Pensando bem, eu tornei-me estupidamente mais calma desde que fui para o hospital - paciente para ouvir, paciente para aceitar o ritmo de cada um, paciente para caprichos, que os há, dos doentes que viam em nós a única fonte de mimo. E, sobretudo, paciente o suficiente para me contentar com um revirar de olhos discreto sempre que alguma coisa me aborrecia.
Depois apercebi-me de que não gosto de mim assim, embora só tenha pensado nisto mesmo a sério quando, depois de ter pintado o cabelo de vermelho (finalmente, o vermelho que eu ando a tentar encontrar desde os 16 anos!), uma enfermeira me disse que não conseguia enquadrar a minha personalidade naquela cor, e eu dei por mim a perguntar o que raio ando eu a fazer à minha vida e em que momento é que me deixei transformar em alguém que passa por uma pachacha mole assim.
No entanto, não tive muito tempo para refletir muito sobre o assunto porque aconteceu tudo à velocidade da luz - num momento eu estava na santa paz de nosso senhor, e no momento a seguir estava a mandar vir com uma auxiliar pela forma como tinha tratado o doente. Revoltou-se, fez queixa, assobiei para o lado. Fez queixa a toda a gente, conseguiu meter outra também a tentar irritar-me - teve azar; domino a arte de ser cabra a sorrir e a criatura acabou por desistir.
Agora perguntam-me: mas não tiveste medo das consequências?
Tive, que tive. Sei que não sou de lá, que sou uma mera estagiária que não tem voto na matéria, e tive mesmo medo que dois surtos de irreverência seguidos me podessem prejudicar muito. Mas depois falei com o meu tutor e percebi que está tudo bem - todos sabem o que as criaturas são e o que fazem. Todos sabem que eu tive razões para dizer o que disse.
O que eu continuo sem perceber é porque é que, tendo em conta que toda a gente sabe o tipo de comportamento que elas têm em relação aos doentes, nunca ninguém as confrontou.
Depois apareci eu e o meu feitio mansinho.
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