Confesso que, a uns meses de completar vinte anos, ainda não me habituei à ideia de falar de mim mesma como mulher, de me considerar mulher, de me ver mulher. Talvez seja mimo, mas ainda me apetecia ser menina mais uns tempos, ainda preferia comemorar o dia da criança e voltar para o colo da minha mãe. A dor de sair de lá e enfrentar o mundo pelo próprio pé deve ser mais ou menos a mesma que os bebés sentem quando respiram pela primeira vez - mas não há nada a fazer. Agora, o mundo é nosso.
Mesmo assim, não marquei presença em nenhuma das inúmeras comemorações, de norte a sul do país, do dia da mulher. Para vos ser franca, acho que lhe tenho uma espécie de alergia semelhante à que sinto pelo amo-te; está tudo tão banalizado que deixa de fazer sentido. Não é isto. Não é assim.
O dia de hoje foi, sobretudo, sobre mulheres e mais mulheres a publicarem imagens em tudo quanto é rede social, a identificar irmãs, primas, tias, amigas e aquela vizinha mesmo chata do 3º esquerdo, só porque, hoje, todas nós que levamos uma vagina para todo o lado, somos amigas, somos farinha do mesmo saco, camaradas de uma batalha qualquer. Salienta-se aquela propensão para a generalidade de nós jorrar sangue pelas partes baixas durante vários dias, todos os meses, bem como a capacidade de cuspir monstrinhos de berço por essas mesmas partes, coisa que eles, os otários dos homens, parasitas da sociedade, não podem. Porque hoje, só hoje, é suposto fazermo-nos de superiores, olhá-los de cima porque sofremos mais, porque a genética nos tortura, porque a nossa vida é difícil.
O dia das mulheres é sobre um bando de mulherzinhas enfiadas num salão com música ambiente a jurarem a pés juntos que não precisamos deles para nada enquanto apalpam o cu a todos os empregados de mesa que passam por elas e lhes dão a entender que era só eles quererem e lhes saltavam em cima. É sobre um grupo de mulheres que acham que não é preciso haver um casamento para se organizar uma despedida de solteira e lá andam as piadas ordinárias, o strip masculino e as bandoletes com a pila a dar a dar no alto da mona. É, essencialmente, sobre um grupo de mulheres que acha que é preciso ser-se uma aluada para se divertir e que é isso que nos dá a nossa condição de fêmeas.
Não ouvi ninguém a falar da igualdade de direitos. Não vejo ninguém a tentar mudar o nosso mundo durante os restantes 364 dias do ano. Ninguém pensou nisso; só se quer comemorar porque hoje é o nosso dia e pouco importa o que isso significa; importarmo-nos para quê? Não muda nada. Não faz mal que nos pisem, que nos inferiorizem, que nos metam todas no mesmo saco e que nos achem umas putas - até porque, no nosso dia, é exatamente a isso que gostamos de brincar. Pelo menos, a maioria.
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