Sempre tive o vício, um pouco destrutivo, de associar pessoas a músicas, a sítios, a objetos, a cheiros. E às vezes, imagine-se, até à roupa que tinha vestida no dia em que aconteceu isto ou aquilo. É uma estupidez, bem o sei, mas não consigo evitá-lo.
Sofro de uma memória demasiado boa, já disse. Tem dias em que eu dava tudo para não me conseguir lembrar de todos os pormenores, de não conseguir fazer essa viagem ao passado de cada vez que fecho os olhos, só para me voltar a sentir estúpida e impotente por saber que tudo podia ter sido diferente se eu mesma tivesse sabido mudar isso. Dir-me-ão que é passado, que não devia vivê-lo como se o pudesse alterar - mas sabemos que essas não são mais do que palavras vazias que só servem para preencher o silêncio com meia dúzia de frases feitas disfarçadas de conselho sábio.
Não controlamos as memórias, são elas que nos controlam a nós. Deixam-se estar onde estão, intactas, inofensivas, até que nos atacam no pior momento. Saltam do fundo do baú, juntamente com o casaco que usámos naquele dia ou a carta que escrevemos e nunca chegámos a enviar. Saltam bem lá do fundo do baú, tal qual como no dia em que as lá arquivámos, porque as putas das traças só roem o que não devem. E lá vamos nós outra vez. E lá queríamos nós ir outra vez, voltar a esse passado onde nos perdemos. Não vivemos lá... mas se não te levar comigo para o futuro, tenho medo de um dia querer voltar aqui.
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