quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

da saudade

Nos primeiros tempos é mais difícil.
A saudade recém instalada é mais dolorosa e tem tendência de nos trazer à memória os dias mais felizes para, logo em seguida, nos relembrar de que esse pedaço de mundo acabou para nós. Que aquele sorriso não volta, aquele par de olhos azuis não tornarão a fitar-te, aquela mão não mais se levantará para te acenar de lá de cima, da janela mais alta. E tens de viver com isso.

Vive-se. Custa a crer ao início, mas vive-se; a saudade bruta abranda e transforma-se numa dor miúdinha que não tira férias mas, com um bom jogo de cintura, é possível fingir que ela não está lá até que se canse de ser ignorada e volte a mostrar a sua força - continua-se. Em círculos, mas continua-se.

Com o tempo, deixei de assinalar as datas importantes porque me apercebi de que de nada me valem; nada me acrescenta somar meses aos meses intermináveis, à certeza irrefutável de que pouco interessa o tempo que passou desde que a vi pela última vez ao lado da consciência de que não a voltarei a ver. Mas às vezes finto a idade, e finjo que me esqueço de que a morte das coisas e das pessoas o mais irreversível de todos os males, tento acreditar que ainda a vou encontrar sentada no pátio, numa tarde quente, a ralhar-me por andar sempre descalça.

Já não me pesam os dias vinte e cinco, o último da nossa contagem decrescente que deveria ter culminado no nosso reencontro e não no dia em que a perdi, perto, tão perto, do abraço que lhe queria dar. Já não conto os vinte e oitos da minha vida a partir daquele em que me sentei, durante horas, diante do caixão e me permiti a chorar a morte de uma das minhas pessoas mais importantes, ciente de que seria a última vez que poderia olhá-la. 

Os dias importantes já não me pesam no peito mais do que qualquer outra data no calendário - estou certa de que sentirei a falta dela para sempre, mas que não há forma de a curar; deixo-me ser atacada, volta e meia, pelas recordações felizes. Às vezes, fazem-me sorrir, outras fazem-me chorar, mas também me fazem sentir grata por ter tido a sorte de ter uma avó extra, dessas boas avós que o sabem ser, e a saudade que lhe tenho é uma pequena consequência do amor que lhe guardo.

Como disse, deixei de dar uma importância especial aos dias que se tornam agora, e cada vez mais, banais - mas hoje, só hoje, apercebi-me de que há precisamente dois anos atrás, acordei, pela última vez, no quarto do fundo da casa dela - e quem me dera ter-me demorado um bocadinho mais na cama, e ter sabido que aquela seria a última vez que tomaria o pequeno almoço com ela, no cantinho da mesa, enquanto me contava as histórias antigas. Já as sabia todas de cor, mas nunca me cansava de as ouvir mais uma vez.

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