À minha volta, tudo me lembra de ti. Quase que sou capaz de sentir as paredes a emanarem o teu perfume, como se algum dia aqui tivesses estado. Sinto-me a enlouquecer, meu amor, sinto-me louca nos escassos momentos em que ainda sinto alguma coisa. Nos outros, eu nem sei. Estou aqui, algures em lado nenhum, quero chorar e não consigo. Que mal fiz eu a esse deus para me mandar sempre com o mesmo fim?
Decidi queimar tudo o que te diz respeito, mas não consigo fazê-lo já. Preciso de te ter comigo mais um bocadinho, mesmo que não sejas realmente tu, mesmo que sejam só papéis e fotos e objetos inúteis que te me devolvam – que me devolvam a felicidade escassa dos dias em que não soube reconhecer que estava feliz. Sei lá. Só preciso de ti mais um bocadinho, para ter a certeza de que és real.
Não tenho a certeza se isto é real ou se é só imaginação, mas de repente dou por mim a correr na rua. Está a chover, tinham dito que chovia hoje e estavam certos. Tenho ainda o meu pijama cor de rosa e estou descalça; completamente gelada e com os pés já ensanguentados, mas não sinto o frio nem as dores. Diria quase que não sinto nada, a não ser esse peso na consciência. Essa culpa.
Avisto-te ao longe e precipito-me para ti. Bem dizia a outra que o diabo era bonito. Só não pensei que o diabo fosse exatamente a pessoa por quem eu seria capaz de me apaixonar – estúpida! Não devia já eu ter percebido que tenho uma queda para tudo o que me faz mal?
Começo a falar, mas não consigo acabar a frase. Esse gosto de ti teima em não sair, porque no fundo sei que é inútil obrigar-me a abdicar deste medo – porque no fundo sei que será pior deixar-te descobrir-me, ignorando – estúpida, sempre estúpida – que já o sabes demasiado bem.
É então este o nosso duelo final. O amor que sempre andou mascarado de ódio, está posto a nu e não há nada mais a fazer. Não me gritas, não me falas. Olhas-me e é como se me matasses lentamente. Nada poderia ser pior do que isto. Em que momento achei eu que merecia dizer-to, como se quisesses ouvi-lo? Em que momento achei que tinha o direito de gostar de alguém como tu? Odeio-me hoje ainda mais do que ontem, mas não te culpo. Culpo-me a mim. Estúpida!
Não sei se estás arrependido, se maravilhado com o espetáculo, mas permaneces imóvel.Tento falar-te, mas não tenho coragem. Ao invés, agarro-te a mão com uma força que desconhecia, e invertem-se os papéis; é agora a faca com que quase me mataste que te mata, assim como será com ela que me matarei de seguida. No intervalo, rola-me uma lágrima mas confunde-se com a chuva, sussurro que te amo mas pareço muda, e olho a lua mais uma vez. É para lá que quero ir. Cravo a faca no peito, e assim me despeço de ti.
Sem comentários:
Enviar um comentário