Sou completamente apaixonada por cidades. Escolho coimbra para minha favorita, por ser a minha cidade, mesmo nunca lá tendo vivido. Sinto-me em casa porque me perco. Faz sentido? Não. Só para quem, como eu, gosta de estar confusa.
Se me perguntassem do que gosto mais, eu não saberia responder. Gosto dos pormenores. Gosto daqueles candeeiros velhos, presos às paredes, pintados de verde mas deixando ver parte da ferrugem que lhes ofereceram os anos. Gosto das ruas estreitas marcadas pelo intenso cheiro a fruta, em pequenas mercearias com caixas amontoadas e vendedores que ainda sabem sorrir a quem passa. Gosto daquela rua que tem sempre música, geralmente fado, e uma lojinha a vender livros em segunda mão, autênticos tesouros, a cheirar a velho. E do cego que se senta sempre no mesmo sítio, e que repete a mesma cantilena desde que me lembro. Costumo deixar-lhe uma moeda, sempre que por lá passo, mas não o tenho visto. Onde andará ele?
Também gosto dos velhos - um preto e um chinês - que já várias vezes vi a jogar xadrez no meio da rua. É-me tão, mas tão fácil gostar de quem não conheço, que soube na primeira vez em que os vi que mais valia nunca lhes falar. As palavras só estragam, e eu gosto deles assim, sem saber mais do que aquilo que posso ver. Sorrio-lhes e vou embora. Mesmo que eles não me tenham visto, mesmo que ninguém se tenha dado conta da minha presença - eu sinto-me muito bem quando pareço ser invisível.
Se algum dia alguém der por mim, talvez me julguem louca graças a esta minha mania de sorrir aos estranhos. Mais louca me julgariam se soubessem o que me passa pela cabeça enquanto vagueio por aquelas ruas. Ninguém imagina o quanto sou apaixonada pelo som do acordeão misturado com as conversas que me são alheias, e pelas gargalhadas de quem não conheço, do quanto me tocam realmente as tunas no meio da cidade. E ninguém sonha a vontade que tive de chorar no dia em que tive a sorte de ouvir uma mulher a tocar violino sem que ninguém parasse para a ouvir. Eu podia tê-la ouvido tocar o dia todo.
Tento imaginar os segredos que cada rua esconde. As palavras que ainda ecoam nas ruas - ou na cabeça de quem por lá as ouviu - anos depois de terem sido proferidas. Tento adivinhar as dores e as alegrias ali escondidas, quantas pessoas ali terão vivido o melhor dia das suas vidas - ou o pior. Quem o sabe? Em cada parede, encontro uma promessa. Em cada esquina, alguém pode ter sofrido um desgosto - e ninguém o saberá. Quantas lágrimas não terão caído nas pedras da calçada que os meus pés agora pisam? Ouço então uma melodia triste, que não vem de lado nenhum; vem de mim, e deixo que as minhas lágrimas se misturem com as outras que o chão guardou. Nunca ninguém saberá, e por isso as minhas mágoas estão bem escondidas, porque o que há mais na cidade, é silêncio.
4 comentários:
Isso é bom? :)
Que texto lindíssimo.
É ótimo.
Uma escrita que não transmita sentimentos e sensações, não tem substância.:-)
Que texto lindo, tens muito jeito :)
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