Quando digo que a maior parte da minha família mais chegada vive em frança, refiro-me ao facto de, apesar de ter primos e tios a dar com um pau em portugal, serem, na sua maioria, o tipo de pessoas que evitamos. Se nos cruzamos no supermercado, ficamos, subitamente, bastante interessados num triturador que não nos serve para nada, porque já temos quatro, mas vale tudo. A sorte é que parece que sofremos todos da mesma síndrome, e então já ninguém liga. Para todos os efeitos, não vi ninguém e ninguém me viu.
Claro que eu sou a demente mental da família, cujo talento para disfarçar é equivalente ao de um elefante que se tenta esconder atrás de um anão, mas tudo bem. Então, hoje, e vá-se lá saber porquê, um dos meus primos direitos, dos tais que não parlam francês, apareceu-me à frente, vindo sei lá eu de onde. Discreta, tentei que ele não me visse; meti-me de frente para ele e baixei a cabeça, enquanto dizia não me vejas, não me vejas, não me vejas, com o ar sofrido de quem está prestes a sofrer a tortura do familiar que se vê uma vez por ano e pergunta pela família toda, como se estivesse realmente interessado. Diz quem viu que ele já estava a olhar para mim na altura. E que continuou a olhar. Talvez tenha reconhecido a prima e se tenha perguntado porque raio ela não está numa escola especial, para meninos especiais, daqueles cujo atraso mental é visível a este ponto.
Se perguntarem se eu sou da família, digam que me encontraram no lixo.
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