quarta-feira, 27 de março de 2019

de obesa a modelo plus size

Para ti, que és obeso, e sentes que não há volta a dar, só tenho duas palavras: eu também.

Eu também usei, durante anos, a desculpa de que até o ar me fazia engordar, e não conseguia emagrecer por mais que me esforçasse, até que a saúde me puxasse o tapete e eu acabasse por entender que, afinal, não me estava a esforçar o suficiente. E que o ar era, nada mais nada menos, que todas as porcarias que eu comia sem a mínima noção das facadas que estava a dar em mim mesma.

Sinto uma pontada de desespero de cada vez que leio um post de uma pessoa obesa - e aqui confesso que só tenho visto mulheres - a dizer que é uma gorda saudável - meu deus, eu também. Eu também dizia isto! E... era mentira. Embora eu não fizesse ideia.

Se se estiverem a perguntar, a resposta é não: não comento este tipo de publicações. Reviro os olhos e sigo com a minha vida porque, por mais que eu julgue ter razão, sei que o meu comentário seria sempre visto como algo desnecessário e maldoso. Gordofobia, como o povo agora adora dizer. Só que não. O meu problema é estar de fora e conseguir ver o que elas não conseguem.

Cinderela, agora excedeste-te.

Deixem-me contar-vos um segredo: eu não fazia ideia do corpo que tinha. Sinceramente. Choramingava por ser gorda, odiava ver-me na roupa - que, aliás, era um 31 para encontrar algo que me servisse - mas posso garantir-vos que só tive consciência do quão gorda era, quando mudei. Quando coloquei duas fotos lado a lado, numa daquelas montagens que eu antes julgava serem exibicionismo, e me obriguei a ver o quanto tinha mudado. 

O que me causa alguma comichão não é o facto de esta ou aquela pessoa ser mais gorda, ou ser obesa - francamente, passa-me ao lado. O que me chateia é esta tentativa constante de se normalizar a obesidade, de se chamar a alguém, com 30 ou 40kg a mais, modelo plus size. Ou, pior ainda, mulher real.

Já escrevi sobre isto, mas não me canso de o repetir: acho tão nocivo darem a entender que não há nada de errado em ser-se obeso, quanto aquela velha moda de que o corpo ideal é ser-se tão esquelética que dá para fazer da coluna vertebral um reco-reco. A grande diferença entre eles é que, se até para a magreza extrema as pessoas encontravam um limite, na obesidade parece não haver teto. Não importa se tem 5kg a mais, ou 45kg. Tudo entra no conceito, tudo é bonito. E, o pior de tudo, tudo é aplaudido por outras pessoas em condições semelhantes. 

Entra-se na onda de que, se aquela pessoa, com tanto peso a mais, é bem sucedida, vista como um modelo, uma mulher real, então eu também posso ser. Esforçar-me para quê, se o que importa é aceitar-me?

Aceitarem-se, sim. Amarem-se, sempre. Mas o amor próprio deve incluir, em primeiro lugar, a saúde. 

Há fatores genéticos, hereditários, hormonais, tudo o que quiserem, que aumentam a predisposição para engordar, sim - mas existem também muitas pessoas penduradas nesta desculpa para não terem de se esforçar por mudar. Afinal, nem sequer estão sozinhas no mundo, e cada vez mais há roupa plus size.

Uhm uhm.

Acho importante clarificar que eu não sou um exemplo para ninguém: apesar de falar imenso no quanto gosto de comer, a verdade é que, neste momento, tenho uma péssima relação com a comida. Na maior parte do tempo, todo e qualquer prazer que possa sentir ao comer algo de que goste muito, é abafado pelo sentimento de culpa. E, quando a culpa não é pelo que comi, é pelo simples facto de sentir fome quando eu decidi que não ia comer.

Para metermos os pontos nos is, quero deixar claro que este post foi escrito por alguém com excesso de peso: são 72kg de sensualidade distribuídos por 1,68m de gente. Já pesei 96kg. E esta informação é medianamente irrelevante mas é inegavelmente libertador sentir que sou capaz de o escrever. Pela primeira vez na minha vida, eu não sinto vergonha do meu peso. Mesmo que não esteja onde quero, mesmo que continue a lutar com a balança.

Perder peso não resolveu todos os meus problemas, não sou uma pessoa melhor só porque passei das calças 48 para as 40, ou porque a maior parte das camisolas que compro agora são o S. Não é disso que se trata, de todo. Mas posso garantir-vos que, mesmo nos dias em que barafusto com a minha imagem, gosto mais de mim hoje do que fui capaz de gostar durante os primeiros 21 anos da minha vida, se fosse possível compactar todo esse desamor e transformá-lo num só. E o amor próprio não tem preço.

O que quero que retenham deste post é isto: vale a pena fazerem algo por vocês. Vale a pena tentarem mudar. E, quando o fizerem, mesmo que às vezes duvidem, vão sentir-se melhor do que nunca.

Para quem tiver curiosidade, no instagram poderão encontrar um antes e depois: @quemdeuervaacinderela.

terça-feira, 26 de março de 2019

cinderela e as vinganças não cozinhadas

A melhor parte de se estar desempregado e inscrito no iefp é que, com uma frequência absurda, recebemos uma convocatória para uma sessão coletiva que não serve para muito mais do que para nos fazer sentir que estamos em regime de identidade e residência. Pergunto-me para quando a pulseira eletrónica para localizar desempregados, não vão eles fugir do país com o subsídio milionário. Especialmente pessoas que, tal como eu, recebem a módica quantia de zero euros com zero cêntimos.

Como é do conhecimento geral, esta pessoínha está desempregada há perto de dois meses - na primeira semana, recebi duas convocatórias de uma só vez, para duas reuniões em semanas consecutivas. A primeira foi um insulto tão grande à inteligência dos presentes que cheguei a começar um post sobre isso, mas nunca o publiquei. A segunda, foi mais do mesmo: sessão ilucidativa sobre a importância de ter um currículo. Pode parecer uma piada, mas não é.

No final de cada um destes encontros regionais de desempregados, entregam-se as convocatórias a quem a dirigiu, como prova de que estivemos presentes. Assim o fiz, em qualquer uma das duas vezes. Entenda-se que eu só me dou ao trabalho de comparecer para poder manter a minha inscrição, devido à quantidade de empresas que recorrem aos estímulos à contratação que exigem isso mesmo dos candidatos. 

Foi ontem, por ter começado a estranhar estar há mais de um mês sem ficar a ferver por dentro, que fui verificar o estado da minha candidatura: anulada. Alegadamente, não compareci a uma convocatória. Gravíssimo. Devo ter fugido do país.

Ora, eu sabia que isto só podia ser uma de duas coisas: ou a convocatória em questão nunca chegou até mim, ou algum dos seres geniais a quem as entreguei, no fim da sessão de humilhação, usou a minha folha para outros fins que não para confirmar a minha presença. Foi a segunda hipótese: misteriosamente, marcaram-me falta apesar de eu ter estado lá.

Portanto, aqui estou eu, com a minha inscrição anulada e impossibilitada de me reinscrever até ao dia 29 de maio, por um erro que não foi meu. Escrevi uma carta à diretora do centro de emprego, a explicar o sucedido e a pedir que me deixem voltar a inscrever sem esse castigo de 90 dias, mas não sei qual será a resposta.

Irritadíssima desta vida por saber que este é um ponto contra mim, aos olhos de muitas empresas, e mais ainda por saber que não tenho culpa alguma disto... recebi um email, do próprio iefp, a pedir-me que avalie o meu último contacto com a instituição. 

Afinal, deus até me curte um bocadinho.

quarta-feira, 20 de março de 2019

[aconteceu no sábado, pela primeira vez, e hoje repetiu-se: comecei a chorar descontroladamente. queria parar, queria acalmar-me mas, sempre que parecia ter recuperado a capacidade de respirar, era acometida por uma nova onda de pensamentos que trazia ao cimo mais uma enxurrada de lágrimas que eu não sabia existirem dentro de mim. era impossível secá-las.
tenho, neste momento, a mesma sensação que experimento num elevador: mesmo que queira, mesmo que precise, não tenho como fugir. estou encurralada. e é tão sufocante que não consigo perceber onde encontrei fôlego para chorar. para reagir.
contrariamente ao que se diz, o pior não é não ter esperança - o que é mesmo difícil, é tê-la e perdê-la. é dizerem-nos as palavras certas, exatamente o que queremos ouvir, vermos o brilho a voltar ao nosso olhar, o sorriso a surgir, depois de semanas e semanas de ausência, para depois voltarmos à estaca zero. ou menos um.
ficam as dúvidas, acima de tudo, acerca do meu próprio valor. das minhas capacidades. ou do que terei de tão errado assim, para que nunca nada dê certo.
quase dois meses depois, esgotei aquela réstia de esperança. e sinto que desisti daquilo em que mais acreditava, daquilo que mais defendi durante todo este tempo, porque não me restam forças para lutar por isso. não dá mais. não posso continuar a fingir que mereço o que ninguém me quer dar.
hoje morreu aquela réstia de esperança que ainda me ia mantendo sã. paz à sua alma.]

domingo, 10 de março de 2019

5 dicas para encomendarem o amor perfeito

Mea culpa: estão a ver aqueles programas merdosos que têm passado na sic e na tvi, de encontros e arranjinhos e cenas? Tenho papado o carro do amor quase-quase com a mesma sagacidade com que devoro uma embalagem de filipinos brancos, só para que vejam o que o desemprego faz às pessoas.
Poderá parecer-vos uma perda de tempo mas, pessoalmente, tenho achado bastante educativo. 

A conclusão é óbvia: as pessoas já não gostam de cozinhar em casa, e ir acrescentando ingredientes e temperos até a coisa ficar em condições - agora é mais fácil requisitar um daqueles serviços em que os estafetas vão buscar a comidinha ao restaurante, e está pronta a comer. Não dá trabalho e vem tudo no ponto. No amor, querem o mesmo tratamento.

Fico um bocado em choque: ah, é giro mas é muito baixo; ah, é boa pessoa mas não gosto de olhos claros; é simpático mas demasiado romântico.

Gente: podem mandar fazer roupa e sapatos à medida, mas com pessoas não funciona bem assim. Aquela criatura linda e maravilhosa, cheia de características excecionais, por quem vocês se apaixonaram... também vai vir com defeitos e pontos de discórdia. Ou lidam com isso, ou nem vale a pena. 

Ainda assim, e já que estes programas existem, dei por mim a olhar para o monsieur e a pensar no que é que eu acho que poderia funcionar melhor entre nós e que, por isso mesmo, daria um bom item para incluir quando se está a encomendar um eventual futuro parceiro, e elaborei uma lista para ajudar os possíveis interessados:

Ponto Número Um: O Frango

É engraçado porque ainda não ouvi ninguém a referir isto, embora me pareça um ponto absolutamente crucial: é importante perceber, desde o início, se gostam ou não das mesmas partes do belo frango de churrasco. Acredito que o par ideal é aquele em que um só gosta da metade inferior, isto é, das coxas, e o outro é feliz a comer aquele peito completamente seco e a chuchar as asinhas.
No nosso caso, temos os dois uma predileção por coxas e acabamos por ter de, desconsoladamente, dividir o frango ao alto para que nenhum saia prejudicado. Nunca seremos plenamente felizes.

Ponto Número Dois: A Cama

Acho muito importante saberem de antemão em que tipo de cama é que a vossa presumível futura cara metade está habituada a dormir. Se estivermos a falar de uma pequena cama de solteiro, deverá ser uma pessoa mais modesta e recatada, facilmente domesticada para dormir no seu canto, e só no seu canto, quando em casal. Agora, meus amigos, quando ambos estão habituados a dormir em camas grandes, é a rebaldaria total! É ver-me com 20cm de espaço para me mexer, quando eu sou uma pessoa espaçosa, é vê-lo a dar-me cotoveladas porque entretanto já estamos os dois com a cabeça na mesma almofada.
É muito complicado. Tem de ser conversado logo desde o início, para perceberem se há alguma hipótese de o espaço ser bem gerido. Casos como o meu... saltem fora. Nem tentem!

Ponto Número Três: A Televisão

No primeiro encontro, devem começar por questionar imediatamente quais são os programas a que a pessoa gosta de assistir. Se forem incompatíveis, corram o mais depressa que puderem. Ou rebolem.
Imaginem um casal em que ele é um aficcionado por desporto, devora todos os programas do género, e ela é uma pequena baleia com uma paixão sobrenatural por bolos que preferia estar a ver programas de culinária. Acham que vai correr bem? Pois. Nem vale a pena estarem a chatear-se. Vão comer e esqueçam essa cena do amor.

Ponto Número Quatro: As Pipocas

Tão ou mais essencial do que descobrir as partes do frango favoritas, é perceber como é que o outro gosta das pipocas. Eu sei, eu sei - para casais não-modernos que ainda se dão ao trabalho, a coisa é simples: compra-se o milho, faz-se as pipocas na panela e depois cada um faz como lhe apetecer. Mas como a generalidade de nós prefere aquelas que é só meter o pacotinho no microondas e faz-se a magia, pode ser um drama gigante haver incompatibilidade de sabores.
Se um só gosta das doces e o outro só gosta das salgadas, está a puta armada porque ninguém vai querer ter de comer um balde de pipocas sozinho. Pelo menos, eu não quero ter de comer um balde de pipocas sozinha, mas não tenho grande fé de algum dia o conseguir converter às salgadas. É mesmo complicado.

Ponto Número Cinco: A Música

Está em quinto lugar nesta lista, mas é um tema deveras fraturante que devia ser conversado ainda antes de se ter perguntado o nome. Neste caso, não basta haver uma compatibilidade parcial, essa coisa de gostarem os dois das mesmas músicas mas depois cada qual gostar de um género completamente diferente, que o outro não suporta.
Nada poderia ser mais dramático numa relação do que um deles, no carro, passar o caminho armado em dj botão, correr todas as estações pré-gravadas na rádio, resmungar que nunca passa nada de jeito, e recomeçar a clicar nos botõezinhos todos outra vez, do início, na fé de que entretanto todas as músicas anteriores já tenham acabado e que alguma lhe agrade ao ouvido. Enquanto isso, o outro chora baixinho porque só queria ter tido a hipótese de berrar a shallow a plenos pulmões. Já vi relações acabarem por muito menos.

Assim de repente, estes parecem-me pedidos muito razoáveis para se incluir quando, afinal, se está à procura da pessoa com quem iremos passar o resto das nossas vidas. Se tudo correr bem, e se um dia não houver um motim porque já ninguém suporta comer asinhas de frango. Oremos por esses casos complicados.

Se se lembrarem de mais características cruciais para o par ideal, sintam-se à vontade para acrescentar a lista. Ñão sejam modestos a exigir pedir, príncipes e princesas!

sexta-feira, 8 de março de 2019

porque é que me devias contratar?

É verdade, amigos: estou em casa há coisa de cinco semanas e já sinto que, não tarda, estou a atingir a idade da reforma sem ter tido sequer a oportunidade de ir preparando o tachinho para a altura em questão. E isto nem é tão descabido assim, se pensarmos que estamos demasiado velhos para a maior parte dos postos de trabalho a partir dos 40 - talvez seja uma sorte ter este arzinho de menor de idade aos 23 mas, se continuo em tamanho stress, sou capaz de começar a envelhecer precocemente muito em breve.

A verdade é que o mercado de trabalho é cada vez mais uma selva competitivo: quando não se tem a sorte de ser prima direita do dr Cunha, é mais fácil ficar milionária a pedir esmola à porta de uma igreja do que conseguir um emprego em condições, onde a pessoa não acabe explorada ou à beira do suicídio. 

Depois existo eu, uma teimosa do caraças que não acredita nos vai-se andando e quer mesmo é ser feliz e levantar-se todos os dias com vontade de ir trabalhar. Já viram coisa mais absurda para se querer? Eu sei, eu sei: sou pouco dada a modas e a tradições. Sei que é mais comum querer ser-se infeliz e resmungar todos os dias da má sorte e do euromilhões que nunca mais sai, do que querer realmente fazer algo que nos complete e nos faça felizes. Espantem-se: o que eu quero mesmo é não encarar aquelas 40h semanais como uma constante ida ao dentista. Ou, pior, como uma ida ao dentista para extrair o siso! 

Infelizmente, os recrutadores/empregadores/gente à procura de funcionários, estão com alguma dificuldade em perceber isso, portanto eu vou deixar abaixo uma lista a explicar porque é que já me deveriam ter contratado ontem. Ora vejam:

Boa apresentação
Gente, vamos lá ver: eu não sou bonita, que não sou, mas fui feita com muito amor e carinho. Isso conta, ou não?
Apesar desta tromba, que podia ter dado uma boa máscara de carnaval, não posso deixar de referir que tenho os dentinhos todos no sítio, ou já teria enveredado pela carreira de arrumadora de carros e não estaria a candidatar-me a vagas mais, digamos, fancy.


Assiduidade e pontualidade
Isto é muito simples de explicar: sou demasiado ansiosa para correr o risco de chegar atrasada. Quando tenho um compromisso, minha vida é cronometrada ao minuto para garantir que chego a horas. Se, ainda por cima, implicar estacionar num sítio onde estou pouco à vontade, chego duas horas antes e ainda vos tiro um café.
Quanto à assiduidade, mais simples ainda: fiz uma cirurgia e, no dia seguinte a ter tido alta do hospital, com mais buracos na barriga do que um crivo, estava de volta às aulas. Querem mais? Era sexta feira. Quem mais teria voltado às aulas, apenas três dias depois de ter perdido uma das suas peças de origem e, ainda por cima, a uma sexta feira? Exato: eu. Contratem-me.

Experiência em softwares que nunca nesta vida ouvi falar
Não tenho experiência mas, graças a deus nosso senhor, tenho um cérebro. E, melhor ainda: consigo usá-lo. Ensinem-me o básico para começar e, em menos de nada, vão ficar chocados com tudo o que eu já descobri. Sou mulher, pessoas, e mulher que é mulher tem uma costela de FBI, que tanto serve para desencantar os podres dazinimigas quanto para investigar e assimilar informação em tempo record. 

Jovem e com 30 anos de experiência na área
Vou contar-vos um segredo: experiência não faz, necessariamente, um bom funcionário. Já trabalhei com pessoas que, de facto, tinham mais de 30 anos de experiência na área e continuavam a ser maus funcionários - não por não saberem fazer, mas porque nem sempre isso é o mais importante.
Trabalhei em três áreas completamente distintas e, garanto-vos, dei o meu melhor em qualquer uma delas, porque não sei ser de outra forma. Não participo em nada onde não esteja disposta a entregar-me a 100%, a vestir a camisola - e nem numa altura em que já não estava feliz nem a gostar do que fazia, deixei de desempenhar as minhas funções com brio.
Portanto, a experiência adquire-se trabalhando, há sempre espaço para aprender coisas novas e, garanto-vos, dou uma funcionária do caraças.

Conhecimentos matemáticos
Este não costuma ser um ponto muito presente nos anúncios mas, em entrevista, já passei pelo momento constrangedor em que explico o meu percurso escolar e como acabei num curso profissional alternativo porque chumbei a matemática no secundário, e ouvir um ahhhh, mas os conhecimentos de matemática eram importantes para a função. Vamos lá clarificar a coisa: eu não consegui passar no exame, mas não sou necessariamente acéfala ou inválida para o o mundo do trabalho por isso. Ou ponderavam dar-me uma equação trigonométrica para eu calcular o horário de uma reunião?

Vontade de trabalhar
Eu gosto sempre deste ponto porque uma pessoa não tem como se defender. Como é que explico? Acrescento na carta de apresentação que já queria ter começado a laborar ontem? Digo que mal posso esperar para *copiar e colar neste espaço todas as funções descritas no anúncio*? Se não estivesse com vontade de trabalhar, não me candidataria. Mas às vezes tenho vontade de acrescentar que, pelo menos, não vou fazer trezentas pausas para fumar/tomar café/olhar para o teto, porque tenho a síndrome da menina certinha e esse tipo de comportamentos nunca me fez sentido. Ainda por cima, nem sequer fumo. Porque é que não perguntam isso? Deve contar como vontade de trabalhar, ou não?

Carta de condução
Esta é sempre a minha favorita - para todos os efeitos, sim, tenho carta de condução, e veículo próprio. O problema é que sou sovina, não adoro conduzir e, podendo, não conto fazer outra coisa que não usar transportes públicos - numa época em que toda as pessoas se preocupam mais em ter uma vida sustentável e poupar o ambiente parece-me, no mínimo, irónica a obsessão pela carta, ou não, pelo carro, ou não.
Já cheguei a ser descartada de uma oferta de emprego porque, quando me começaram a questionar sobre a distância a que vivia daquele posto de trabalho, eu respondi que nunca seria um problema porque, sendo mesmo ao lado da estação, poderia facilmente utilizar o comboio como meio de transporte. Que não, que não podia ser, que um dos requisitos era a carta de condução e viatura própria - entendam que estamos a falar de uma vaga para rececionista. RECECIONISTA.

Conhecimentos informáticos na ótica do utilizador
Fico sempre um bocadinho baralhada com esta - é para dizer que sei ligar o computador? Que sei o que é um browser e que até me safo muito bem em meia dúzia de programas que não uso no dia a dia? Que gosto de explorar? De qualquer forma, tenho um blog, ando nisto há quase 9 anos desta vida, acho que encaixo, ou não?

Perfil comercial
Também gosto muito desta, especialmente quando surge em anúncios que, à primeira vista, nada teriam a ver com a área comercial. Mas o que é, afinal, ter um perfil comercial? É ter lábia para, se for preciso, vender as vossas mãezinhas? Sim, as vossas. A minha é que não, de certeza, que quem quer vendas são vocês.

Domínio do inglês
You'll never know if you don't ask - i already had a job interview in french, but i was never asked to say a single word in english, wich is curious if we think that most of them want me to be fluent. Ok. I am. Even though i can get a bit nervous and, don't even know, end up telling you that i want to eat your mother, i promess you that i can really talk and have a decent conversation.

Agora a sério: por que raio é que eu estou desempregada? Não veem o que andam a perder?

quinta-feira, 7 de março de 2019

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Há duas ou três semanas, ao ver-me a correr, uma daquelas senhoras especialistas na vida alheia achou por bem pôr-se aos gritos, no meio da rua, para me perguntar se ainda estava a trabalhar no mesmo sítio. Irritou-me pelo absurdo da situação: eu não iria parar de correr para conversar com ela, fosse qual fosse o motivo, muito menos entendi a necessidade daquela pergunta quando eu já estava largos metros à frente. Despachei-a com um não atirado por cima do ombro e escrevi um post a resmungar com o assunto.

Só que, depois, percebi que sentia vergonha. Vergonha de me assumir desempregada porque, por mais que eu não tenha tido a culpa, o sentimento é sempre o mesmo: falhei. Falhei às expectativas dos outros, mesmo daqueles que não parecem ter motivo algum para ter expectativas sobre mim. E isso dói.

A vida segue exatamente igual, sem outra emoção que não o desespero, e cada dia, parece ser só a extensão do anterior. É difícil fazer os outros perceberem o porquê de estar desanimada ou de não ter nada de novo para contar. É meio complicado colocar em palavras o sentimento de inutilidade ao chegar ao fim de cada dia, de cada semana, sem uma única resposta positiva. Sem uma luzinha que seja ao fim do túnel. 

Para os outros, eu ainda nem estou em casa assim há tanto tempo e tenho de ter paciência - para mim, passou uma eternidade desde a última vez que eu soube o que era ter uma rotina. E que bem que sabe uma puta de uma rotina que implique sair de casa e fazer coisas que resultam em dinheiro ao fim do mês! Que bem que sabe poder fazer planos, poder ter coisas a acontecer, poder seguir com a vida.

Todos os dias aumenta o peso no peito e a sensação de que isto não tem fim à vista, de que ninguém vai ser capaz de entender o verdadeiro conflito que vive na minha cabeça e o quanto me sinto a sufocar. Ou que é mais uma facada de cada vez que voltam a falar-me do hospital, como se tudo o que aconteceu depois me tivesse, ou devesse, feito lamentar a decisão de sair de lá - não fez. For god's sake, ainda não me arrependi por um segundo que fosse, e duvido um bocadinho de que vá fazer em algum dia.