Tenho seis anos outra vez e, na escola, riem-se de mim. Dizem-me que tenho o nariz torto, mas eu não percebo porque sempre achei que era uma menina normal, uma menina como outra qualquer e nunca descobri nada de estranho em mim. Conto à minha mãe: eles são parvos, responde-me. E eu continuo a mesma menina que gosta de brincar e de aprender as coisas que ainda não são para a sua idade.
Tenho dez anos outra vez e mudei de escola: nos corredores, apontam-me o dedo. Gozam comigo, constroem cantilenas: narizinho torto. Gorda. Dizem-me que sou a mais popular da escola, e sou mesmo - todos conhecem a anormal. Todos sabem quem eu sou, todos se riem de mim - começo a trancar-me na casa de banho nos intervalos. E à hora de almoço. Começo a fugir o mais possível, a baixar a cabeça para que não reparem. Choro todos os dias, mas vou para casa feliz: não quero afligir a minha mãe.
Tenho quinze anos outra vez e não entendo o que aconteceu. Os poucos amigos que fiz nos últimos cinco anos viraram-se contra mim de repente: voltaram a gozar comigo e eu estou sozinha. Chamam-me gorda, dizem-me muitas vezes que nunca ninguém vai gostar de mim porque sou anormal, porque tenho o nariz torto. Eles não sabem que eu não tenho culpa - nasci com uma malformação, não posso mudar. Estou sozinha.
Tenho dezasseis anos outra vez e almoço sozinha, às escondidas, num canto da biblioteca. Se não me virem não podem gozar comigo: gosto de um rapazito mas trato-o mal. Se ele achar que eu odeio, não vai perceber que gosto dele e não vai pensar que eu me acho merecedora de gostar de alguém normal. Ele nunca olharia para mim, eu sei. Nem ele nem ninguém.
Tenho dezoito anos outra vez e alguém olhou para mim. Ganhei coragem para começar a sair à rua com maquilhagem sem temer que me achem ridícula - digo muitas vezes que sou feia, gorda e anormal porque eu quero que as pessoas saibam que eu estou consciente disso e que não estou a tentar parecer bonita, porque isso é impossível.
Tenho vinte e um anos: houve pessoas a cruzar a minha vida. Afinal, houve mesmo alguém a olhar para a miúda feia, gorda e anormal. Houve quem me achasse bonita, quem me fizesse sentir como tal. Houve pessoas na minha vida que me magoaram mas, ainda assim, mostraram-me que eu não sou a aberração que me ensinaram que eu era desde tão cedo. Tenho vinte e um anos e decidi começar a fazer alguma coisa por mim: em seis meses, perdi quase 20kg e há dias em que a imagem que o espelho me devolve não parece assim tão feia. Há dias em que me acho quae bonita - outros acho que estou só a ignorar partes de mim que nunca me permitirão sê-lo. Quem sabe?
Tenho vinte e um anos e não sei manter ninguém na minha vida: insegura, torno-me em alguém de que não me orgulho. Torturo as pessoas, questiono cada ação, cada palavra, cada olhar. Tenho vinte e um anos e sou insuportável porque não sei confiar em ninguém. Tenho vinte e um anos e há dias em que me sinto pequenina, pequenina, invisível, descartável, insignificante - fujo às pessoas porque não valho a pena, porque não sou ninguém, porque nunca vou ser melhor do que isto.
Tenho vinte e um anos e continuo a sentir-me a mesma miúda feia, gorda e anormal, sempre que cometo a loucura de me interessar por alguém.
2 comentários:
Bem, eu diria que o problema és tu...
...mas acho que foste levada a isso!
Crianças, jovens e adolescentes são psicopatas. E sem que alguém lhes puxe as rédeas tornam-se adultos disfuncionais...
...mas entretanto infernizam as vidas dos outros.
Depois há o efeito de matilha... Basta um estupido para, de repente, começar a haver mais estupidos! E se o estupido é dos considerados cool, a multidão de estupidos multiplica-se assustadoramente.
Eu era um dos gajos mais conhecidos da minha escola, mas só porque andava sempre com uma guitarra na mão, para todo o lado. Passava os furos e os intervalos a tocar. Mas estava longe de ser um dos gajos mais queridos da escola. Era conhecido mas não era popular. Sabia disso...
...mas tinha uma guitarra! Nos intervalos, ou nos furos ia para trás de um pavilhão e tocava. Depois aparecia um que se sentava, e depois outro, e mais outro, e por vezes uma multidão.
Eu não ligava. Só tocava! Mas quando alguém começava a dizer "pá, toca aquela..." eu levantava-me, saia dali e ia para outro lado, e tocava...
Acho que nunca perceberam que eu gostava tanto deles como eles de mim e que não tocava para impressionar ninguém ou para sacar gajas! Tocava para mim! Era a minha maneira de ir para outro mundo que não aquele. Os meus amigos e não estavam ali. Tinha três ou quatro bons amigos, mais nada!
Não guardei grandes recordações desses tempos em que tinha mais em que pensar...
...e não deixa de ser estranho ver montes deles a pedirem-me amizade no Face e a atravessarem a rua ou um bar cheio de gente para me vir cumprimentar, quando na maioria das vezes apenas tenho vagas recordações de quem este pessoal é...
O mundo é muito estranho! Reconheces que tens um problema, por isso enfrenta-o. Não é fácil, eu sei...
...mas acredita que não é impossível!
:)
Aff. Tu própria contas a história: não és tu a anormal no meio disso tudo, caramba. Porra. A escola é mesmo uma merda quando não temos sorte nos "amigos"... parece tudo tão cliché, mas tens que acreditar nas coisas boas, porque mereces acreditar nelas!
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