Irrita-me que ela diga que tem um tumor maligno no fígado como quem diz que tem uma constipação. Irrita-me porque isto me tem doído todos os dias, desde que sei, e não quero que ela brinque - ou quero. Quero que me diga que é mentira, que está forte e saudável como sempre, que tudo isto é um pesadelo. Mas não diz. E sei que nem adiantaria dizer porque é mentira - então, ontem, enquanto almoçávamos frente a frente como se estivesse tudo bem, como se não houvesse esse monstro debaixo da cama a ameaçar ceifar-lhe a vida, dei por mim a pensar que, dentro de algum tempo, ela poderá já não estar ali. E dói; dói-me tanto imaginar o mundo sem ela que tive de desviar o olhar antes que desatasse a chorar. Tem mesmo de ser assim?
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