Quando tive o acidente, deus nosso senhor achou que já me tinha feito estrago que chegue para um dia e, como prémio de consolação, meteu-me um interno fofinho nas urgências, ao meu dispor. Claro que o nosso primeiro encontro foi algo erótico: eu, deitada numa maca, de cuecas e soutien. Coberta de lama. Rastas no cabelo, feitas pela lama. Maquilhagem borrada. Confusa, amnésica, mas com a mesma mania de ser parva.
O moço era adorável, que era. Muito além de ser giro como tudo, era fofo que só ele, assim coisa para uma pessoa se deliciar, mesmo no meio da desgraça.
Depois veio a cirurgia, o internamento. E o moço, o interno de cirurgia, volta a aparecer. E tu, cinderela?
Um pijama com um panda. O cabelo desgrenhado, lavado com o shampõ manhoso do hospital. A barriga inchada de quem tinha acabado de parir gémeos. Sensualíssima, portanto.
Há uns dias, entrei num comboio cheio de estudantes. E cheio não é exagero nenhum: literalmente cheio de estudantes, trajados, sujos, bêbedos, ensonados. E depois?
Depois, esta pessoa é uma gaja cheia de pontaria e gosta mesmo do improvável. Em seis carruagens a abarrotar, conseguiu entrar exatamente naquela onde estava o interno fofo. A dormir.
Repito: na única vez que eu me cruzei com o moço convenientemente vestida, penteada, maquilhada e cheirosa, o gajo estava a dormir. O caminho todo.
Eu mereço?
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