quinta-feira, 7 de março de 2019

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Há duas ou três semanas, ao ver-me a correr, uma daquelas senhoras especialistas na vida alheia achou por bem pôr-se aos gritos, no meio da rua, para me perguntar se ainda estava a trabalhar no mesmo sítio. Irritou-me pelo absurdo da situação: eu não iria parar de correr para conversar com ela, fosse qual fosse o motivo, muito menos entendi a necessidade daquela pergunta quando eu já estava largos metros à frente. Despachei-a com um não atirado por cima do ombro e escrevi um post a resmungar com o assunto.

Só que, depois, percebi que sentia vergonha. Vergonha de me assumir desempregada porque, por mais que eu não tenha tido a culpa, o sentimento é sempre o mesmo: falhei. Falhei às expectativas dos outros, mesmo daqueles que não parecem ter motivo algum para ter expectativas sobre mim. E isso dói.

A vida segue exatamente igual, sem outra emoção que não o desespero, e cada dia, parece ser só a extensão do anterior. É difícil fazer os outros perceberem o porquê de estar desanimada ou de não ter nada de novo para contar. É meio complicado colocar em palavras o sentimento de inutilidade ao chegar ao fim de cada dia, de cada semana, sem uma única resposta positiva. Sem uma luzinha que seja ao fim do túnel. 

Para os outros, eu ainda nem estou em casa assim há tanto tempo e tenho de ter paciência - para mim, passou uma eternidade desde a última vez que eu soube o que era ter uma rotina. E que bem que sabe uma puta de uma rotina que implique sair de casa e fazer coisas que resultam em dinheiro ao fim do mês! Que bem que sabe poder fazer planos, poder ter coisas a acontecer, poder seguir com a vida.

Todos os dias aumenta o peso no peito e a sensação de que isto não tem fim à vista, de que ninguém vai ser capaz de entender o verdadeiro conflito que vive na minha cabeça e o quanto me sinto a sufocar. Ou que é mais uma facada de cada vez que voltam a falar-me do hospital, como se tudo o que aconteceu depois me tivesse, ou devesse, feito lamentar a decisão de sair de lá - não fez. For god's sake, ainda não me arrependi por um segundo que fosse, e duvido um bocadinho de que vá fazer em algum dia.

3 comentários:

A TItica disse...

Se não lutarmos nós pelo nosso melhor, ninguém o irá fazer, nem aqueles que tanto querem saber!!

disse...

Ninguém vai ser capaz de entender. É o que eu digo às pessoas que me dizem: sei bem o que estás a sentir, porque só nós (e às vezes nem nós) sabemos o que nos anda a "roer" por dentro.
Nunca vou entender, por muito que tente colocar-me no lugar de outra pessoa - neste caso, tu - como é que eu, psicótico dos pés à cabeça, ia conseguir viver com tanta instabilidade, se uma simples viagem ao Alentejo, já me tira o sono.
Acho que vocês, os jovens desta geração, apesar de não terem o calvário de uma guerra por fazer e de, aparentemente, terem tudo, estão a ter uma puta de vida que não interessa nem ao c*r*lho e vão chegar a velhos antes de tempo. Mas isto digo eu, que nunca consegui lidar bem com a pressão... e nunca mais me sai o raio do Euromilhões, para te fazer candidata ao Nobel da literatura. xD
Olha, sem muita convicção no que vou dizer, não percas a esperança, que esta merda já bateu tão fundo, que daqui para a frente a tendência é para subir.
Disse isto à minha filha, há mais de 20 anos e a desgraçada continua a ganhar menos do que uma mulher-a-dias, a aturar os filhos dos outros. E não há meio da maré começar a subir...
Isto é que é um comentário animador... :(

ernesto disse...

Titica Deia, foi precisamente isso que fiz. Mas como a infelicidade é já uma tradição, continuo a levar com muito julgamento por ter escolhido acabar com algo que me estava a deixar infeliz!

Seminovo, não é um comentário animador mas, infelizmente, tenho noção de que é a verdade. E sim, vivemos uma era de merda :) "temos tudo" mas não chegamos a lado nenhum e vivemos a correr atrás de metas inatingíveis. Falta sempre alguma coisa, não se aceita ninguém sem experiência porque somos todos uma cambada de acéfalos que nunca na vida poderão aprender a trabalhar com um software novo, só porque não brincavamos com o mesmo ainda no útero das nossas mãezinhas. Já para não falar da instabilidade, dos contratos de mês a mês, dos salários miseráveis à comissão, ou dos empregos porta a porta que, infelizmente, é mesmo o que mais há.