sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

o que se ganha ao perder

Foi na semana passada.
Num desses dias mais tristes, escolhi uma mesa para tomar o meu café, e sentei-me. Não me apetecia ler - levo sempre um livro comigo, mas há dias em que não lhe toco porque não quero. Limito-me a observar, essa mania antiga e, talvez, assustadora, de observar os outros. Sou apaixonada por tudo quanto não conheça.

Na mesa do lado, estavam duas miúdas. Na do fundo, um grupo de rapazes. Reparei neles em primeiro lugar porque eram, indubitavelmente, barulhentos, e eu não gosto de pessoas que fazem demasiado barulho em cafés - é muito fácil transformar-se um momento calmo na feira da ladra. Depois, reparei nelas: os cappuccinos não vieram juntos e resolveram esperar pelo segundo para fotografarem as chávenas fumegantes. Modernices.

Uma delas é muito bonita, a outra nem por isso. Conversavam, e não me perguntem sobre o quê porque não vos saberia responder; não me esforcei por ouvir. Estava mais concentrada nos gestos, num histerismo mal contido, naquele fulgor próprio da adolescência. Passou-me várias vezes pela cabeça que era aquela a figura que eu fazia quando tudo em mim fervilhava, quando era cheia de expectativas tantas, tantas, vezes irrealistas e quase impossíveis quando, também eu, não tinha mais do que 16 ou 17 anos.

Um dos rapazes aproximou-se e cumprimentou-as; não foi difícil de perceber. A mais bonita ficou ainda mais histérica, corou, e começou a abanar-se como se o ar não lhe estivesse a chegar em doses suficientes ao cérebro. Provavelmente, não estaria mesmo. Tentou conter-se quando ele passou do lado de lá do vidro, e depois voltou a entregar-se à euforia que lhe trouxeram dois beijinhos na bochecha, e não falaram noutra coisa durante o resto do tempo.

De repente, voltei a ter 16 anos, a estar sentada naquela  mesa, ou noutra qualquer, de coração acelerado e olhinhos brilhantes enquanto contava e tornava a contar, vezes sem conta, histórias insignificantes, momentos banais, como se de grandes progressos se tratassem. Nunca o foram - a minha vida sentimental ainda tinha muito que penar até se resolver.

Pensei em mim mesma, e no quando a versão adolescente de mim se parecia com aquelas miúdas ali sentadas a quem, se tivessem reparado em mim, eu não teria parecido muito mais velha. E depois dei-me conta de que é como se existisse um abismo entre mim e elas, como se se tivessem passado mil anos desde que estive naquele lugar das felizes trivialidades, em que me senti daquela forma. 

Parece que cresci. 
Que a forma como a minha vida aconteceu me obrigou a despir essa pele de miúda tonta e que, no final das contas, ter largado algumas mãos me permitiu a avançar mais depressa do que se me tivesse deixado ir ao mesmo ritmo. Há ritmos que não funcionam em outros mundos, em outras vidas, e volta e meia torna-se imperativo que se cresça mais depressa. Se calhar envelheci ao invés de crescer, mas continuo contente com a maturidade que ganhei. São manias.

Não senti saudades daquela quase-inocência, dos tempos em que os dias maus eram todos aqueles em que não nos cruzávamos com o rapazinho. Ou em que, pura e simplesmente, ele não olhava para nós. Ainda que agora os dias me pesem mais nos ombros, ainda que agora os meus dramas tenham tendência para serem mais sérios, ainda que a minha vida não esteja perfeita, não há nada pior para uma boa noite de sono do que uma cabeça adolescente e desassossegada. 

Nem mesmo o café.

3 comentários:

disse...

Nostálgica? :)

ernesto disse...

Não lhe chamaria nostalgia :)
Foi um exercício interessante, esse de "me ver de fora". Fez-me relembrar o que fui e perceber o quanto as coisas mudaram. O crescimento faz parte, as perdas fazem parte, a seriedade adquirida vem no pacote da sensatez. Não lamento nem tenho saudades... na verdade, essas pequenas alegrias momentâneas da adolescência nunca me fizeram realmente feliz. E, quem sabe, se dentro de uns anos não olho para o meu eu de hoje como os mesmos olhos com que hoje vejo o meu eu adolescente? E isso também faz parte e é preciso. Tudo muda. Para quê lamentar? :)

disse...

É isso... não devemos renegar o passado, mas não podemos deixar que ele nos "envenene" o presente, nem condicione o futuro.
Há um tempo e um lugar para tudo. :/