O que mais me assusta no futuro, é essa ideia de poder vir a ser um zombie igual aos outros. Levantar-me todos os dias às sete, tomar banho, sair de casa às oito em ponto. Cruzar-me com dezenas de pessoas sem as ver, por estar demasiado distraída com os meus pensamentos, provavelmente sobre a conta da luz ou do gás. Preocupa-me isso, sabes? Preocupa-me a possibilidade de chegar ao fim dos meus dias mas não conseguir contar mais do que uma rotina, repetida anos e anos a fio, sem que nada disso tenha sido importante. Tenho andado sempre a tentar desviar-me da linha, da forma certa de fazer as coisas, para poder contar que errei. Mas depois reparo que não tenho a quem contar, que ninguém me quererá ouvir. E penso em ti. Penso na infinidade de coisas que poderiam ser diferentes, mas na hora de o entender, não consigo sequer decidir se eu teria de ser diferente ou se teria de agir de forma diferente. Se teria de ser a menina bonita e interessante por quem te poderias apaixonar, ou se me bastaria agir como se fosse. Dizem os outros que isso é suficiente, que autoconfiança é tudo, mas eu sorrio-lhes e vou-me embora; não acredito neles, eles estão loucos. De nada me vale uma capa de super mulher se continuar a ser quem sou, e o que sou não é bonito, diga-se. Não te culpo por não gostares de mim, e acredita que até te compreendo se não me suportares; na maior parte das vezes, eu também não acho a convivência comigo mesma minimamente suportável. É mais difícil ser-se eu do que aquilo que algum dia imaginarias. Mas eu não espero que me resolvas os problemas, ou que decidas correr até mim, que me abraces como se ficasses para sempre, mas tenho medo do dia em que te irás embora. Temo esse dia em que te terei de dizer adeus, sabendo de antemão que não voltas, que não volto, que acabou o que nem esteve para começar. Não é culpa tua, mas os meus sonhos mal sonhados cairão por terra, e lá vem o mundo cair-me em cima outra vez. Só sobro eu para apanhar os meus próprios cacos, e tentar restaurar o que sobra de mim, cada vez com mais cicatrizes, cada vez mais incompleta. Mas não te culpo, já te disse. Não é o amor um jogo? Dizem que sim. Perdi as duas últimas jogadas e tenho medo de lançar os dados outra vez. Recuso-me a fazê-lo, deixo para depois. E depois será sempre tarde, porque mesmo que comeces a fazer parte da minha rotina, mesmo que te tornes o dono do café onde começarei a ir todos os dias tomar o pequeno almoço, de nada adiantará; entrarei todos os dias às oito e meia com um livro debaixo do braço; peço-te um café e um pastel de nata e sento-me na mesa mais distante do balcão para poder continuar a observar todas as tuas expressões inconfundíveis. Se me olhares, encontrar-me-ás a sorrir, inexplicavelmente. E eu ficarei envergonhada e voltarei a pousar os olhos no livro. Em algum momento, hás de me reconhecer, mas provavelmente nem dirás nada. Tal como eu. Serei a antiga colega arrogante que deixou de te falar por seres dono de um café. Mal tu sabes... mal tu sabes, meu amor, que só não te falaria porque estaria a sonhar com esse futuro que não será o nosso.
5 comentários:
Gostei muito deste texto. Gosto imenso da maneira como escreves, mas nunca consigo distinguir a tua sombra, a tua imagem!
Muito obrigada!
E não te sintas mal por não distinguires, a ideia é essa mesma, só eu compreender o que é e o que não é real :)
Não podes deixar escapar uma oportunidade destas. Do modo como o mundo anda, da maneira que a vida se aproxima cada vez mais da miséria, ter onde tomar o pequeno-almoço de borla, o bolinho e o café da manhã e ainda o leitinho quente para aconchegar as frias noites de inverno, é uma oportunidade que não surge todos os dias na vida de uma pessoa. xD
Como é que hei-de dizer isto? Grande wall of text...loool...Que tal uns espaços entre parágrafos para facilitar a leitura ao pessoal, hein? :P
É propositado! A ideia é isto ser lido mesmo assim, de rajada.
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