Há uns anos, um rapaz perguntou-me quem é que me tinha feito tanto mal para me ter deixado neste estado. Não me lembro do que lhe respondi: possivelmente, contei-lhe duas ou três histórias passadas, que me pareceram uma justificação plausível para as minhas desconfianças naquele instante. No entanto, todo este tempo depois, eu ainda não sei a resposta - talvez tenha de contar a minha história toda, e talvez nem isso seja suficiente.
Quando era mais nova, cheguei a achar que o facto de não confiar em ninguém era vantajoso e me dava alguma superioridade - sempre a fugir de toda a gente, entregue à solidão e emaranhada em livros, eu ia sendo feliz por entre os intervalos da dor. E acreditava piamente que aquela era a melhor solução: quantas menos pessoas eu tivesse na minha vida, menos provável era que alguém me magoasse. Mas cresci: cresci mais ou menos sozinha. Domei um bocadinho a minha personalidade esquisita, mas não fui capaz de amansar a desconfiança.
Creio que não seja disparatado de todo dizer que o meu problema não é não confiar nos outros - é o não confiar em mim. O sentir-me sempre à margem, o achar que não sou suficiente, que não valho a pena. São estes sentimentos que me conduzem sempre ao desespero: se eu sou uma merda, quem é que vai olhar para mim? Só podem estar a usar-me. Ou a gozar com a minha cara. E fujo: fujo com todos os bocadinhos de mim que nunca entrego a ninguém, mas com o peito um bocadinho mais pesado porque levo uma nova mágoa comigo. Vou sempre certa de que o erro foi meu e, ainda assim, invento mais desculpas, procuro mais defeitos, só para poder culpar os outros. Só para garantir a mim mesma que fiz muito bem em fugir. E isto... bem, isto acontece sempre que sinto qualquer laivo de interesse por alguém.
Há alturas em que nem eu me suporto - tanta impulsividade, tanta frontalidade, tanto medo, dão cabo de mim. Não é uma coragem exacerbada que me faz saltar para a linha da frente e meter as cartas em cima da mesa: é o medo. O medo que eu tenho de me dar a alguém, de deixar que alguém crie raízes em mim, que me faça sentir alguma coisa. É por medo, por covardia, que digo tudo o que penso e o que sinto. Mostro-me como sou e depois mando-os embora: sou um poço de problemas. Sou mesmo. E eu também me detesto um bocadinho.
Ontem, mandei-o embora: depois de tantos dias a controlar-me, morri na praia e não aguentei mais. Eu não sei se ele era tão boa pessoa quanto me parecia ou não, mas estou certa de que queria descobrir - há muito, muito tempo que não conhecia alguém que me desse tanto prazer conhecer. Que me fizesse querer sempre descobrir mais e mais, que me desse a sensação de que valia a pena - foi a perceção de que me estava a começar a interessar por ele, a ideia, ainda longínqua, de que me poderia apaixonar se me deixasse ir, que me meteu em fuga. Que me tornou na mesma pessoa doentia de sempre, que me meteu à procura de provas, que me fez ficar a controlá-lo ao longe para tentar perceber se era ou não verdade. E era; era mesmo. Mas ontem duvidei outra vez - pediu-me que esperasse até hoje, e eu podia ter esperado. Podia e devia ter acreditado nele e ter sabido esperar, mas não consegui.
Ontem mandei-o embora e arrependi-me disso três segundos depois de ter enviado a mensagem: talvez ele não fosse mesmo a pessoa que me parecia ser, mas talvez fosse. Talvez ele acabasse por me desiludir, como todos os outros, mas talvez não. Talvez eu nunca me chegasse apaixonar por ele, mas talvez sim. E eu gostava de não me ter sabotado outra vez, gostava de me ter oferecido a oportunidade de descobrir tudo isto, em vez de intuir que ele não vale nada só porque me fez sentir alguma coisa boa.
Ahhhhh. Há mesmo dias em que até eu me detesto.