Gostar de alguém, nunca é o problema. O problema é de quem se gosta, e o que fazemos com isso.
Disseram-me um dia que era preciso ter calma. Que o importante era aprender a esperar e não nos tentarmos apoderar de um coração de uma só vez; há que manejá-lo, dia após dia, nas pontinhas dos dedos, e esperar que ele se nos entregue de livre vontade. Mas eu nunca fui capaz de o fazer. Por mais que tente contrariar essa tendência, sinto que começo a elaborar o meu plano de fuga aproximadamente trinta segundos após perceber que gosto de alguém, para não me permitir sequer a ganhar a ilusão de que há alguma coisa a fazer.
Torno-me fria, torno-me esquiva - e isto é só para usar palavras bonitas, porque a realidade é que me torno estúpida, mesmo. Tenho tanto medo que me descubram, que me escondo bem de mais. Faço de tudo para que não percebam como me sinto realmente, custe o que custar. Porquê? Nem eu sei explicar. Acho que, com o tempo, acabei por me convencer mesmo que sou uma aberração e que não tenho o direito de sentir como as pessoas normais. Que não sou digna de dizer gosto de ti sem ser gozada porque, com a minha idade, já devia ter compreendido que isso é exclusivo de pessoas bonitas. E por mais deprimente que isto vos possa parecer, juro que é verdade.
O mal é mesmo do que se faz quando se gosta, porque perdemos a noção das coisas. E eu, sempre tão desajeitada nisto do sentir, não sei ter calma, não sei ter meios termos, não sei fazer nada pela metade. Se num dia enterro num buraco bem fundo aquilo que sinto, no dia a seguir canso-me de fingir que gostar de alguém é um crime e atiro-me de cabeça. Porquê? Também não sei explicar. Acho que me canso de fazer de conta que não sinto, que não me importo, que não gosto - mas depois não sei lidar com isso porque não sou capaz de me habituar à ideia de que alguém saiba que é capaz de me levar onde quiser. Ou, principalmente, porque continua a magoar-me a ideia de haver alguém que, com a perfeita consciência de que me tem nas mãos, decide deixar-me cair. Ou empurrar-me.
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