sexta-feira, 13 de maio de 2016

o cair do pano

No dia em que nasci, tornei-me na neta mais velha da minha tia avó; com o passar dos anos, acabei por entender que o amor que se tem a alguém nada tem a ver com os laços de sangue, mais ou menos estreitos. Amor é amor - e eu, que não gosto de usar essa palavra em vão, atrevo-me a dizer que sempre a amei como uma neta ama a avó. Sempre. E é por isso que hoje me é tão difícil meter em palavras o que sinto.

A história dela não é a história do cabrão do cancro que está a fincar o pé e recusa dar-se por vencido; a história dela, a minha história com ela, é a história de uma das melhores pessoas que alguém pode querer ter por perto. Uma das minhas pessoas - uma das que eu amo mesmo.

Cresci entre a casa dela e a casa de outra das minhas avós: saltitava de uma para a outra porque, no fundo, eram as duas minhas também. Ela ensinou-me a fazer roupa para as minhas bonecas e deixava-me brincar com a caixinha cheia de botões; não me servia para nada, mas eu adorava o barulho que fazia.

Passou-me o amor pelo café e mostrou-me que um prato, tão banal quanto arroz com atum, se pode transformar na melhor coisa do mundo, quando é feita pelas mãos de alguém de quem gostamos tanto. Sempre que sabia que eu ia a casa dela, fazia-me uma miniatura do melhor bolo de bolacha de sempre, num prato de sobremesa, e ficava zangada quando eu o partilhava. Não sei se me deliciava mais com o meu bolo preferido ou com o gesto de alguém que fazia de tudo para me ver feliz.

Sempre torceu por mim como uma avó torce por uma neta. Comemorou cada uma das minhas vitórias, animou-me em cada derrota. Vi-a orgulhosa a passear ao meu lado quando tirei a carta, e de todas as outras vezes que a levei a passear. Vi-a feliz por mim, e vi-a chorar só de me ver chorar sabendo que não podia aliviar a minha dor. Ouvi-a chorar, de aflição, quando soube que eu tinha tido um acidente.

Fevereiro. 
Foi em fevereiro que me despedi dela, quando a levaram para longe de mim, para onde a iriam cuidar. Foi em fevereiro que, com um nó no peito, lhe disse adeus.
Faltam 13 dias para a poder ver novamente. 13 dias para a poder voltar a abraçar. 13 dias para eu lhe poder dizer mais uma vez, pela última vez, que a adoro. 13, mas o relógio não pára.
Faltam 13 dias mas o cancro, o cabrão do cancro, não dá tréguas. 

Deixa-me abraçá-la, por favor. Deixa-me vê-la mais uma vez. Só isso.

4 comentários:

Anónimo disse...

Este texto está tão lindo e ao mesmo tempo tão triste! Espero que tenhas oportunidade de a abraçar! Força!

Joana Sousa disse...

Doença de merda, começo a achar que só leva os melhores. *abracinho virtual*

Jiji

C. disse...

eu sei que não és enfermeira linda :) peço desculpa se o meu comentário te confundiu.

Daniella disse...

Muita força! <3
Infelizmente, sei bem o que isso é... Beijinho*