sexta-feira, 6 de julho de 2018

someone, somewhere.

Hoje acordei a pensar em ti.
Não foi por acaso, e eu sei que não; são artimanhas da memória, que volta e meia decide desemperrar gavetas que julgámos que nunca mais abriríamos. E não a abri, mas hoje lembrei-me de ti.

Apercebi-me de que, ironicamente, de todos os que ameaçaram fugir da minha vida, foste a única pessoa por quem eu nunca mexi um músculo para tentar demover - e é irónico, por seres quem mais me custou ver ir, quem mais falta me fez, mas a raiva cega-nos e foi mais do que o suficiente para calar toda e qualquer vontade de remendar as coisas. Possivelmente, por não haver remendo que concerte a confiança ferida, por a única saída ser o perdão absoluto das coisas.

Depois de ti, o meu mundo começou a desabar aos bocadinhos - e não foi só por te ter perdido. Foi tudo ao mesmo tempo, parecia que estava a ser bombardeada por todos os lados e que estava ali, perdida no meio da fumarada de uma guerra que eu nunca percebi como se instalou. É possível que tenha desejado que aparecesses para me ajudar a sair dali, mas já não o posso garantir - uma parte de mim, estava a desistir da vida. A outra parte, começou a tatear à toa e a tentar fugir.

Muitas asneiras e uns quantos tropeções mais tarde, consegui restabelecer-me. Devagarinho, fui-me reconstruindo, criando memórias felizes, reconquistando essa vontade de viver que andou por parte incerta durante um tempo indeterminado. Estou grata por isso, mesmo que não o entendas: acredito que tivesse sido tudo muito mais fácil de aguentar se te tivesse tido ao meu lado, mas não me teria obrigado a crescer tanto. Talvez fosse demasiado dependente. Talvez não tivesse sido ainda obrigada a caminhar pelo meu próprio pé, sem precisar do amparo constante e de uma mão amiga a guiar-me os passos - agora sei como é estar no fundo, sozinha, e voltar. Sozinha. 

Anos mais tarde, apercebo-me de que a raiva inicial se dissipou por completo, que o tempo teve o condão de apagar as memórias más e deixar intactas as boas. Volta e meia, dou por mim a rir-me com coisas que me lembram de ti, e que já não vou partilhar contigo, mas deixou de doer. Guardo-te num sítio bom.

Hoje acordei a pensar em ti, pelo dia que é. Pelo que, há uns anos, representaria - e fez-me sorrir. Que estejas bem, que estejas feliz - eu também estou.

3 comentários:

disse...

É isso Patrícia. A raiva, o ódio ou aquilo que eu classifico de ódio na sua forma mais requintada - o rancor - destrói-nos mais a nós do que ao objeto odiado. Ser compreensivo e tolerante, ajuda a compreender a incompreensão e a intolerância dos outros. E coração mole dói menos do que coração empedernido.
Como ainda ninguém descobriu uma forma de alterar o passado, não podemos deixar que ele nos envenene o presente nem nos condicione o futuro.
Antes estar no fundo sozinhos, do que ter alguém que nos empurre mais para o fundo...
my God, o que uma garrafa de tinto de Setúbal faz por um homem... eheheh

Anónimo disse...

Belo texto. Como sempre.

http://diariosetemares.blogspot.pt/

ernesto disse...

Jota Esse, ficar a remoer não muda nada. Vale mais aceitar :)

Kyle, obrigada! :)