Não somos os rótulos que nos põem, não somos o que um momento de loucura faz de nós - pelo menos gosto de pensar assim.
Numa das minhas passagens pelo hospital, em estágio, conheci um ex-presidiário. Comentava-se que tinha matado um homem e que isso lhe soubera a 10 anos preso; não sei e, honestamente, isso não me importa muito.
Uma manhã, quando entrei no quarto dele com uma toalha lavada, remexi-lhe no tabuleiro do pequeno almoço; confessei-lhe que achava sempre piada às frases que vinham nos pacotes de açúcar da nicola, dos que dizem coisas como «bom dia a quem está de trombas», e nunca resistia a espreitar. Saí do quarto.
Algum tempo mais tarde, quando voltei para lhe trocar os lençóis, sorriu-me e estendeu-me o pacotinho do açúcar, agora vazio. «Como disseste que gostavas, guardei-o para ti, para se quiseres fazer coleção.» Aqueceu-me o coração.
Soube que morreu, uns meses mais tarde, e que as pessoas não lhe guardavam respeito; fiquei triste por ele e pelo funeral que, provavelmente, não foi glorioso. Eu não sei quem foi aquele homem antes daquela estadia inusitada no hospital, antes da doença que o consumiu. Talvez também não me interesse - o que guardo dele não é o passado de ex-presidiário ou os motivos que o levaram a matar alguém. Guardo-lhe o sorriso e um pacotinho de açúcar vazio.
1 comentário:
Uau. Faz-me pensar em quantas vezes deixei o preconceito levar a melhor. Obrigada.
Jiji
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