Nascer com uma malformação congénita também é aprender a chamar casa ao hospital onde te espicaçam as veias e te ensinam quais os cheiros e as cores do bloco operatório. Às vezes ainda sinto o cheiro do creme anestesiante que me aplicavam em ambas as costas da mão, minutos antes de mais uma ida à terra dos sonhos patrocinada pelo propofol.
Essa foi a minha realidade: médicos e mais médicos. Consultas atrás de consultas, sessões de porquê a mim? intercaladas com momentos de podia ser bem pior!. E eu podia ser uma traumatizada, podia ter medo de batas brancas, podia ter pavor de agulhas, podia desmaiar ao ver sangue - mas não sou. Nunca fui.
Lembro-me de ser pequenina e dizer à minha mãe que um dia ainda haveria de trabalhar num hospital, mesmo que fosse a fazer limpezas - a profissão era-me indiferente desde que eu pertencesse àquele mundo espetacular onde as coisas aconteciam. Com o tempo, percebi que o meu sonho tinha um nome e envergava uma farda branca: quero ser enfermeira, que quero. Mas depois vi esse sonho adiado, vi-o transformar-se numa bata azul, vi-o desfazer-se diante dos meus olhos na atitude resignada de quem poderia sempre estar pior - felizmente, essa crise passou.
Durante os estágios, disseram-me várias vezes que os meus esforços seriam inúteis porque nunca me poderiam garantir um emprego. Estavam certos, eu sabia-o, mas não me importava: fazia questão de dar o meu melhor independentemente de esta não ser a profissão que quero exercer até ao fim dos meus dias. E sentia-me feliz: a certeza de que estamos a ajudar alguém é e será sempre insubstituível.
Afinal enganaram-se: parece que esforçar-me tanto no estágio me abriu mesmo uma porta. Parece que dar o meu melhor também trouxe frutos: depois de dois meses à procura de trabalho, o meu telemóvel tocou e era do último sítio de onde esperei receber uma chamada. Comecei a trabalhar num dos serviços onde estagiei no dia seguinte.
Quando cheguei, vi um sorriso ao fundo do corredor. Bem vinda a casa! E eu sorri também.
É isso mesmo: casa.
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