quinta-feira, 28 de agosto de 2014

divagações

Estava distraída, num desses momentos em que nos concentramos em algo absolutamente aleatório e, qualquer que seja a maneira como somos trazidos de volta à realidade, parecerá sempre um choque. Virei-me, nem sei bem porquê; tinha dois pares de olhos pousados em mim.

De alguma forma irracional, eu sabia que aquilo ia acontecer. Não especificamente naquele momento, mas estava mais ou menos certa de que os encontraria ali, por ser tão provável e por eu ser tão propensa a tudo quanto pareça tirado de um filme.

Reconheci-a imediatamente pelo cabelo preto e desgrenhado e não tive de procurar muito para encontrar, logo atrás e ainda mais baixo do que ela, o homem cujas feições parecem ter sido copiadas a papel químico das do rapazinho. Não fosse ele pai dele. 

De alguma maneira, eles reconheceram-me; tanto um como outro, sem trocarem uma palavra, seguiram-me com o olhar até eu lhes desaparecer da vista. E eu não pude evitar pensar na noite em que os vi pela primeira vez - foi obra do acaso e nunca eu teria desejado conhecê-los ali, mas não pude evitar. Quando ele me apresentou, limitou-se a dizer esta é a patrícia, mas foi mais ou menos claro, pelo olhar da mãe, que ela sabia o que se passava. Que o entendeu naquele momento. Isso assustou-me na altura porque eu não queria que as coisas avançassem tão depressa. Precisava de tempo. Agora, apercebo-me de que passou pouco mais de um mês mas essa foi a última vez em que tudo esteve bem. Em que os meus medos eram só meus e eu sabia que havia como contorná-los.

Hoje, voltar a vê-los foi esse banho de realidade para que eu não estava preparada. Tomei consciência de que tudo tinha mudado e de que já não fazia sentido eu preocupar-me com o olhar da mãe que, pela segunda vez, me escrutinou dos pés à cabeça. Talvez nenhum dos dois se lembrasse de mim - talvez eu não fosse mais do que um rosto que eles se recordam vagamente de ter visto por aí, e não façam ideia de que era a patrícia que um dia o filho levou pela mão ao encontro deles. Talvez eles não saibam quem eu sou, mas eu sei quem eles são e isso magoou-me de uma  forma absurda; não sei se era suposto eu cumprimentá-los, mas não o fiz. Mantive-me no meu lugar, longe. 

É o que eu preciso de fazer com a família deles. Ficar longe. Ir-me embora de uma vez por todas e meter trancas em todas as portas que ainda me tentem a voltar - não dá mais. Aqui nunca vou ser feliz. 

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