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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

das boas notícias

O cancro é o papão da gente grande - e, depois de ele já nos ter roubado alguém importante, queremos ter a certeza de que não o deixamos ganhar  o jogo outra vez sem espinhas. Queremos dar-lhe luta, mostrar que ele não pode simplesmente levar-nos outra pessoa às primeiras, sem ter de enfrentar a resistência inabalável do amor que temos a quem ele nos quer roubar. Cancro filho da puta - vais ter de sofrer muito até me levares mais esta. Tumbas!

Quando descobrimos que alguém de quem gostamos muito tem cancro, o relógio pára. Deixa de haver tempo e passa a haver segundos para aproveitar, um a um, uma vida que está em vias de se consumir. O relógio pára e o mundo estremece - não, não, não, outra vez não! É o medo. A eminência. O sufoco. Creio que, qualquer pessoa que já tenha visto alguém de quem gosta muito a ser consumida pela doença, conseguirá compreender do que falo. É um dia de cada vez - nunca se sabe o que se segue. E então, aproveita-se cada segundo como sempre se devia ter aproveitado - só nos lembramos da efemeridade da vida quando lhe metem um prazo de validade. Quando se ligam todos os alertas e se começa a tratar a morte por tu.

Só me apercebi do quanto gostava da minha prima no dia em que me disseram que ela tinha cancro. E nunca mais a larguei; não queria cometer o erro que outrora cometi. Queria estar lá, sempre, até ao fim. Estive lá em cada consulta, em cada exame - ouvi o médico dizer que o quadro não era famoso; tumor maligno no fígado, já avançado. Só restava a dúvida se já se teria ou não espalhado. Exames, muitos exames, e o quadro continuava - só três meses depois é que se decidiram a fazer uma biópsia. Três meses. Três. Meses.

O tempo deixou de importar, dizia eu, mas há quase quatro meses que havia um nó no peito que teimava em desaparecer - quatro meses em que aprendi a mostrar o quanto gosto dela todos os dias. Quatro meses em que ela aprendeu a aproveitar a vida de uma forma que todos nós devíamos aprender antes de entrarmos em pânico por ela se poder acabar em breve. E foi então que, finalmente, chegou o resultado da biópsia que devia ter sido feita há já muito tempo, em vez de ser constantemente adiada - não há cancro para ninguém. Nunca houve. 

Entre o choque por vivermos num país em que isto acontece e a gratidão por terem voltado a virar a ampulheta ao contrário, ficou-nos uma lição para a vida: a vontade de continuar a aproveitar cada dia como se fosse o último porque, de vez em quando, a vida troca-nos as voltas de repente. É uma segunda oportunidade, é uma vida renovada - mas é, sobretudo, a certeza de que, mesmo nos tempos mais difíceis, nunca se deve desistir.

terça-feira, 29 de abril de 2014

sobre os fins

De cada vez que alguma coisa acontece, as pessoas têm a mania de simplificar, de minimizar danos incalculáveis, de dizer que não é o fim do mundo - mas é. Não percebem, mas é. Ninguém repara nos muitos, nos infindáveis, fins do mundo que todos nós vamos vivendo ao longo do tempo, os fins do mundo que nos perseguem desde o início ao fim das nossas vidas. E de cada vez que um sonho é destruído, de cada vez que uma réstia de esperança morre, de cada vez  que tudo dá errado, há um fim do mundo, sim, e nunca acreditem em quem vos diz o contrário. Morre o mundo como o imaginávamos, como o sonhávamos, como o queríamos, e isso não é menos triste só por nem todos concordarem. Deixai chorar quem morreu hoje. Amanhã eles renascem.

terça-feira, 22 de abril de 2014

sobre isso do crescer

Já não é a primeira vez que, e mais a propósito da carta de condução, eu me refiro ao facto de ainda me sentir demasiado novinha, mas graças a um post da ju, apeteceu-me esmiuçar o assunto até que vocês adormecerem.

Crescer é um tanto ou quanto assustador. Muito mais ainda quando percebemos que já temos liberdade para caminharmos pelo nosso próprio pé, sem ninguém a agarrar-nos a mão - passamos a vida toda a sonhar com isso mas quando acontece, temos vergonha de assumir que gostávamos de poder manter-nos mais um bocadinho na segurança da mão de quem nos ensinou a caminhar. Mas sabemos que não dá, que é hora de nos lançarmos no mundo, e isso é terrivelmente assustador.

Notei mais isso desde que tirei a carta. Foi nessa altura que eu percebi que estava mesmo a conquistar um tipo de independência que até então me era desconhecida, e que estava já com um pé nesse mundo onde as pessoas têm de ser muito mais responsáveis do que aquilo a que eu estava habituada. Não que me ache particularmente irresponsável ou imatura - tenho momentos de estupidez pura, tenho tendência para levar quase tudo para a brincadeira, mas é uma questão de feitio mesmo. Tenho a perfeita noção de que, a ser preciso, sei usar a cabeça e sei bem o que quero. Só não me sinto minimamente adulta porque não o quero ser. Ainda não.

O mundo lá fora não me assusta por completo mas, e apesar de até me desenrascar bem sozinha, ainda passo por aqueles cinco segundos de pânico do e agora, o que é que eu faço? de cada vez que me deparo com uma situação nova, porque isso tem sido cada vez mais frequente tendo em conta que é mais ou menos a primeira vez que experimento fazer a maior parte das coisas sozinha. E se, por um lado, ainda me sinto pequenina, demasiado pequenina, para enfrentar o mundo, por outro... só quero atirar-me de cabeça.