domingo, 19 de janeiro de 2014

reflexões de uma mente perturbada

Espera por ele todos os dias na mesma esquina. Se lhe perguntarem, dirá apenas que gosta particularmente daquele sítio e da vista priveligiada para o jardim, não porque sinta a necessidade de mentir, mas porque nem a ela própria tem contado a verdade.

Enquanto espera, enterra as mãos nos bolsos e faz figas. Não que acredite que isso lhe traga alguma sorte em especial, mas também nunca lhe disseram que não traria e, nos tempos que correm, todas as ajudas são preciosas, vale tudo. Queria só entendê-lo, vai dizendo a si mesma, enquanto espera sem esperar por aquele a quem ela não gosta de se referir com palavras meigas na presença de outros. Diz a todos que o acha insuportável e que está farta dele, muito embora lhe sinta a falta quando ele não vem e dê por si ainda mais impaciente do que é costume quando os minutos teimam em passar dolorosamente e ela não sabe onde está ele.

Amanhã digo-lhe olá, pensa ela todos os dias. Claro que nunca o fez e, estou capaz de jurar, nunca o fará. Sabe bem que, no fundo, e por mais que tanto ele quanto ela o neguem, é impensável dizê-lo como se o fizesse por uma mera casualidade e não como alguém que tem um trilião de perguntas para fazer, muitas delas que sabia não terem resposta. Uma conversa assim já não começa com um olá, como se diz a um amigo que encontramos na rua ou à prima que não vemos há meses. Estes dois vêem-se todos os dias e, todos os dias, ela pensa a mesma coisa. Quanto a ele, não se sabe o que pensará, mas é quase certo que tem a mesma tendência dela para criticar fortemente aquela por quem, muito mal disfarçadamente, vai procurando. 

Talvez um dia se entendam, quem o sabe, talvez ela nunca lhe chegue a perdoar ou talvez essa mágoa seja agora infundada e ela se sinta incapaz de o assumir a si mesma, a permitir-se admitir que há um motivo para nunca ter deixado de se importar e uma razão mais forte do que todas as outras para ela insistir em procurá-lo fingindo que nem o vê, quais dois putos a jogar às escondidas com a esperança de que nunca serão encontrados e lhes será, para sempre, permitido manter o inimigo debaixo de olho. Não se lembram, creio, que o jogo também acaba e que talvez valesse a pena ter lido as regras mais cedo, a ver se percebiam alguma coisa. Talvez já tivessem entendido que estão bem longe de serem inimigos. Talvez. 

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