Este é o post mais a sério sobre uma das coisas que eu vos vou dizendo a brincar - não é uma inspiração, nem sequer um pedido de ajuda. É o que é, porque a realidade nem sempre é o que gostaríamos que fosse.
Sempre estive acima do peso. Sempre.
Lembro-me de que, durante todos, absolutamente todos, os anos em que estive na escola, ia a tremer para aquelas primeiras aulas de educação física em que sabia que nos iam pesar, um a um, quase sempre à frente de todos; se, por ventura, essa pesagem era adiada, saía da aula mais aliviada do que se me tivesse livrado da forca. Tinha vergonha do meu peso e, agora, analisando a situação a frio, não sei dizer se o que me assustava mais era ter toda a gente a gozar comigo ou se era eu própria ser confrontada com a realidade.
Rasguei todos os relatórios dessa avaliação que me foram entregues. Nunca me ocorreu fazer o que quer que fosse para mudar a minha situação; estava infeliz mas tinha aceitado como verdade absoluta a premissa mais irrefutável de todas: era gorda, ponto final. E a vida corria.
Fugi sempre de balanças.
Nunca tive muita noção do meu peso porque não me pesava, até ter entrado num ginásio e ter percebido que era, oficialmente, considerada obesa. Ah, e foi por isso que emagreceste? Não; as avaliações eram feitas, mais coisa menos coisa, uma vez por mês. O meu peso variava em dois ou três quilos, mas continuava um iô-iô. Um iô-iô obeso, já agora - a dada altura, cheguei a descer de categoria e passar a estar só com excesso de peso, mas consegui recuperar o meu posto. Para consultas futuras, fica o apontamento: não é mito. Ir ao ginásio três ou quatro vezes por semana não vai fazer grande diferença se continuarem a comer que nem porcos.
Foi preciso um susto, claro.
Aos 20 anos foi-me comunicado que uma das minhas peças de origem já não estava em condições de continuar e, na impossibilidade de encomendar outra para troca, ia ter mesmo de funcionar com uma peça a menos - quero aproveitar para mandar um beijinho grande à minha vesícula e dizer-lhe que me estou a aguentar muito bem com a nossa separação; bem podes ficar por aí, pelas terras do além das vesículas, mais 80 anitos sem mim.
Percebi que algo tinha de estar muito errado: não é propriamente incomum que as vesículas se avariem antes do tempo e tenham de ser retiradas, mas é assustador que isso aconteça em alguém tão jovem. Ainda por cima tendo em conta que a minha estava particularmente mal estimada - dizia-me a médica, já depois da cirurgia, que eu nem sabia o quão doente estava. Livrei-me de uma bomba relógio e percebi, finalmente, que era melhor não criar outra.
Começou por obrigação: no primeiro mês, é estritamente necessário que se siga à risca uma dieta rigorosa, para habituar o organismo a viver com um orgão a menos. Depois, foi porque gostei do resultado.
A brincar e sem grandes dramas, perdi 20kg. Comprei uma balança e comecei a pesar-me sem medo, sem vergonha, sem sentimentos de culpa. Não fiquei magra, entenda-se, pelo menos segundo os padrões da sociedade - mas cheguei a um ponto em que estava confortável, em que gostava da imagem que via ao espelho, em que gostava de me ver na roupa, em que sentia, enfim, orgulho na mudança.
O que é que poderia correr mal, não é? Vindo de mim, qualquer coisa.
O peso torna-se numa obsessão. Eu gostava de conseguir ser mais descontraída, de assumir que é normal, por exemplo, que tenha engordado na época das festas, dado que só fechei a boca às gordíces para as mastigar, especialmente agora que o meu trabalho é bastante parado. Mas não sou; fiquei maluca quando vi que o peso tinha aumentado, piorou quando me disseram que eu estava mais gorda, e agora juntei isso à minha resolução de perder mais uns quilos.
Não acho que esteja propriamente errado ter reduzido a quantidade de comida, numa tentativa de ajustar o que como à energia que gasto, nem é assim tão mal pensado ter trocado o iogurte a meio da manhã por fruta - mas pesar-me todos os dias, frequentemente mais do que uma vez ao dia, é um absurdo. Ficar com a consciência pesada de cada vez que ponho alguma coisa à boca, é doentio. Pesquisar quantas calorias tem um kiwi só porque, por algum motivo, ando viciada em kiwis, é igualmente estúpido.
Escusado será dizer que em poucos dias estava de volta ao peso inicial, o tal de antes das festas, mas agora já não consigo estar satisfeita com o meu corpo outra vez. O estás mais gorda ainda não me saiu da cabeça.
E a obsessão saga continua.