quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

sobre o amor e essas merdas

Há uns anos atrás, eu jurava a pés juntos que não acreditava no amor - depois deixei de ser parva, percebi que o amor e o pai natal são coisas diferentes e, no caso do primeiro, não há isso de acreditar ou não acreditar: ou se sente ou não se sente, ponto final.

Não o sinto, ainda assim, e ainda me rio das pessoas que confundem tesão com amor dizem amar alguém que conheceram há um par de horas. Ou há um par de dias - semanas, meses, talvez anos. O problema do amor é ser uma palavra tão pequenina que cabe em relações mais pequeninas ainda que o deixam com má reputação. E o desgraçado não teve culpa nenhuma, porque nem chegou a aparecer.

O que sinto neste momento, é difícil de explicar. Tenho uma relação esquisita, improvável e muito complicada com alguém. Talvez nem lhe deva chamar paixão, mas chamo, às vezes, para justificar as noites mal dormidas quando estamos chateados, as torrentes de lágrimas e ranho sempre que as coisas vão mal, a inquietação de saber que ele não está bem, o sorriso de orelha a orelha quando ele é querido. Gosto dele. Gosto dele mesmo quando não gosto e digo que me quero ir embora - não vou, nunca vou, porque não consigo. Gosto mesmo dele. Mas não é amor.

Acredito que o amor é o que vem depois, mas a maioria das pessoas nunca chega a ter paciência para esperar por ele - o amor é o que vem a seguir ao beijo apaixonado com que o filme acaba, mas ninguém tem paciência para ficar no cinema a olhar para a ficha técnica. As pessoas querem amores perfeitos desde o primeiro instante, e desistem quando entendem que isso é impossível.

Não há nada de errado em discutirem às vezes. Não há nada de errado em serem incapazes de concordar um com o outro à primeira, não têm de ter personalidades idênticas e lidar com as coisas de igual forma. Às vezes vão magoar-se um ao outro. Outras vezes vai magoar-se mais um do que o outro; não há volta a dar, não pode correr tudo bem à primeira - e perdoar não é o mesmo que transformarem-se no tipo de mulher que passa anos a ser agredida mas nunca conta a ninguém porque ama o marido. Perdoar é tentar de novo. Dar uma hipótese às coisas de funcionarem, com tudo o que aprenderam sobre o outro.

Entendi isto hoje, quando senti que era assim que alguém me via neste momento - como a que perdoa, como a que morre às mãos de um amor antigo e, mesmo assim, perdoa. Mas eu não sou essa pessoa - sou um bocado antiquada, mas acho sempre bonito ver casais de idosos de mão dada. Ou simplesmente sentados um ao lado do outro - sempre me perguntei como é que será envelhecer ao lado de alguém, numa altura em que a paixão já se foi e só sobrou o amor, o amor infinito, àquela com quem se partilhou uma vida inteira. Mas entristece-me ver que os casamentos duram cada vez menos. As pessoas deixam de tentar quando fica difícil, e isso está tão errado.

Há quem troque de camisa quando a que tem se descose - há quem a remende, e fica bonita na mesma; aposto que não foi sempre fácil com estes casais que se aguentam 50 ou 60 anos casados. Também devem ter demorado a acertar o passo, a chegar a um consenso sobre a quantidade de sal que cada um gosta na comida, ou a descobrir quantos cobertores têm de pôr na cama para que fiquem os dois confortáveis.  E talvez tenham tido discussões idênticas - ela, chata e impulsiva, ele sempre calado para evitar conflitos; não acertaram à primeira, aposto. Mas não pararam de tentar, porque sabem que nunca se gosta em linha reta; há dias em que se gosta mais e dias em que se gosta menos, e o truque é tentar equilibrá-los.

Talvez um dia me vá embora como todos os outros vão quando desistem, talvez nunca passemos disto - talvez sejamos mais fortes do que as circunstâncias e a erosão do tempo. Talvez também consiga resistir a adversidades, a conflitos, a paranoias - e talvez um dia sejamos os dois velhos sentados, de mão dada, num banco de jardim.

3 comentários:

-H disse...

adorei adorei adorei

Anónimo disse...

Acho que ter uma relação sem discussões, não é sinal de que haja amor. Pelo contrário, se alguém aceita tudo sem pôr nada em causa, se calhar é porque lhe é indiferente o que o outro diz. E a indiferença é o maior sinal de desamor.
Esta história também acontece com os amigos. Só se ofende e preocupa com o que o amigo faz ou diz, quando a amizade vale alguma coisa.
Por isso acho que maior ofensa é o nosso amor ou o nosso amigo cagar no que dizemos. Se não te importas, se calhar é porque não sou importante para ti.
Outra coisa: Não te iludas com os velhinhos de mão dada. Eles só andam assim, porque se tiverem as mãos livres vão desatar à chapada um ao outro. eheheheheh

Unknown disse...

"O problema do amor é ser uma palavra tão pequenina que cabe em relações mais pequeninas ainda que o deixam com má reputação."
Gostei (muito!) desta frase