Nem tudo tem sido um mar de rosas - há relativamente pouco anos, perdi um familiar naquele hospital, naquele mesmo serviço. Uma das pessoas que mais me doeu. E que ainda me dói.
Não há um único dia em que não me lembre disso: foi ali que ele morreu.
Surdo, fraco, completamente dependente deles para tudo - foi ali que definou aquele que me viu crescer, aquele que, mesmo não sendo sangue do meu sangue, sempre me assumiu como neta, como a neta mais velha. Mas nunca tinha pensado em como teria sido realmente.
Hoje eu sei: era só mais um a dar trabalho. Mais um para dar banho no leito porque, nos últimos tempos, já mal abria os olhos, quanto mais andar. Mais uma fralda para mudar, mais uma cama para fazer - borrada, talvez. Mais alguém para obrigar a comer - oh, ups, se não comer, não comeu, azar. Mais um que todos desejaram que morresse no turno a seguir, para não lhes dar trabalho. E dói-me ainda mais, como se me reabrissem agora uma ferida que estava quase sarada, e lhe mexessem uma e outra vez até sangrar de novo. Dói mesmo.
Nem tudo tem sido fácil - torna-se inevitável recriar o cenário da morte dele a cada comentário que ouço, a cada atitude que vejo. E hoje estou particularmente atónita, zonza, a rezar para ter visto mal ou para que tenha sido um caso isolado; não sou ninguém, sou só uma aprendiz, mas não é preciso saber muito disto para entender a paciência e a sensibilidade - o carinho, por assim dizer - devia estar incluído na folha de terapêutica.
Ou, pelo menos, as pessoas deviam entender isso.
E quer eu passe a vida como auxiliar ou como enfermeira, espero conseguir ser o tipo de pessoa que as famílias gostariam que estivessem do lado dos que lhe são mais queridos até ao fim - quero nunca fazer com que ninguém sinta o que eu estou a sentir hoje.
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