes de se ter 20 anos de experiência ou um mestrado numa área completamente diferente daquela a que me candidato mas que, ainda assim, dá quatro milhas de avanço a qualquer outro ser que tente a mesma vaga com o 12º ano. Independentemente de tudo o resto. Sempre.

Não fiquei com o lugar, como é óbvio, coisa que foi percetível que aconteceria mal confessei que, sim senhor, ao contrário de todas as outras senhoras presentes, eu já trabalhei a recibos verdes. Aliás, uma delas chegou mesmo a perguntar que raio de modalidade de contrato era aquela, porque só tinha ouvido falar em contrato a termo certo ou incerto, nunca de recibos verdes - por onde andou estes anos todos, senhora? Em que gruta se escondeu, que também estou interessada em esconder-me por uns tempos?

Ah, Cinderela, mas qual é o interesse desta história?
Absolutamente nenhum, para ser franca. Foi só mais um episódio deprimente dos tantos que eu gosto de relatar. Esta entrevista aconteceu no meu último dia de trabalho na empresa de onde fui despedida - e, mesmo que tenha durado pouco, ainda foi a luz ao fundo do túnel durante algumas horas. Vale a pena só por isso.

E o resto, olhem... é (des)esperar.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

cinderela, que espécie de pessoa és tu no mundo?

A desorientada. A que nunca sabe muito bem onde está. A perdida. Aquela que vive na mesma casa há mais de 23 anos e continua a experimentar todos os botõezinhos dos interruptores até acertar na merda da luz que quer ligar/desligar. E também sou a que procura o estacionamento mais fácil nem que tenha de percorrer 20km a pé, só para chegar à conclusão de que tinha um parque à porta. Prazer.

Eis que esta adorável criatura teve uma entrevista de emprego, numa zona com um ar tão abandonado que chegou a temer ser confundida com um traficante de orgãos ou algo do género. Estou a exagerar, claro - se não encontro o meu carro num estacionamento, como que raio poderia encontrar o orgão encomendado?

Fiz o óbvio: morada no gps, e vamu lá.
Não conhecia a zona, nunca por lá tinha passado e o fazer, pela primeira vez, ao volante, não ajudou - tenho a carta há mais de 5 anos e, mesmo assim, sempre que estou fora da minha zona de conforto, continuo a sentir-me aquela tia que tirou a carta aos 63 anos para correr os bailes das velhas todos da região centro. Estão a ver o cenário.

Vejo um estacionamento: fácil, grátis e o gps indicava que estava apenas a 500m do meu destino. O que é que uma atoleimada pobre pode querer mais?

Estacionei.
Chapéu de chuva numa mão, currículo na outra - gente, se eu enviei, por que caralho tenho de o levar impresso também? Para a próxima mando por correio registado, para vos poupar ao trabalho de o imprimir - e o telemóvel a mandar-me seguir em frente. Confiei nele, porque deus nosso senhor sabe que na minha capacidade de orientação é que não se pode confiar.

Andei. Andei muito - talvez tenha sido mesmo só meio quilómetro mas estava a chover torrencialmente, os minutos continuavam a passar e eu queria chegar a horas. Até que aquele filho da puta diz "chegou ao seu destino". Say what? Cheguei onde?

Estava no meio do nada e não parava de chover. Na verdade, parecia que chovia cada vez mais e a única coisa de que me lembrei foi de ligar para a moça - que vim a perceber ser a rececionista - que me tinha ligado no dia anterior a marcar a entrevista. Disse que estava perdida, que o gps me tinha levado para outro lugar qualquer - prestável e simpática, a senhora ajudou-me. 

Para ser franca, ao início não estava a perceber, talvez por não querer acreditar na minha estupidez - depois, comecei a andar. 

E onde era, Cinderela?

Ahhhhhh... precisamente no sítio onde tinha deixado o carro.