sexta-feira, 20 de julho de 2018

um pedido de ajuda sincero

Por mais que me custe dar o braço a torcer e assumir que preciso de ajuda, há alturas nas nossas vidas que não podemos aguentar tudo sozinhos. Em que precisamos de alguém que esteja lá para nos apoiar, que nos diga que somos capazes. Que nos convença, enfim, de que vai dar tudo certo.

É-me difícil escrever-vos estas palavras, mas preciso do vosso apoio.
Para vos contextualizar, preciso que saibam disto: eu nunca tive uma relação fácil com os pêlos. Especialmente se estivermos a falar do buço, posso ter uma simples penugem esquisita e já estou aqui a ponderar comprar um acordeão e fugir em digressão com o quim barreiros. 

O meu problema é que nunca consegui encontrar um método completamente satisfatório para os exterminar - e aqui já estamos a falar das pernas, calma. Eu sei, eu sei, é uma história triste: a cera chateia-me ter de esperar, com gilete pareço uma adolescente a querer chamar a atenção (ouch), e a laser... bem, a laser está fora de hipótese porque a pessoa é pobre, forreta e tem mais onde gastar o dinheiro.

Posto isto, há uns anos - sim, ANOS! - comprei uma debulhadora. Perdão: uma depiladora. Não, não comprei uma Cátia Márina cá para casa, arranjei foi um daqueles aparelhinhos do demónio, munidos de uma série de pinças, que poderiam muito bem ser objetos de tortura. E então? Nunca a consegui usar.

Minto. Graças a deus, para rentabilizar a coisa, a máquina até trazia uma cabeça de corte que eu fui usando já que, na primeira vez que lhe meti a cabeça das pinças, a que arranca pelinho a pelinho, encostei-a, sem querer, ao tapete da sala e, quando vi o que ela lhe fez, fiquei com medo.

Em boa verdade, eu fico a suar do buço só de ouvir a dita cuja a funcionar, que juro-vos que aquilo parece um berbequim. 

E qual é que é o teu problema agora, ó Cinderela?

O meu problema é que cheguei a um ponto da minha vida em que resolvi que, das duas uma, ou aquilo começa a funcionar nos meus presuntos e eu deixo de me automutilar a toda a hora, ou vou ter que ser a criadora do movimento #legalizepêlosatéaochão, e ninguém vai querer isso. Eu não quero andar por aí de patinhas cobertas, vocês não querem que eu ande de patinhas cobertas que nem um pónei gordo e peludo.

Sintam-se então à vontade para me motivar. Contem-me aquelas histórias de como essas máquinas arrancaram um bife da perna à vossa prima, e deu para fazer um almoço de família. Ou sobre como se anestesiam para usar uma cena destas. Sei lá. 

Dêem-me amor, pronto.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

insólitos

Portanto, esta pessoa, esta amável criatura, saiu do trabalho danada da vida, quase uma hora mais tarde, porque há gentes neste mundo a quem deus nosso senhor se esqueceu de atribuir um cérebro e, infelizmente, a pessoa parece atrair tais seres.

Chego ao carro, a conversar com o monsieur, ao telemóvel, numa tentativa de salvar o meu humor de cão, e apercebo-me de que um ancião se tinha levantado do banquinho onde estava a conversar com outras duas velhotas, e se aproximava do meu carro.

E então, Cinderela? Veio dizer olá? Veio elogiar o outfit? Veio dizer-te que és uma retardada simpática e que acha bonito que digas boa tarde a toda a gente?

Não.

Veio resmungar.
Ao fim de mais de dois meses a estacionar o carro no mesmo sítio todos os dias, descubro que ando a causar raivinha dos dentes nos moradores porque estavam habituados a estacionar o carro no mesmo sítio há mais de 40 anos (presumo que o carro de mão, o carro de bois, o carro de linhas...). Dizia-me o senhor que as pessoas queriam ali estacionar o carro e não podiam. Expliquei-lhe amavelmente que eu também sou uma pessoa, mas não estou certa de que tenha compreendido. 

Pediu-me que o deixasse noutro sítio. Olhei melhor: não, continua a não ser estacionamento proibido. Continua a não ser estacionamento reservado e, até onde sei, o usucapião ainda não funciona com as ruas, portanto continuo a ter tanto direito de ali estacionar o carro quanto as pobres almas que ali deixam as viaturas há mais de 40 anos.

Amanhã certifico-me de que faço um estacionamento à patrão e ninguém mais lá consegue deixar o carro, só por causa das tosses.

quinta-feira, 12 de julho de 2018

bofetadas da vida

Há uns meses, desempregada e com os senhores do iefp pelos cabelos, resmunguei com aquelas reuniões super úteis onde eu era convidada a estar, sob pena de me anularem a inscrição, com uma periodicidade absurda. Fiquei rabugenta com uma em especial, que serviu para dizerem ao povo que era importante termos um currículo se queríamos encontrar emprego. Então, mas isso não é óbvio?

Agora estou do outro lado: a empresa onde trabalho está a recrutar funcionários e eu fiquei incumbida de colocar o anúncio e de fazer a triagem dos candidatos - avaliar, enfim, se tem mais de dois neurónios a funcionar. 

Portanto, ontem recebi uma chamada de um senhor a pedir mais informações e a perguntar quando seria a entrevista - pára tudo! calma lá que somos à moda antiga, não há cá essa de saltar passos. Pedi-lhe que me enviasse o currículo primeiro, e depois de o apresentar aos patrões marcaríamos a entrevista.

- currículo? não tenho nada disso, nunca na minha vida precisei de tal coisa.
- então, mas se o senhor anda à procura de trabalho, o cv é essencial. é quase o seu bilhete de identidade.
- ahhhh... pois, mas nunca fiz. olhe que, se o fizesse, seria muito preenchido!



E a lição do dia é: afinal, não é óbvio para toda a gente, e talvez aquelas reuniões não fossem assim tão inúteis.

sexta-feira, 6 de julho de 2018

someone, somewhere.

Hoje acordei a pensar em ti.
Não foi por acaso, e eu sei que não; são artimanhas da memória, que volta e meia decide desemperrar gavetas que julgámos que nunca mais abriríamos. E não a abri, mas hoje lembrei-me de ti.

Apercebi-me de que, ironicamente, de todos os que ameaçaram fugir da minha vida, foste a única pessoa por quem eu nunca mexi um músculo para tentar demover - e é irónico, por seres quem mais me custou ver ir, quem mais falta me fez, mas a raiva cega-nos e foi mais do que o suficiente para calar toda e qualquer vontade de remendar as coisas. Possivelmente, por não haver remendo que concerte a confiança ferida, por a única saída ser o perdão absoluto das coisas.

Depois de ti, o meu mundo começou a desabar aos bocadinhos - e não foi só por te ter perdido. Foi tudo ao mesmo tempo, parecia que estava a ser bombardeada por todos os lados e que estava ali, perdida no meio da fumarada de uma guerra que eu nunca percebi como se instalou. É possível que tenha desejado que aparecesses para me ajudar a sair dali, mas já não o posso garantir - uma parte de mim, estava a desistir da vida. A outra parte, começou a tatear à toa e a tentar fugir.

Muitas asneiras e uns quantos tropeções mais tarde, consegui restabelecer-me. Devagarinho, fui-me reconstruindo, criando memórias felizes, reconquistando essa vontade de viver que andou por parte incerta durante um tempo indeterminado. Estou grata por isso, mesmo que não o entendas: acredito que tivesse sido tudo muito mais fácil de aguentar se te tivesse tido ao meu lado, mas não me teria obrigado a crescer tanto. Talvez fosse demasiado dependente. Talvez não tivesse sido ainda obrigada a caminhar pelo meu próprio pé, sem precisar do amparo constante e de uma mão amiga a guiar-me os passos - agora sei como é estar no fundo, sozinha, e voltar. Sozinha. 

Anos mais tarde, apercebo-me de que a raiva inicial se dissipou por completo, que o tempo teve o condão de apagar as memórias más e deixar intactas as boas. Volta e meia, dou por mim a rir-me com coisas que me lembram de ti, e que já não vou partilhar contigo, mas deixou de doer. Guardo-te num sítio bom.

Hoje acordei a pensar em ti, pelo dia que é. Pelo que, há uns anos, representaria - e fez-me sorrir. Que estejas bem, que estejas feliz - eu também estou.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

aviso

Este pobre blog está em obras e, dada a minha falta de tempo e de paciência, estas poderão ser obras de santa engrácia, pelo que se pede paciência aos (poucos) leitores deste antro abandonado. Cenas esquisitas poderão acontecer por aqui nos próximos tempos até que eu atine e descubra como o quero deixar.

cinderela ensina #1 - o verniz

Sendo eu uma referência para todos vocês no que à moda e beleza diz respeito, não faz qualquer tipo de sentido não vos transmitir os meus vastos conhecimentos nesta área. 
Para primeiro tutorial, achei que poderíamos começar pelas unhas, essenciais na arte de catar piolhos, coçar picadas de mosquito até fazer ferida, apanhar agulhas do chão, espremer borbulhas, and so on. Que ninguém duvide de que as unhas de uma mulher são um autêntico canivete suiço, e merecem ser mimadas como tal.

Se algum destes passos falhar, não quero que se sintam frustradas. Lembrem-se de que demorei muitos anos a aperfeiçoar a técnica até chegar ao que hoje vos ensino.
Vamos começar!

1º passo
A escolha. 

Deixo com vocês: há toda uma panóplia de vernizes à escolha, com os mais variados preços. Compreendo que gente pelintra possa optar por algo mais acessível, mas eu não abdico dos meus ricos cien, como pessoa endinheirada que sou. Nem todos temos tantas posses; deixo com vocês!


2º passo
A preparação.

Escolhido o verniz, está na hora de relaxar e alinhar os chakras. Nunca inicio este processo sem ter, no mínimo, três semanas livres pela frente, para poder fazer isto com calma. O meu conselho é meditar, pelo menos, meia hora.
Às vezes tento fazer um bocadinho de yoga também. Ando a tentar treinar-me para entrançar o cabelo com os pés, enquanto espero que o verniz das mãos seque.

3º passo
O ataque.

Começa sempre com o grito do ipiranga, por nenhum motivo em particular. Nesta fase, vocês têm de se sentir seguras da borrada que estão prestes a fazer. Vão com tudo, migas!
*inserir uma espécie de palminhas com os dedos, voz estridente e sorriso retardado*
Peguem no pincel que quiserem. Pessoalmente, prefiro aqueles que cobrem toda a unha - ou toda a mão mesmo - numa só passagem, mas ninguém é obrigada a ter uma trincha em casa! Uma dica super importante e que revolucionou por completo a minha vida é esta: não se preocupem em pintar dentro das linhas. A escola primária já lá vai, e essa competição ridícula também: usem e abusem. Até porque o verniz sai muito bem da pele, quaisquer 3 mesitos devem chegar.

4º passo
A seca.

Este é o ponto crucial. A seca do verniz e a seca que vocês apanham.
O conselho da tia Cinderela é que se coloquem naquela posição de cãozinho a pedir festas na barriga, dedos alargados como se fossem um pato e tivessem uma membrana interdigital a separá-los, e muita fé nessa hora. Se possível, fiquem assim por três horas, mais coisa menos coisa. Talvez seja o suficiente.

5º passo
A desgraça.

Eu sei, vocês sabem, todos nós sabemos. Vai haver uma ida à casa de banho de emergência, alguém vai tocar à campainha, vão receber uma chamada, o gato vai ficar com a unha presa no tapete, vai ficar frio, ou calor, e vão ter de fazer a dancinha do casaco, vai cair um avião na casa ao lado, o bruno de carvalho vai, finalmente demitir-se, ou tudo isto ao mesmo tempo. Nunca se sabe muito bem o que será, mas é certo e sabido que alguma coisa terá de ocorrer.
Vão levantar-se de repente e, num gesto imponderado, vão confiar demasiado na alegada rapidez do verniz a secar, e vão estragar tudo. Talvez seja só uma unha, talvez quatro, talvez todas.
Vão olhar para elas. Elas não vão olhar para vocês, mas faz de conta. Vão perceber tudo naquele momento: todo o trabalho, todo o tempo perdido, todo o verniz gasto, foi em vão.

6º passo
A depressão.

Ainda não é tempo de quebrar: sejam corajosas. Peguem no vosso removedor de verniz favorito, no algodão, e livrem-se daquela vergonha. Se tiverem seguido o conselho da trincha, talvez vos poupe tempo despejar o frasco num pano de cozinha e tentar salvar as mãos. Vocês conseguem!
Quando se livrarem das manápulas de avatar, cortem as unhas curtas, enrolem-se ao cantinho e permitam-se a chorar com as mesmas mãos de maria saloia do costume.

Repitam o processo dentro de 6 meses, ou quando reunirem a coragem necessária para passar por tudo isto novamente.
Boa sorte!

terça-feira, 3 de julho de 2018

d'aqui.

Demorei algum tempo a gostar deste sítio. 
A senhora do café é carrancuda, e eu até poderia ter gostado dela por me ter aprendido tão depressa os gostos e não precisasse de me perguntar como queria o meu café - entrega-mo sempre cheio, mesmo sem me falar. Ou sem olhar para mim sequer.

Os velhotes estranhavam-me. É o lado mau dos sítios pequenos: uma pessoa nova, desconhecida, é sempre uma presumível assaltante - não era capaz de me sentir bem com todos os olhos postos em mim, com os comentários sussurrados, ou não tão sussurrados assim que a idade não está para dar tréguas aos ouvidos moucos.

Não era mesmo capaz de gostar - eu, que sou genuinamente simpática, dava por mim cabisbaixa, de olhar preso ao chão, porque era mais confortável do que olhar para as pessoas - não estava sequer a gostar desta versão de mim mesma. 

Um dia, levantei a cabeça, ganhei coragem para fazer soar a minha voz no jardim, e disse boa tarde, com um grande sorriso, aos velhotes que estavam sentados num banco, à sombra. Responderam-me em coro, e eu perguntei-me por que raio nunca o fiz antes. Porque é que tinha tanto medo de que me ouvissem, de que dessem por mim.

Depois disso, nunca mais me calei.
Nunca lhe perguntei o nome, mas há um senhor que me pergunta todos os dias se já me vou embora. Relatou-me o dia dele, relatou-me a vida, falou-me de como cá veio parar aos 18 anos e nunca mais de cá saiu. É simpático e janta antes de eu sair do trabalho.

Outro, vive perto do parque onde deixo o carro. Está sempre sentado à porta e berra-me um bom dia e um até amanhã, todos os dias. E ainda há aquele que me responde com um olá, riqueza!.

Demorei a gostar deste sítio, não o posso negar - achava as pessoas fechadas, pouco dadas à intrusão do sangue novo, e eu deixei-me vencer sempre por uma timidez que não me pertence. Agora gosto daqui, gosto de andar pelas ruas, de me cruzar com as mesmas caras e de lhes perguntar como vai a vida.

Estou mais feliz e sorrio mais - acho que até consegui contagiar a senhora do café: há dias em que não me fala, mas já me sorriu algumas vezes.
Estamos a progredir.

segunda-feira, 2 de julho de 2018

aos 23

Gosto de poder dizer que nasci numa noite de verão, embora, talvez, ainda nem tivesse anoitecido completamente, embora, talvez, nem estivesse assim tão quente. Nunca perguntei, porque há coisas que preferimos não saber para podermos manter o sonho, e para que possa escrever a minha história com um início poético mesmo que a minha vida tenha tido sempre tão pouco de poema.

Hoje, já são vinte e três. 
Vinte e três anos completos, vividos num carrocel, como todas as outras pessoas - não, não sou a última bolacha do pacote, não sou a mais sortuda nem a mais azarada, a mais feliz ou a mais sofrida. É um carrocel. Uma montanha russa - queixamo-nos todos do mesmo, e ainda bem. 

Chego aos vinte e três de bagagem pesada, e grata por tudo o que vem dentro dela. Mesmo pelos medos, pelas dores, pelos dias em que achei que pouca diferença fazia se respirava ou não - é uma sensação estranha, esta. Uma conclusão improvável depois de tudo, mas hoje até me sinto grata por ter vindo com defeito lá da fábrica dos bebés, por me ter sentido diferente durante tantos anos. Até por todas as vezes em que me senti mínima, ínfima, menos que nada. Em que achei que não valia a pena, que seria sempre a anormal. Estou grata, porque o que dói também nos faz crescer, também nos molda, também nos ensina - e, perdoem-me a presunção, mas estou muito contente com a maturidade com que chego aos 23. Lamento ter demorado tanto tempo a perceber isto, tudo o que mudou em mim, com tudo o que cresceu e, acima de tudo, com a pessoa em que me tornei - e não, esta não é uma sessão de autopromoção, é para não me permitir a esquecer disto. De que cheguei aqui, e de que me orgulho disso.

A vocês, só interessará isto: hoje, já são vinte e três.

domingo, 1 de julho de 2018

(não quero dizer nada, mas julho é o meu mês favorito)

No ano passado, fui para o somnii em sofrimento: estava doente, assim à beira de cuspir um pulmão, tinha um ouvido tapado e, como se não bastasse, já que trabalhava no hospital, a única forma de conseguir ir foi saíndo do turno da noite no primeiro dia de forrobodó, e trabalhar mais 16 horas, seguidinhas, na segunda feira seguinte - ou vá, das quatro da tarde de segunda até às oito da manhã de terça - para poder ter o sábado e o domingo para abanar o cu no areal.

Não me bastassem estas condições tão favoráveis à diversão, esqueci-me por completo de que sou uma senhora de idade, cuja coluna não permite estar tanto tempo em pé no mesmo sítio, o que me levou a um desespero de que não gosto sequer de me lembrar. Estava, portanto, bastante rabugenta e com vontade de correr à lambada todas as amáveis criaturinhas que, (quase) com idade para serem minhas filhas, me mandavam fumo para cima, para o caso de eu ainda não estar a tossir o suficiente.

Saímos de lá, eu e ele, a jurar para nunca mais, a prometer que este ano iríamos arranjar um programa alternativo para esta época. Ou seja, como é óbvio, tirámos o bilhete para o somnii em fevereiro. 

A (menos de) uma semana do evento, a pessoa já está aqui em ânsias, mesmo que vá ficar com raivinha dos dentes a olhar para crianças seminuas a comemorar a passagem para o sétimo ano, mesmo que se vá sentir velha, mesmo que vá ficar em desespero porque estas costas já vão no 86º aniversário, no mínimo. Sei lá. Não tenho desculpa para continuar a gostar tanto disto - e vai com culpas mesmo, que o que importa é abanar o cu.